quinta-feira, 8 de março de 2012

Homenagem ao Dia das Mulheres - O princípio feminino




O mito de Lilith* pode ser encontrado em numerosos textos. Lilith aparece como o arquétipo da mulher selvagem, indomável: e também como a primeira heroína da luta dos sexos, que não se deixa oprimir e se atém à igualdade da mulher e do homem

*O nome Lilith significa: a jovem que adquiriu o profundo conhecimento da luz.

Quando "Deus" criou o primeiro homem ele disse: “Não é bom que o homem esteja só”, e criou uma mulher, também criada da terra, a quem chamou Lilith. Lilith, criada da terra, foi ligada ao ar por meio de asas.

Em pouco tempo ambos se opuseram e ela disse ao homem: “Somos semelhantes, fomos os dois criados do pó”. Mas Adão quis impor sua autoridade.

Então Lilith elevou-se nos ares e desapareceu.

Eis o que o Talmud babilônico relata.

Mas a história prossegue. Deus envia três arcanjos para trazer Lilith de volta. Eles a encontram no deserto, às margens do Mar Vermelho, mas ela recusa-se a retornar

O Deus ao qual aqui se faz referência não deve ser considerado como o Inefável a Fonte única, o campo de luz original que tudo contém em si e de onde tudo provém.

Porque, de acordo com os textos de Nag Hammadi, é evidente que a história da gênese, no Velho Testamento, refere-se à criação numa espiral inferior.

O princípio original da criação do Espírito com base no Pai-Mãe divino, em colaboração contínua com os aspectos cósmicos masculino e feminino, foi aqui perturbado.

É desse modo que um deus inferior, denominado Ialdabaoth ou Jeová, criou uma réplica deformada do Adão de Luz.

Nos escritos apócrifos, é dito sobre Ialdabaoth:

“Estes, satisfeitos consigo mesmos, deram a ele seu poder e tiveram de adorá-lo de modo que o louvor dessas potestades encheu-o de presunção. Ele foi tomado pelo ciúme e desejou fazer uma imagem para substituir [a imagem], e uma forma para substituir uma forma. E ele ordenou às potestades, sob a autoridade delas, que modelassem
corpos mortos”.

Portanto, Lilith, a portadora do princípio feminino original, não se voltou contra a luz divina, mas contra as leis de um éon decaído, Autades.

O mito de Lilith mostra como o eu superior coletivo da humanidade se separou e aguarda a reintegração consciente.

A projeção imperfeita, a criação substituta de Ialdabaoth, durará apenas enquanto os princípios masculino e feminino estiverem extraviados, perturbados, sem poder colaborar em igualdade e unidade absolutas.

No plano original da criação, no pleroma, a fusão cósmica dessas duas correntes não é uma lei elementar fundamental?

“Por isso uma imagem espiritual em que o masculino e o feminino não
estão unidos não é de natureza celeste...O único Santo não faz sua morada onde o masculino e o feminino não aparecem unidos. A bênção somente se encontra onde homem e mulher estão
unidos.” (Zohar)

E é assim que Lilith, vagando no deserto às margens do Mar Vermelho, sofre a maldição das turbulências astrais da criação de Ialdabaoth. Ali, na extrema aridez da vida dialética, ela é amaldiçoada
sob forma de um demônio feminino, uma sedutora, devoradora de crianças, e é chamada “a mãe dos natimortos”.

O mito de Lilith pode ser encontrado em numerosos textos. Lilith aparece como o arquétipo da mulher selvagem, indomável: e também como a primeira heroína da luta dos sexos, que não se deixa oprimir e se atém à igualdade da mulher e do homem.

Todos os povos, todas as culturas narram a criação com o auxílio de imagens e símbolos que representam as potentes forças e atividades originais.

Podemos assim dar à história de Lilith outro significado: encontram-se ali dois princípios que são Adão, o céu que dá a vida, e Lilith, a terra receptora.

Esses dois princípios são totalmente equivalentes.

Uma idéia sem possibilidade de manifestação permanece tão impotente quanto o aparecimento de numerosas formas sem a possibilidade subjacente de uma estruturação qualquer.

A unidade rompida dos dois princípios cósmicos masculino e feminino constitui uma das diversas fases da queda da criação na matéria.

Assim, os arcanjos encontram Lilith nos transbordamentos do Mar
Vermelho: o princípio feminino astral perdido é tocado em sua emotividade.

Lilith também significa: a jovem que adquiriu o profundo conhecimento da luz. Aqui aparece seu parentesco com o arcanjo decaído. E não é por acaso que a lenda narre o casamento de Lilith e
o Anjo.

É assim que Lilith se torna a mãe dos “natimortos”, que são, por um lado, os homens desta natureza, mas, por outro lado, os numerosos
movimentos emocionais que projetam desejos, sentimentos e prazeres em nossos corações.

As forças da dualidade, simbolizadas pelo "deus" criador inferior Ialdabaoth, necessitam, para perpetuar-se, que um dos dois princípios originais seja “maldito”.

Esse é o destino encarnado por Lilith, e mais tarde, o destino de Eva.

Ele se explica pelo fato de que a civilização (muito) patriarcal dos judeus tinha de se manter face à antiga civilização matriarcal do Oriente onde se adorava a Grande Deusa.

As antigas representações conhecidas de Lilith, em relevo sobre cerâmicas sumérias, mostram sempre essa deusa portando um anel em suas mãos erguidas.

Os símbolos são os mesmos que os de Ísis no Egito Antigo. Em cada lado de Lilith se encontra uma coruja, símbolo da noite e da morte, mas também da sabedoria: esse pássaro foi consagrado a Atena, na Grécia Antiga.

Lilith possui asas e tem os pés pousados sobre o dorso de um leão. As asas, bem como os leões, muitas vezes são atributos de deusas importantes.

A deusa indiana Maya, por exemplo, está montada num leão. O rosto de Lilith não possui nenhum traço de fúria infernal, sua expressão é
amigável e assemelha-se à deusa suméria Innana, como se vê em uma máscara de alabastro descoberta em escavações em Uruk, atual Iraque.

Na maldição e na separação do princípio original feminino encontramos a explicação para a imagem da mulher que se desenvolveu durante milhares de anos.

Essa é a causa principal do medo do princípio feminino.

Outro aspecto desse medo provém das leis inconscientes ligadas às dimensões e fenômenos extraordinários da esfera astral. Esse medo está presente em quase todos os contos relativos a Lilith.

Quando se trata de forças obscuras e perturbadoras dessa deusa bem como de sua sexualidade perigosa, tem-se o quadro dos “perigos” irremediáveis escondidos nas profundezas do princípio feminino.


O “medo da mulher” é, na verdade, um temor e uma advertência relativos às atividades mágicas e aprisionadoras do temperamento humano, e às assustadoras conseqüências da força astral que, aliás, atua tanto sobre os homens quanto sobre as mulheres.

Essa força é atribuída às mulheres enquanto princípio feminino original, e esse atributo fez nascer leis relacionadas aos aspectos
negativos desse princípio.

Muitos cultos à beleza assim como os ideais da beleza constantemente renovados têm como fundamento a feminilidade original.

Atrás disso existe, aparentemente, apenas o desejo de agradar.

Mas essa necessidade de introspecção demonstrada pelo princípio feminino tem sua raiz no desejo de refletir a imagem do divino, na realidade o desejo de restabelecer o estado original.

Na Exegese da alma é dito: “Ela se adornava sempre mais para agradá-lo, a fim de que ele permanecesse com ela... E a alma, tendo se tornado bela, se regozijou de seu amor, e ele também a amou”.

Para o homem, muitas vezes as forças astrais parecem estranhas, desagradáveis. Às vezes o homem projeta o medo dessas forças para o exterior, sobre a mulher, e ele é levado a se defender de uma força de atração simultânea, pois, na verdade, os dois princípios desejam ser libertados e unir-se novamente.

A união sexual entre o homem e a mulher não passa de uma sombra dessa união tão esperada.

Nesse domínio reinam uma grande confusão e uma dança infinita dos sexos entre atração e repulsão.

A mesma dança ocorre no interior: é a luta entre o coração e a cabeça.

Enquanto o mundo nas épocas das civilizações matriarcais (lunares) é nutrido e instruído, no âmbito do ânimo, pelas atividades do astral,o contrário acontece nas religiões patriarcais (solares), quando a cabeça, o racional, fica em primeiro plano.

Assim podemos considerar que o recuo do princípio feminino, tal como é descrito no mito de Lilith, marca a passagem do matriarcado para opatriarcado.

O apogeu da superioridade patriarcal se manifestou no Ocidente na época em que eram queimadas vivas as mulheres julgadas feiticeiras.

O desejo de manter a qualquer preço a autoridade masculina foi, e ainda é, a causa da opressão das mulheres.

Elas ainda hoje são privadas de seus direitos, difamadas, rebaixadas e condenadas à morte.

O ódio por tudo o que é feminino perpetuou-se até os dias de hoje.

Nós o encontramos sob diversas formas, como, por exemplo, na violência exercida contra as mulheres, ou no fato de que elas sejam, em inúmeras camadas sociais, tratadas de modo desigual, aparentemente inofensivo.

Mas os prejuízos assim infligidos ao princípio feminino são profundos e dolorosos.

Como se chegou a esse ponto? Como Adão se tornou o pretenso dominador do princípio feminino? Um mundo onde predomina a energia racional, dinâmica e agressiva do princípio masculino,
que sempre impusiona para frente, é um mundo frio e feroz, constituído de combatentes solitários.

É o mundo das armas cada vez mais destruidoras, das experiências e manipulações genéticas, da exploração crescente do nosso meio
ambiente.

Em seu medo do princípio feminino, Adão se perde no frio labirinto do intelecto. A solução não é retroceder a fim de desenvolver uma nova civilização matriarcal, se bem que isso indubitavelmente acontecerá algum dia, por causa das leis da natureza.

Com a troca do poder masculino pelo poder feminino ninguém será socorrido, exceto os criadores deste mundo.

O cumprimento da grande missão de salvação da humanidade só ocorrerá através de uma colaboração igual e consciente dos portadores dos dois princípios originais, missão proposta a todos os seres humanos.

Essa missão pode ser encontrada não apenas nos primórdios da civilização cristã como também nos mitos de todas as culturas da
humanidade ao longo da história.

Porque, como estabelece o grande especialista e pesquisador Schelling, todos os mitos provêm do mais profundo da consciência.

E é aí que nosso ser é interiormente posto à prova.

Esses mitos podem nos inspirar poemas, e o reconhecimento do verdadeiro fundamento de nossa existência e de nossa missão como seres deste mundo.

Por isso os dois princípios, masculino e feminino, estão sempre reunidos, mas um sempre repele o outro.

O resultado é hesitação, isolamento e fúria impotente.

Mas a consciência acaba nascendo dessas crises, e a consciência conduz à aceitação do outro, bem como ao reconhecimento
do fato de que, no mundo da dualidade, ainda que uma eventual aproximação entre dois pólos possa ocorrer, a fusão completa é impossível, e experimentamos sempre separação e, portanto, imperfeição.

É apenas com base em uma nova vivificação que engloba os dois princípios que a integração interior pode ser realizada. Isso é tão verdadeiro para o homem quanto para a mulher.

Uma purificação e reestruturação totais do coração e do cérebro são fundamentais; somente elas permitirão que as forças renovadoras da natureza superior ajam no ser humano a fim de que as duas correntes cooperem harmoniosamente.

Então o coração, onde reina a efervescência das especulações pessoais, se acalma, readquire seu equilíbrio e faz silêncio, voltando a ser o claro espelho dos impulsos do campo de vida divino, que podem agora projetar-se na cabeça.

O restabelecimento da unidade da cabeça e do coração concede à
luz divina a oportunidade de se desenvolver no homem.

Conseqüentemente aparece pouco a pouco, no grosseiro sistema humano, um novo ser, consciente, pleno de amor e dotado de uma alma ligada à luz eterna.

Podemos realmente compreender, como seres humanos, o milagre suscetível de assim se realizar em nós? Compreender qual o significado do “maravilhoso nascimento”? Compreender o que significa o renascimento do homem divino, do ser divino em nós?

Sem dúvida podemos presumi-lo. Nesse caso é de se supor que um grande e santo silêncio tenha sido alcançado, um silêncio que nos impulsiona interiormente a rejeitar as ruidosas incitações do mundo enquanto ainda permanecemos nele.

Mesmo que seja difícil entender intelectualmente esse processo, podemos, entretanto, reconhecer os sinais. A mão divina permanece invisível, mas freqüentemente ela consegue fazer que uma parte da imagem que ela delineia seja percebida.

A união do coração e da cabeça tem sua contrapartida exterior na colaboração dos que estão nesse processo. Eles estão convencidos de não estar errados, e, juntos, voltam seu olhar para uma só direção, um objetivo único: a união de todos com o Inefável.

Quando o homem se torna mulher
e a mulher, homem,
eles encontram em si,
além da dupla imagem mítica
de sua unidade,
sua verdadeira origem,
a única imagem original
no insondável.
Então, os dois novamente tornam-se
um todo, como o intemporal.
Ó tempo, escuta-me,
à mulher concede novamente seu lugar,
sua equivalência,
acima das profundezas.
(Evangelho Gnóstico de Tomé)

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