segunda-feira, 27 de julho de 2009




NOSCE TE IPSUM - γνῶθι σεαυτόν


O pensar correto não é para ser descoberto através dos livros, através do assistir a umas poucas palestras, ou por escutar meramente algumas idéias de pessoas sobre o que é o pensar correto. O pensar correto é para ser descoberto por nós mesmos através de nós mesmos. O pensar correto vem com o autoconhecimento. Sem autoconhecimento não existe pensar correto.
Sem conhecer-se a si mesmo, o que você pensa e o que sente não pode ser verdadeiro. A raiz de todo entendimento encontra-se no entendimento de si mesmo. Se você pode descobrir quais são as causas de seu pensamento-sentimento, e a partir desta descoberta, saber como pensar-sentir, então existe o começo do entendimento. Sem conhecer-se a si mesmo, a acumulação de idéias, a aceitação de crenças e teorias não têm base.
Sem conhecer-se a si mesmo, você sempre será pego na incerteza, dependendo do humor, das circunstâncias.
Sem entender-se a si mesmo completamente, você não pode pensar corretamente. Com certeza isto é óbvio. Se eu não sei quais são os meus motivos, minhas intenções, meus pensamentos-sentimentos particulares, como é que posso concordar ou discordar de outra pessoa? Como posso avaliar ou estabelecer minha relação com outra pessoa? Como posso descobrir qualquer coisa da vida se não conheço a mim mesmo? E conhecer a mim mesmo é uma tarefa enorme, que requer observação constante, uma vigilância meditativa.
Esta é nossa primeira tarefa, mesmo antes do problema da guerra e da paz, dos conflitos econômicos e sociais, da morte e da imortalidade.
Estas questões vão surgir, elas hão de surgir, mas na descoberta de nós mesmos, no entendimento de nós mesmos, estas questões serão respondidas corretamente.
Assim, aqueles que são realmente sérios nestas questões devem começar por eles mesmos, a fim de entender o mundo do qual são uma parte. Sem entender-se a si mesmo você não pode entender o todo.
O autoconhecimento é o começo da sabedoria. É cultivado pela busca individual de si mesmo. Não estou colocando o indivíduo em oposição à massa (ao coletivo). Eles não são antíteses. Você, o indivíduo, é a massa, é o resultado da massa. Se entrar dentro disto profundamente, você irá descobrir por si mesmo. que você é tanto o coletivo quanto o individual. É como um córrego que está constantemente fluindo, deixando pequenos redemoinhos, e a estes redemoinhos chamamos de individualidade, mas eles são o resultado desse constante fluxo de água. Seus pensamentos-sentimentos, aquelas atividades mentais-emocionais, não são o resultado do passado, do que chamamos a multiplicidade?
Você não tem pensamentos-sentimentos similares aos do seu vizinho? Assim, quando falo de indivíduo, não o estou colocando em oposição à massa, ao coletivo. Ao contrário, quero remover este antagonismo. Este antagonismo que coloca em oposição a massa e você, indivíduo, cria confusão e conflito, crueldade e miséria.
Mas se pudermos entender como o indivíduo, você, é parte do todo, não apenas misticamente, mas realmente, então nos libertaremos de modo feliz e espontâneo, da maior parte do desejo de competir, de ter sucesso, de iludir, de oprimir, de ser cruel, ou de se tomar um seguidor ou um líder. Então veremos o problema da existência de modo diferente.
E é importante entender isto profundamente.
Enquanto nos virmos como indivíduos, separados do todo, competindo, obstruindo, em oposição, sacrificando o coletivo pelo particular, ou sacrificando o particular pelo coletivo, todos aqueles problemas que surgem deste conflitante antagonismo não terão solução feliz e duradoura, pois são o resultado do pensar-sentir incorreto. Agora, quando falo sobre o indivíduo, não o estou colocando em oposição à massa. O que eu sou? Sou um resultado, sou o resultado do passado, de inúmeras camadas do passado, de uma série de causas efeitos. E como posso estar em oposição ao todo, ao passado, quando sou o resultado daquilo tudo? Se eu, que sou a massa (o coletivo), se não entender a mim mesmo, não apenas entender o que está fora da minha pele, objetivamente, mas subjetivamente, dentro da pele, como posso entender outra pessoa, o mundo? Entender a si mesmo requer desapego amável e tolerante.
Se você não entender a si mesmo, não entenderá nada mais. Pode ter grandes ideais, crenças e fórmulas, mas elas não terão realidade. Serão enganos. Assim, você deve conhecer-se a si mesmo para entender o presente e através do presente, o passado. Do presente conhecido, as camadas escondidas do passado são descobertas, e esta descoberta é libertadora e criativa.
O autoconhecimento requer um estudo objetivo, amável, desapaixonado de nós próprios nós próprios sendo o organismo como um todo, nosso corpo, nossos sentimentos, nossos pensamentos. Eles não estão separados, mas interligados. É somente quando entendemos o organismo como um todo que podemos ir além e podemos descobrir coisas mais adiante, maiores, mais vastas.
Mas sem este entendimento primário, sem colocar o alicerce correto para o pensar correto, não podemos prosseguir para alturas maiores. Torna-se essencial produzir em cada um de nós a capacidade de descobrir o que é verdadeiro, pois o que é descoberto é libertador, criativo.
Pois o que é descoberto é verdadeiro. Ou seja, se meramente nos conformarmos a um padrão do que deveríamos ser, ou cedermos a um anseio, produziremos certos resultados conflitantes, confusos. Mas no processo do nosso estudo de nós mesmos, estamos numa viagem de autodescoberta, o que traz alegria.
Existe uma certeza no pensar-sentir negativo em vez do pensar-sentir positivo. De uma maneira positiva supomos o que somos, ou cultivamos positivamente nossas idéias em relação a outras pessoas, ou em relação a nossas próprias formulações. E, portanto, dependemos de autoridade, de circunstâncias, esperando com isto estabelecer uma série de idéias e ações positivas. Ao passo que se você examina, verá que existe concordância na negação; existe certeza no pensar negativo, que é a mais alta forma de pensar. Quando você descobrir a negação verdadeira e a concordância na negação, então poderá construir mais adiante no positivo. A descoberta que reside no autoconhecimento é árdua, pois o começo e o fim estão em nós.
Buscar felicidade, amor, esperança fora de nós, leva-nos à ilusão, ao sofrimento; encontrar felicidade, paz, alegria dentro de nós requer autoconhecimento. Somos escravos das pressões imediatas e exigências do mundo, e somos desviados por tudo isso e dissipamos nossas energias em tudo isso, e assim temos pouco tempo para estudar a nós mesmos.
Estarmos profundamente cientes de nossos motivos, de nossos desejos de alcançar, de vir-a-ser, exige constante atenção interna. Sem o entendimento de nós mesmos, mecanismos superficiais de reforma social e econômica, mesmo que necessários e benéficos, não irão produzir unidade no mundo, mas somente maior confusão e miséria.
Muitos de nós pensamos que a reforma econômica de uma ou outra forma vai trazer paz ao mundo; ou que a reforma social, ou uma religião especializada conquistando todas as outras vai trazer felicidade ao homem.
Acredito que haja algo como oitocentas ou mais seitas religiosas, cada uma competindo, fazendo proselitismo. Vocês pensam que uma religião competitiva vai trazer paz, unidade e felicidade à humanidade? Pensam que qualquer religião especializada seja o Cristianismo, Islamismo, Hinduísmo, ou o Budismo , vai trazer paz? Ou devemos colocar de lado todas as religiões especializadas e descobrir a realidade por nós mesmos?
Quando vemos o mundo explodido por bombas e sentimos os horrores que estão acontecendo nele; quando o mundo está fragmentado por religiões, nacionalidades, raças e ideologias separadas, qual é a resposta a tudo isso? Não podemos apenas continuar vivendo uma vida curta e morrendo, e esperar que algum bem, advenha disso.
Nós não podemos deixar isso para os outros, trazer felicidade e paz à humanidade, pois a humanidade é nós mesmos, cada um de nós. Aonde se encontra a solução, senão em nós mesmos? Descobrir a resposta real requer profundo pensamento sentimento e poucos de nós estão dispostos a resolver essa miséria.
Se cada um de nós considerar esse problema como jorrando de dentro e não ser meramente conduzido nessa confusão e miséria pavorosa, então iremos encontrar uma resposta simples e direta. No estudo e, assim, no entendimento de nós mesmos, virá claridade e ordem. E só pode haver claridade no autoconhecimento, que nutre o pensar correto.
O pensar correto vem antes da ação correta. Se nos tornarmos conscientes de nós mesmos e assim cultivarmos o autoconhecimento de onde jorra o pensar correto, então criaremos um espelho em nós que refletirá, sem distorções, todos os nossos pensamentos sentimentos. Estar assim autoconscientes é extremamente difícil, já que nossas mente estão acostumadas a divagar e a estar distraídas.Suas divagações, suas distorções são de seu próprio interesse, suas próprias criações. No entendimento disto, e não meramente colocando isto de lado vem o autoconhecimento e o pensar correto. É apenas por inclusão e não por exclusão, não por aprovação ou condenação ou comparação, que vem o entendimento.

quinta-feira, 23 de julho de 2009

O gênesis e adão e eva na visão gnostica.




De Sophia, a mãe celestial de todas as coisas vivas, nasceu aquele que tornaria o formador e regente do sistema de criação.Ela sentiu grande tristeza e angustia quando o gerou, pois estava sozinha em um abismo de trevas e sua luz tinha diminuído.Sophia viu que seu descendente era capaz de mudar de forma. Ela se arrependeu de ter gerado um ser em sua solidão e o chamou Yaldabaoth, a “Ignorância-cega”.Yaldabaoth foi para o caos e elaborou um sistema de criação que era de seu agrado, e dentro dele colocou doze autoridades, sete regentes do firmamento e cinco regentes do abismo. O criador (Yaldabaoth) e sua hoste (os regentes) mesclaram, então, luz e trevas, para que as trevas parecessem radiantes e, assim, iludissem os olhos. Essa mescla de trevas e luz resultou num mundo imperfeito e fraco, pois as trevas impediram-no de desenvolver um exército de luz, que poderia protege-lo.Assim, Yaldabaoth permaneceu no centro do sistema do mundo que ele formara, e se tornou arrogante em seu orgulho, exclamando: “Eu sou Deus e não há outro Deus além de mim!” Dessa forma, ele demonstrou sua ignorância agora do verdadeiro caráter do ser, bem como seu orgulho, pois negou até sua própria mãe. Sophia, no entanto, olhou para ele das alturas e exclamou em voz alta: “proferistes uma falsidade ó Samael!” Foi assim que ele recebeu o nome que o tornara o senhor cego da morte (Samael), e então Sophia o chamou também de Saclas, com o que afirmava a tolice dele.

Sophia, porém, sabendo que sua descendência gerara uma criação a partir de sua própria imagem defeituosa, decidiu ajudar secretamente a luz que estava presente no mundo. Desceu de sua habitação e veio para perto da terra, movendo-se de lá para cá sobre ela, assim outorgando sua sabedoria e amor ao sistema que o tolo criador desenvolvera. Os regentes pensaram que eles, sozinhos, tinham criado e ordenado o mundo, mas o espírito de Sophia contribuiu secretamente para colocar esplêndidos padrões arquetípicos na trama do trabalho deles.Então uma grande maravilha apareceu nos céus: a forma de um homem, de visão majestosa e gloriosa. O criador Yaldabaoth e sua hoste tremeram e as bases do abismo sacudiram-se e as águas agitaram-se em terror sobre a terra. Tão grande era o brilho do arquétipo humano celestial que apareceu no céu que os regentes foram por ele cegados e não puderam agüentar seu poder. Desviaram os olhos e fixaram o reflexo da forma do homem, conforme essa aparecia nas águas abaixo.Todos os regentes e seus servos correram para perto e, juntando seus poderes, fizeram uma réplica da imagem do homem celestial; mas seu trabalho era defeituoso e fraco, porque a força de Sophia não estava na sua criação. O homem falsificado era estúpido e insensato e se arrastava pela terra como um verme. Sophia, então, enviou vários mensageiros da luz e eles, secretamente, penetraram na mente de Yaldabaoth, fazendo-o respirar sobre a lamentável criatura, desse modo infundindo-lhe vida. Aquele que criara pensou que era ele quem tinha dotado os homens de vida, mas, na realidade, foi sua mãe Sophia quem deu à humanidade a verdadeira vida. E o homem ficou de pé, caminhou e foi circundado por uma luz não terrestre.

Yaldabaoth e sua hoste reconheceram que o homem era, de fato, um ser cujo poder espiritual e inteligência excediam o seu próprio. Cheios de inveja e raiva, eles atacaram o homem cujo nome era Adão e o lançaram na escura região da matéria, para lá definhar em tristeza e privação. Sophia, entretanto, em cooperação com os mais altos poderes da plenitude, enviou a Adão um auxiliar, para instruí-lo e assisti-lo com sabedoria e força espiritual. Esse auxiliar era uma mulher, conhecida como Eva, mas cujo verdadeiro nome é Zoe, que significa vida (a filha de Pistis-Sophia). O sábio espírito feminino penetrou em Adão e ficou escondido aí, para que os regentes não percebessem a sua presença.Os regentes, então, conspiraram e elaboraram um plano no qual esperavam que o homem poderia cair, e permanecer cativo de seus desígnios. Eles criaram um jardim, cheio de belezas e delícias da terra, e colocaram Adão no meio dele, fornecendo-lhe todo o tipo de objeto agradável que pudesse desejar. Então eles mandaram Adão comer, pois o alimento do jardim é amargo e sua beleza é perversão, sua delícia é engano e suas árvores são iniquidade, seu fruto é veneno incurável e sua promessa é morte. As belezas e os prazeres oferecidos eram enganosos, corruptos e planejados para mantê-lo cativo dos regentes, sem vontade ou vida própria. Também colocaram uma árvore no jardim, contendo a vida deles, e proibiram Adão de tocar ou de comer do seu fruto. Eles o enganaram a respeito da árvore, lhe dizendo que sua raiz é amarga e seus ramos são morte, sua sombra é ódio e em sua folhagem está o engano, seu suco é o ungüento da perversidade, seu fruto é mortal e sua seiva é a cobiça; e que ela germina das trevas. Mas essa árvore é a inteligência-luz. E dizendo tais coisas sobre ela, eles impediram Adão de ver sua plenitude e conhecer a Verdade, fazendo-o ficar preso naquilo que era realmente ruim, e os regentes diziam a Adão ser bom.

Mais uma vez Sophia e os poderes celestiais (na forma de uma serpente) foram em socorro de Adão e o instruíram a comer o fruto daquela árvore e desafiar o regente e seus anjos tirânicos. Ao mesmo tempo, a mulher nasceu de Adão, mas o chefe dos regentes a reconheceu como tendo a luz de Sophia e enfureceu-se. Ele a perseguiu por todo o jardim e, tendo a subjugado, violentou-a e ela concebeu dois filhos dele, Caim e Abel. Porém, o espírito brilhante de sabedoria que habitava em Eva fugiu, enquanto ocorria esse estupro, e, assim, apenas a Eva humana passou por essa vergonha e não Zoe, o espírito vivo. Caim tornou-se mestre da terra e da água e dele descendem os homens e mulheres com inclinação para a matéria, ao passo que Abel comandou o ar e o fogo e se tornou o pai dos seres humanos que valorizam a alma e a mente. Adão, no entanto, percebeu o que o regente tirânico tinha feito e subseqüentemente gerou um filho com o nome de Seth, com inclinação para o espírito, e que se tornou pai daqueles que aspiram pela Gnose e por uma união com espírito.Os anjos tirânicos, então, observaram, enfurecidos, que a humanidade seguia seu curso e não iria permanecer no paraíso dos tolos, onde aquele que criara queria mantê-los cativos. O chefe dos regentes amaldiçoou especialmente a mulher, que veio a ser a mãe da humanidade e seu destino, bem como o de suas filhas, tem sido difícil desde então. Entretanto, Eva deu à luz uma filha, chamada Norea, plena de verdadeira Gnose, e que permaneceu na terra por muito tempo como uma ajudante da humanidade, porque era sábia e conhecia os esquemas e más obras dos anjos tirânicos.

Enquanto isso, os homens se multiplicaram, instruídos por Seth e Norea, muitos voltaram à Gnose, assim, os regentes ficaram com poucos homens e mulheres que os aceitavam como divinos e seguiam suas leis. Furiosos, então, desejaram destruir a humanidade, então resolveram provocar um dilúvio. Norea, vendo o que eles iam fazer, instruiu um de seus filhos, Noé, para que ele construísse uma arca onde todos os puros pudessem ser salvos. Então ele, instruído por sua mãe, assim o fez.Os anjos maus, então, assaltaram Norea, desejando violá-la com tinham feito com Eva, sua mãe, mas um grande anjo de luz chamado Eleleth a resgatou e lhe deu forças para continuar sua missão. Assim, com a ajuda de Norea, a partir de seu filho Noé, o esquema dos anjos tirânicos foi frustrado.Desde então a humanidade tem vivido em conflito e divisão, pois o chefe dos regentes nela semeou cólera. A verdadeira Gnose tornou-se rara e os filhos dos homens aprenderam coisas inúteis e mortas, seu conhecimento tornou-se mundano e corrupto. Mesmo assim a raça humana nunca foi deixada em abandono. Repetidamente os regentes se reuniram e planejaram destruir aqueles seres humanos que não queriam servi-los. Queriam corromper a raça humana, mesclando sua essência com a humanidade, e assim o fizeram, corrompendo mulheres humanas, fazendo-as ter filhos deles e não do Divino. Devido à multiplicação dos planos perversos e às depredações dos regentes, uma parte da humanidade está contaminada por sua semente, embora todos os homens e mulheres possuam também, a luz de Sophia.Os regentes são os verdadeiros tiranos. Seu mais profundo desejo é subjugar e reinar sobre a humanidade. Por isso os regentes estão sempre trabalhando, elaborando leis e mandamentos, como os quais possam constranger os filhos dos homens. Mascaram-se como mensageiros da luz, ou mesmo como o próprio Divino, exigindo obediência e adoração. Assim eles iludiram muitos profetas e videntes bem-intencionados. Porém Sophia nunca deixa de lutar por seus filhos.

Esse texto chama atenção pois coloca a visão gnostica de que o deus criador é um deus inferior e arrogante que tentou copiar para si os mundos celestese que o paraiso de adao e eva é na verdade o paraiso dos sentidos, feito para prende-los e fazer com que esqueçam sua origem..mas eva, isto é, o aspecto feminino do ser humano (o espirito), mostra à adão (a mente) como se libertar, comento do fruto da gnosis..

Deus - Inefável



Extrato do Evangelho Gnóstico de João, um dos textos que compõem a Biblioteca de Nag Hammadi:


A Monada é uma unidade sobre a qual nada rege. [...] é o Invisível e aquele que está acima do Todo, é imperecível e existe na pura luz para a qual olho algum é capaz olhar.
É o Espírito invisível. Não se deve pensar que seja um deus ou como um deus, pois é mais que um deus.
É um Começo que nada precede, pois nada existiu antes dele e não há nada que Ele necessite. Não existe em qualquer coisa que seja inferior a si, pois tudo existe nele.
Não necessita de vida, pois é eterno; não necessita de nada.
É Pleno, não possui nenhuma deficiência que possa ser aperfeiçoada, está além de toda perfeição. É luz.
É ilimitável, já que não há nada anterior a ele para limitá-lo.
É insondável, já que não há nada anterior a ele para sondá-lo.
É imensurável, pois não há nada anterior a ele para medi-lo.
É invisível, pois ninguém nunca o viu.É eterno e existe eternamente.
É inefável, já que nada pode compreendê-lo para dizê-lo.
É inominável, pois não há nada anterior a ele para dar-lhe um nome.
É Luz imensurável, pura, sagrada e imaculada. É indescritível, sendo perfeito em sua incorruptibilidade. Não que seja perfeição, bem-aventurança, ou divindade: é muito maior.
É ilimitável. Não é corpóreo nem incorpóreo; nem grande nem pequeno.
“É impossível dizer ‘Qual é sua medida?’ ou ‘Qual é seu tipo?’, pois ninguém pode conhecê-lo. Não é uma dentre as muitas coisas que há na existência: é muito superior. [..] É em si mesmo.Não é uma parte dos eons ou do tempo, pois o que quer que seja parte de um eon foi produzido por algo mais.
O tempo não foi designado a Ele, pois Ele não recebe nada de ninguém.
Aquele que existe desde o princípio não necessita de nada daqueles que vieram depois.
Em resumo, nada há antes dele.
Contempla somente a si mesmo na perfeição da Luz e abrange a pura Luz “Aquele-que-é-perfeito é majestoso; é puro, mente imensurável.
É o eterno que provê eternidade.
É o Eon que gera eon.
Luz que confere luz. Vida que dá vida.
O Abençoado que provê bem-aventurança. Conhecimento (gnosis) doador de conhecimento.
O Bem que provê bondade. Misericórdia que provê misericórdia e redenção. Graça que dá graça. Não que seja realmente assim. Mais exatamente, provê incomensurável e incompreensível luz. O eon dele é imperecível. É tranqüilo e repousa no silêncio. É anterior ao Todo. É a cabeça de todos os eons e sustenta-os por meio de sua bondade. Aquele-que-é-perfeito contempla a si mesmo na luz que o circunda...

quinta-feira, 16 de julho de 2009

Moradas de Teresa de Ávila



Teresa de Ávila, como ficou conhecida por sua cidade de nascimento Teresa de Cepeda y Ahumada (1515-1582), escreveu, dentre outras obras, três tratados místicos, de que o mais importante é O Castelo Interior, no qual relata sua experiência iluminativa alcançada depois de rigorosa disciplina espiritual que a fez viajar por seu mundo interior até os mais profundos estados de consciência.

Mas essa notável escritora e poetisa do período áureo da literatura espanhola, o século de Cervantes, não foi uma intelectual de gabinete e sim mulher de ação comprometida com o ideal de melhorar a humanidade.

Correspondeu-se com os grandes de seu tempo, assim autoridades civis como eclesiásticas, propondo as mudanças necessárias. Se escreveu, em prosa e em verso, obras tão belas que lhe garantem lugar de relevo nas letras universais, não foi por pretensão literária que não possuía de nenhum modo, mas para ensinar às suas irmãs de fé um padrão mais elevado de vida.

Teresa nasceu em 28.3.1515, em Ávila, região central da Espanha e faleceu em 4.10.1582. Aos 20 anos, ingressou, contra a vontade do pai, no convento carmelita da Encarnação e fez os votos, aos 22. Empenhou-se na reforma do Carmelo, tendo a colaboração de S. João da Cruz.

Escreveu O Livro das Fundações, Constituições, Livro da Vida, Caminho de Perfeição, O Castelo Interior, Contas de Consciência e Meditações sobre os Cantares. Eleita padroeira da Espanha em 1617, foi canonizada em 1622. É conhecida como a Santa dos Êxtases por suas extraordinárias experiências místicas.

O Castelo Interior foi redigido em 1577, no curto espaço de dois meses, numa espécie de escrita automática, como se fosse recebido do Alto.

É obra da maturidade espiritual de Teresa, que contava então 62 anos e já havia entrado em consciência cósmica, após uma sucessão de despertares que marcaram sua existência terrena repleta de enfermidades, atribulações, trabalhos constantes e mesmo perseguições por parte daqueles que não aceitavam idéias reformistas.

Como todos os escritos de Teresa, O Castelo não se destinava à leitura do grande público, e sim à instrução das carmelitas descalças, como um guia de espiritualidade. Tornou-se, no entanto, sua mais conhecida obra, quer pela perfeição da narrativa, quer, sobretudo pela acurada análise que faz da psique humana, interessando, por isso, também à ciência psicológica, nesta nossa época em que a expansão da consciência tem sido a proposta da mais sã psicologia.

Teresa parte da idéia de que a felicidade, que ela chama de Deus, está dentro de cada um de nós e não pode ser encontrada em nenhum outro lugar, visto ser um estado de consciência, cujo aflorar demanda o autoconhecimento, pois o homem afirma, não é a idéia que tem de si mesmo, mas uma alma ou consciência com vários graus de perfeição que abriga no mais recôndito o verdadeiro ser.

A entrada nessa esfera de consciência, no entanto, não depende de conhecimento intelectivo e sim de experiência direta que caracteriza o saber místico, a verdadeira sabedoria. É pelo autoconhecimento, lastreado na introspecção, que o ser humano consegue compreender-se e se transformar, de ser psíquico em Eu superior, ensejando a renovação da mente e o nascer para uma vida completamente nova, fruto de aliança definitiva da personalidade com o homem interior, o grande desconhecido.

Para explicar essa experiência transformadora, pela qual ela própria passara, Teresa vale-se da linguagem metafórica, que é a forma natural de expressão mística, porquanto a linguagem usual é insuficiente para expressar as realidades que transcendem. Duas são as principais imagens adotadas pela autora: o castelo e o casamento que são símbolos relacionados tradicionalmente com a necessidade que tem o homem em seu crescimento pessoal de se libertar da imaturidade psíquica e das formas limitadas de vida, com vistas na plena realização de suas potencialidades.

Teresa não inventou esses símbolos, nem foi a primeira escritora que fez uso deles, visto que encontram suas raízes já no próprio texto bíblico. O castelo representa a alma humana, ou a esfera intima do ser, o centro individual de segurança, porque os castelos são construções sólidas, de difícil acesso, erigidas geralmente em lugares altos e isolados, nos campos ou nos bosques, longe da turba da cidade. São protegidos contra as inundações e os ataques externos. Têm geralmente torres elevadas que conotam a evolução ou ascensão, e representam o elo entre a terra e o céu. Os castelos expressam, assim como os templos, o desejo de aproximação com Deus e de canalização do poder divino para a Terra.

Nos contos de fada, os castelos abrigam jovens à espera de um príncipe, qual a Bela Adormecida, ou um príncipe à procura de uma jovem para desposar, como a Cinderela. Na psicanálise, usa-se a figura da casa, similar ao castelo, para exemplificar o aparelho psíquico: o porão, geralmente escuro, denota o inconsciente e seus instintos, ao passo que os cômodos iluminados significam a consciência; entre luzes e sombras, há meios tons. No que tange ao casamento, o simbolismo é bastante claro. Já no Cântico dos Cânticos, ele traduz a experiência mais secreta da alma, uma relação pessoal e intensa determinada pela necessidade vital de alteridade, a que se deve a geração da vida. Sob o aspecto social, o casamento, disciplinado na legislação dos povos, implica relação duradoura, constância, mútuo interesse, comunhão de vida e de bens, auxilio recíproco, deveres e, até há bem pouco tempo, indissolubilidade.

Trata-se, na linguagem mística, não de imagem sexual, como pode parecer aos menos avisados, nem de sexualidade reprimida, como querem ver no texto teresiano alguns críticos que desconhecem a base poética da psique, mas a representação da união transformadora que produz a vida santificada.

Teresa concebe a alma humana como um castelo de sete pavimentos ou andares que são os vários graus de consciência pelos quais a pessoa tem de passar até chegar ao topo e ao centro, onde se dá a plenitude iluminativa:

"É de considerar nossa alma como um castelo todo de diamante ou mui claro cristal, onde há muitos aposentos, assim como no céu há muitas moradas. Que se bem o considerarmos, não é outra coisa a alma do justo senão um paraíso onde Ele disse ter suas delícias".

Mas, para desfrutar desse paraíso, faz-se necessária a introspecção a que nem todos estão acostumados. É preciso, em primeiro lugar, entrar no castelo, porque as pessoas, em sua maioria, ficam de fora, fascinadas com as coisas do mundo exterior. Com o objetivo de não confundir o leitor, Teresa adverte em tom pedagógico:

"Parece que digo algum disparate: porque se este castelo é a alma, claro que não se trata de entrar, pois se é ele mesmo, pareceria desatino dizer a alguém que entrasse num aposento já estando dentro".

O paradoxo, no entanto, é só aparente, porque mesmo no espaço físico há modos de estar. Há quem está mas não percebe e não tira nenhum proveito da estada vê, mas não enxerga, ouve, mas não escuta, porque o pensamento está muito longe, e é como se não estivesse no local.

Sabe-se de longa data que a alma tem em si algo de terreno (inferior) e de divino (superior): em geral, as pessoas comuns ficam com o terreno, não tomando posse nunca do nível superior, íntimo. É, pois, preciso entrar no castelo (voltar-se para o íntimo) e percorrer seus aposentos, num movimento ascensional, até descobrir a própria identidade iluminada.

Não basta, portanto, ter a noção de "possuir uma alma".

É imperioso aprofundar-se em si mesmo para chegar aos patamares mais altos da consciência e viver como um ser superior, ou divino. Enquanto a alma não necessita de esforço para viver seu aspecto terreno, necessita de muito esforço para viver superiormente, visto que é estreito o caminho que conduz para cima.

Assim, o centro da alma que Teresa diz ser o espírito não é reconhecido facilmente pelo homem (diga-se, pela própria alma), porque as ilusões turbam o entendimento. E é inútil o homem saber que é uma alma, se não experimenta todos os aspectos dessa alma. É, pois, somente esse conhecimento experimental, próprio dos grandes sábios e místicos, que produz a compreensão e a iluminação.

Essa expansão da consciência cura as inquietações da alma, operando a aliança do homem exterior com o homem interior, de modo que o primeiro passe a ser comandado pelo segundo. À melhor parte da alma, só se adentra com muito trabalho e esforço justificados pela necessidade de superar a ignorância.

"Não é pequena lástima e confusão, pergunta Teresa que por nossa culpa não nos entendamos a nós mesmos, nem saibamos quem somos? Não seria grande ignorância que perguntassem a alguém quem era e não conhecesse nem soubesse quem foi seu pai, nem sua mãe, nem sua terra?".

É, pois, imprescindível saber por experiência, o grande bem que há na alma, o que se dá pela entrada em si. A introspecção é justamente o adentrar da alma em si. Isso depende só do querer. A chave posta à disposição de quem quer entrar é, segundo Teresa, dúplice: a oração e a reflexão. Não a oração decorada, mera repetição de palavras, mas a oração reflexiva, com concentração do pensamento e afastamento de todo e qualquer cogitar profano.

Na oração, ensina S. Teresa, não é importante o muito falar, mas o muito amar. Trata-se da oração contemplativa, expressão de amor, que traz contentamento grande e quieto da vontade, no dizer da escritora.

O castelo da alma com sete andares e muitas moradas, imaginado por Teresa de Ávila, não é como os castelos que estamos acostumados a ver. É construído em forma de palmito, tendo em seu núcleo a parte saborosa envolvida em muitas coberturas.

Tampouco os cômodos ou moradas estão dispostos linearmente, senão abaixo, acima e ao redor. As moradas são graus de consciência e amor.

Nesse castelo, os órgãos dos sentidos são os serviçais que, no entanto, governam mal a casa e deixam entrar animais peçonhentos (as paixões), descurando ademais da limpeza. Por isso, se a chave da porta principal do castelo é a oração, as chaves das várias moradas são a humildade e a devoção. Humildade para reconhecer os pontos obscuros do castelo com vistas em eliminá-los; devoção ao grande ser que habita o centro do castelo.

Nas três primeiras moradas, há muita impureza, porque, estando mais próximas do solo, são mais vulneráveis às paixões, ao orgulho pessoal, ao amor narcísico, à avidez e às vaidades. Ao tomar ciência dessa poluição, quem entra nessas moradas, deve em primeiro lugar proceder à faxina de suas falhas. Cuida-se de extirpar o apego ao mundo, combater os maus pensamentos e sentimentos e de mudar o modo de falar.

As quartas moradas oferecem um colírio para os olhos da alma. Por estarem mais próximas da câmara real, são belas e iluminadas. Nelas não entram animais e, mesmo que entrem, não lhes fazem dano, porque a alma está purificada e fortalecida, já não tem apegos e sente prazer no recolhimento interior , deixa de pensar e passa a amar. É o início da vida iluminada, e uma força que parte do centro e do alto do castelo, puxa a alma para mais perto da morada central.

Nas quintas moradas, a oração começa a produzir o fruto da união. A alma torna-se compassiva, recebendo a marca do amor incondicional, que é a característica divina do homem. Livre da egoicidade, o homem se transforma (a lagarta se faz borboleta) e quer a todo preço chegar ao centro. Foi neste estágio de sua ascensão que Teresa recebeu as visões e os êxtases, pelos quais ficou conhecida, ela é chamada de a "Santa dos Êxtases". Na definição que a própria autora nos oferece, esses êxtases são "vôos do espírito", ou saídas de si, pelas quais a alma experimenta uma união fugaz com o divino e se sente estimulada a prosseguir em sua subida espiritual e abandonar de vez as conversações e confortos terrenos.

Enquanto os êxtases são arroubos da alma, as visões de Deus e de multidão de anjos, são intuições da presença divina na alma, intuições que ela chama de visões intelectuais, porque os olhos carnais, em verdade, nada vêem.

A consciência capta essa presença sem a intermediação dos órgãos dos sentidos. Com tais experiências, Santa Teresa tomou conhecimento mais perfeito da grandeza do ser que habita o castelo, aumentou o autoconhecimento e a humildade, e confirmou uma vez mais a pequenez das coisas terrenas.

Vê-se assim que tanto os êxtases como as visões têm por fim aumentar a capacidade de compreensão, que, ao lado da compaixão, é a característica básica da consciência cósmica. "Em Deus, diz, vêem-se todas as coisas, e Ele as tem todas em si mesmo". Mas, por causa desses êxtases e dessas visões, teve de enfrentar a incompreensão alheia, sendo vítima de acusações e reprovações até de seus superiores hierárquicos.

As sextas moradas são ainda mais belas, porque freqüentadas pelo senhor do castelo. Nelas a alma realiza os esponsais com a divindade. As tribulações, todavia, continuam, porque as outras pessoas com quem necessariamente ela convive, não a entendem (Teresa, como todo místico, destoa do grupo social) e a criticam e desprezam. É a noite escura da alma que precede a plena e definitiva transformação.

Por fim, nas sétimas moradas, que são as mais ricas e bonitas, a alma une-se, em casamento, com a divindade. Neste estágio, a pessoa percebe a sutil divisão entre alma e espírito, o centrum securitatis. O matrimônio espiritual nada mais é do que a divinização da alma que, purificada, fortalecida e iluminada, passa a desfrutar da paz que excede todo o entendimento.

Neste mais alto patamar, a vontade de servir ao próximo toma vulto, porque a alma se reconhece como instrumento cósmico para servir às criaturas. Então, quem se havia afastado do mundo para melhor compreender sua real identidade, estando já definitivamente livre dos apegos e das ilusões, volta ao convívio social para trabalhar com redobrado vigor em prol de todos os seres. A experiência mística só se completa e se confirma pelo serviço desinteressado.

É a faceta Marta que se ativa na alma. Nes te passo do livro, Teresa reabilita a figura evangélica de Marta, irmã de Maria. Em Lucas, 10:38-42, lemos que Marta hospedou Jesus em sua casa, e sua irmã, Maria, quedou-se assentada aos pés do Mestre a ouvir-lhe os ensinamentos, enquanto Marta agitava-se de um lado para outro, fazendo os preparativos para bem servir ao convidado ilustre, até que pediu ao Divino Mestre que ordenasse à irmã fosse ajudá-la a pôr a mesa. Ao que Jesus respondeu:

"Marta! Marta! Andas inquieta e te preocupas com muitas coisas. Entretanto, pouco é necessário ou mesmo uma só coisa; Maria, pois, escolheu a boa parte, e esta não lhe será tirada".

Pelo diálogo, tem-se a impressão de que o Mestre reprovou Marta e elogiou Maria, vale dizer, exaltou a contemplação e deu pouca importância ao trabalho. Teresa de Ávila, no entanto, dá interpretação mais adequada à passagem bíblica: Maria, a contemplativa, não é mais importante do que Marta, a laborativa, porque no grande castelo da alma, "Marta e Maria hão de andar juntas para bem hospedar o Senhor, e tê-lo sempre consigo".

Enfaticamente, pergunta a autora: Como Maria, assentada sempre aos pés do Mestre, lhe poderia dar boa hospedagem se a irmã Marta não a ajudasse? De fato, sem Marta, não há regalos, não há festa, não há boa hospedaria. Marta e Maria são facetas de uma mesma pessoa. O verdadeiro místico não se limita a contemplar, mas age e age sempre para o melhoramento do mundo.

Contemplação e trabalho se unem na personalidade mística.

Da mesma forma como a fé sem obras é morta, a contemplação sem a ação perde muito de seu valor. Diz-se mesmo que a missão do místico é trazer os céus à Terra para que esta se transforme em paraíso. Para completar, portanto, ascensão da alma, é mister o serviço desinteressado porque de nada vale represar o amor extraordinário que existe na alma de todo ser humano.

Além disso, a melhor parte, a que se refere Mestre Jesus, vem depois de muito trabalho e mortificação. É notório naqueles que atingem a iluminação o desejo de trabalhar para melhorar o mundo.

Foi assim com Sidarta Gautama que tendo-se afastado do mundo por seis anos em disciplina ascética, voltou iluminado para ensinar a humanidade a livrar-se do sofrimento, exercendo seu magistério durante 45 anos.

Foi assim com o Mestre Jesus que, iluminado nas águas do Jordão, não deixou nenhum dia sequer de pregar, ensinar, curar os enfermos e ressuscitar os mortos.

Foi assim com Paulo de Tarso: depois da conversão, não deixou de trabalhar, enfrentando perigos e tormentas para pregar a boa nova, além de prover o próprio sustento como tecelão.

E foi assim, também, com Teresa: após sua iluminação, em idade madura, não descansou um minuto sequer, atuando como reformadora e mestra espiritual, para o que teve de realizar viagens em condições precárias para diversos pontos da Espanha.

Deste breve passeio que acabamos de fazer pelas moradas de Teresa de Ávila, conclui-se que os ensinamentos dessa insuperável mestra de espiritualidade continuam válidos hoje, decorridos mais de quatro séculos, como continuarão sempre para aqueles que, "querem transcender a enfermidade do ego e do mundo, para enveredar pelo caminho da perfeição até Deus".

segunda-feira, 6 de julho de 2009

Mestre Jesus, o Cristo - O Sermão da Montanha



Mahatma Gandhi, a Grande Alma da Índia e do Mundo, afirmou que: "se todos os livros sagrados da humanidade se perdessem, mas não O Sermão da Montanha, nada se teria perdido".
Encontramos no Sermão da Montanha o cerne dos ensinamentos do Mestre Jesus, o Cristo.Procuremos penetrar agora na mensagem do Sermão da Montanha.O Sermão da Montanha é demasiado extenso, cobrindo, no Evangelho de Mateus, três capítulos, para ter sido ministrado de uma só vez pelo Mestre Jesus.Existem quatro blocos bastante delineados:As Bem-Aventuranças, a continuação dos Ensinamentos nesse capítulo V, depois mais apresentações no capítulo VI e sua continuação no capítulo VII. Creio que aquelas instruções devem ter sido ministradas pelo Mestre Jesus ao longo de três ou mais encontros com seus discípulos, mas, para fins didáticos, o autor do Evangelho segundo Mateus preferiu apresentá-las num só bloco.No entanto, os outros evangelistas, principalmente, os outros sinópticos, Marcos e Lucas, espalharam a maior parte desses ensinamentos ao longo de seus evangelhos. É possível, também, que parte dos ensinamentos do Mestre que faziam parte deste conjunto que veio a ser chamado de Sermão da Montanha, tenha sido perdida. Isto fica claro quando observamos certas descontinuidades no tema que está sendo apresentado, principalmente nos capítulos seis e sete de Mateus.
Um ponto que o cristão moderno raramente leva em consideração ao ler a Bíblia, é o fato de Jesus ter sido um pregador itinerante. Por isso, é muito provável que, ao visitar diferentes comunidades, ele tenha contado algumas parábolas e apresentado seus ensinamentos principais várias vezes.
Como sabemos, raramente contamos a mesma estória exatamente da mesma forma, com as mesmas palavras, ao repeti-la duas ou mais vezes. Portanto, parte das diferenças encontradas nas apresentações dos Evangelhos deve-se ao fato dos evangelistas provavelmente estarem se referindo a apresentação dos mesmos ensinamentos em diferentes ocasiões.
Vamos nos ater à versão do Sermão da Montanha em Mateus. Nele, Jesus oferece, em primeiro lugar, algumas instruções éticas para uma vida harmônica e mais feliz nesse mundo. Em segundo lugar, aos discípulos, oferece instruções espirituais para mudanças interiores que são necessárias na vida espiritual. Essas mudanças interiores eram chamadas, pelos cristãos primitivos, de metanóia, uma mudança interior na maneira de pensar.

Examinemos a primeira passagem do Sermão da Montanha que começa:
“Vendo Ele as multidões subiu a montanha. Ao sentar-se, aproximaram-se Dele os seus discípulos e pôs-se a falar e os ensinava dizendo:”
Comecemos aí: “vendo Ele as multidões”. Meus amigos, todas as escrituras sagradas devem ser lidas com muita atenção. Podemos imaginar que um observador do evento, ao descrever o fato fosse dizer: vendo a multidão que o estava acompanhado, mas não, as multidões. Nesse caso, o que está sendo relatado aqui é que o Mestre se compadeceu ao ver, com a sua visão espiritual, o sofrimento das multidões no espaço e no tempo, aquela que o seguia e outras nos mais variados lugares da terra, no seu tempo e ao longo dos séculos.Sabendo que as multidões eram prisioneiras da ignorância, chama a si seus discípulos e passa a ensiná-los para que estes, por sua vez, possam ajudar a dissipar a escuridão que oprime essas multidões.Procuremos examinar o texto em seus detalhes. É dito que Ele subiu à montanha. Subir à montanha, na linguagem sagrada significa elevar-se a um estado mais alto de consciência. Então, ele chamou a si os discípulos e, alçando-se a um nível mais elevado de consciência, expandiu a consciência, ou seja, a percepção de seus discípulos, para então ministrar esses ensinamentos profundos e avançados.Mas por que Ele estava ministrando os ensinamentos a seus discípulos e não à multidão ou multidões sofredoras? A razão é bem simples. Os Mestres precisam ensinar de acordo com a capacidade daqueles que estão ouvindo. E os Mestres sabem que as pessoas estão em níveis evolutivos diferentes e são os discípulos, aqueles que já tiveram uma certa iniciação, que serão capazes de entender, de acompanhar e de se beneficiar dos ensinamentos mais elevados. Deve ficar bem claro que a iluminação não é algo homogêneo. Sabemos que tanto no plano físico como no espiritual a iluminação ocorre em diferentes intensidades. Sabemos que existem lâmpadas que dão uma intensidade de luz de 40, 60, 100 ou mais watts. Portanto, no mundo físico a iluminação ocorre em diferentes intensidades. Podemos conceber que os Mestres, seus discípulos e as pessoas em geral, também têm diferentes níveis de potencial iluminação interior.
Mas por que a diferença na intensidade da luz interior levou o Mestre a preparar seus discípulos em vez de atender diretamente a necessidade de luz, de entendimento das multidões? Usando o sistema de energia elétrica como exemplo, sabemos que a energia elétrica é gerada em altíssima voltagem, com uma potência muito forte, e que, ao sair do gerador é preciso um transformador para abaixar aquela tensão a um nível que possa ser transmitida pela rede.Muito bem. Um Mestre, um Mensageiro do Alto, seria como um transformador da mais alta potência recebendo a energia divina diretamente da fonte e abaixando-a para um nível que possa ser transmitida pela rede existente. Então, essa energia é transmitida e captada pelos discípulos que, por sua vez, agem como transformadores, abaixando outra vez a energia para que ela possa chegar ao consumidor final, num nível que seja compatível com seus equipamentos. É por isso que os Mestres dedicam a maior parte da sua atenção, de seu ministério, para aqueles que o seguem, para seus discípulos. Fazem isto porque sabem que eles têm a capacidade para receber e o comprometimento para transmitir aquela energia da sabedoria para as multidões.
Passando agora ao conteúdo da mensagem do Mestre, vemos que em todo seu ministério, e no Sermão da Montanha, em particular, Jesus está procurando transmitir um conjunto de ensinamentos que se fundamentam em quatro pontos principais.
O primeiro é que o objetivo de toda a vida espiritual é alcançar o reino dos céus que, como vimos em outras ocasiões, significa voltar ao estado inicial de união com Deus.
O segundo ponto é que para isso, o homem deve mudar de dentro para fora. Já que ele está imerso na materialidade, está tolhido por seus condicionamentos insensatos, então ele precisa se transformar. E como ele foi criado à imagem e semelhança de Deus, ele é também um criador, e deve agir exatamente como Deus, começando de dentro para fora.
O terceiro ponto é que todas as ações do homem na terra são regidas por uma grande lei conhecida como a lei de causa e efeito.
E o quarto ponto, finalmente, é que existe um grande princípio de coesão no universo. Esse princípio de coesão, de união, é conhecido por nós como Amor. Esse princípio faz com que todas as barreiras possam ser transpostas, todos os impedimentos sejam dissolvidos para a reunião, para a união final do homem com Deus.
Esses quatro princípios são apresentados de diferentes formas, sob diferentes ângulos, por Jesus, ao longo do Sermão da Montanha.As Bem-Aventuranças...As Bem-Aventuranças são ideais ou virtudes que devem ser alcançadas pelos discípulos que decidem seguir a senda que leva à iluminação plena. Representam a essência espiritual dos ensinamentos. E todas elas começam com “bem-aventurados”.
Bem-aventurado é aquele que alcançou um estado de felicidade tão profundo que, na pratica, não pode ser descrito. E esse estado de bem-aventurança é alcançado, não na nossa consciência usual da vida terrena, mas quando experimentamos a união com o Supremo Bem. Em outras palavras, ele torna-se uma realidade quando o discípulo alcança um nível suficientemente alto de consciência em que se vê unido a Deus. Então, nesse momento, ele experimenta essa imensa felicidade que é a bem-aventurança. Portanto, as bem-aventuranças são as qualidades que possibilitam os discípulos alcançar esses estados de consciência

Verificamos estes ideais são primeiramente indicados nas bem-aventuranças e apresentados em mais detalhes no restante do texto do Sermão da Montanha.Começando, então, com a primeira bem-aventurança:“Bem-aventurados os pobres em espírito porque deles é o reino dos céus”.
Pobres em espírito no sentido ético, que tem a ver com a personalidade, é o desapego das coisas materiais, desapego também dos pensamentos e de idéias pré-concebidas. Nesse caso, o discípulo, o eu torna-se desapegado. Ainda há dualidade, ou seja, é uma pessoa que está se desapegando. Mas, o objetivo mais elevado dos ensinamentos é um sentido espiritual. E no sentido espiritual, o pobre em espírito é aquele que tem total ausência de egoísmo e orgulho, que foram substituídos pela humildade e modéstia. Então, para estes, verdadeiramente pobres em espírito, não existe mais a consciência de um eu separado. E, sendo assim, não existindo mais a consciência de um eu separado, realizou-se a união e foi alcançada a bem-aventurança. Vamos verificar ao longo de todos os evangelhos que o termo reino dos céus refere-se a um estado de consciência elevado, culminando com a unidade.
“Bem-aventurados os mansos porque herdarão a terra”.
Prestem atenção: Os mansos herdando a terra. Numa primeira leitura, não nos parece muito convincente essa bem-aventurança. Em nossa experiência no mundo, verificamos seguidamente que são os agressivos, os prepotentes que conseguem as coisas que querem. Então, como Jesus estaria dizendo que os mansos vão levar a terra, já que a nossa experiência mostra que são os fortes, os agressivos, que ganham as coisas do mundo. Será que Jesus estava errado ou será que há um sentido espiritual por trás disso?
Em primeiro lugar, não devemos pensar no conceito de manso, como normalmente prevalece em nossa sociedade, como sendo uma pessoa um pouco fraca, até mesmo covarde, que prefere se esconder, se encolher, em vez de lutar por seus direitos. Não. O discípulo é sempre uma pessoa forte interiormente, forte a ponto de ser capaz de enfrentar situações para manter uma conduta previamente auto-estabelecida. Então, o manso a que Jesus se referia é aquele que alcançou a ausência de eu, é aquele iluminado que entende que deve conformar-se à vontade de Deus. Ele expressa total inofensividade em sua vida. Por isso ele é manso. E, logicamente, num sentido espiritual, quem é inofensivo, quem se conforma com a vontade de Deus, pode ser confiado pelo Supremo Bem com o poder sobre as coisas do mundo, o poder sobre a manifestação. Então, nesse sentido, os mansos herdam a terra.
“Bem-aventurados os aflitos porque serão consolados”.
Algumas versões da Bíblia traduzem esse versículo como, “bem-aventurados os que choram”.A idéia é praticamente a mesma. Não se trata aqui meramente da dor. A dor, pode ser uma grande instrutora, mas certamente, não é uma fonte de bem-aventurança. Então, não se trata de uma aflição pela perda dos bens, da saúde ou de um ser amado, que traz a consolação a que se refere esta bem-aventurança, a consolação do Supremo Bem. Porque somente o Supremo Bem poderia trazer bem-aventurança. Aqueles que se afligem pelas coisas do mundo, expressam seu apego pelo que foi perdido. E geralmente expressam esse apego com ressentimentos e mágoas, o que não é atitude espiritual. Verdadeiramente, a aflição que traz o consolo da bem-aventurança é a aflição pela ausência da graça divina.
O homem comum chora pela perda das coisas desse mundo, o homem espiritual se aflige pela perda do estado original de união com Deus. Nesse caso, o discípulo sente que perdeu aquilo que tinha de mais precioso: o deleite constante da Presença de Deus. A criação é, na verdade, uma saída do seio de Deus. Portanto, sua alma, tendo despertado para a realidade última, anseia voltar para o seio de Deus, para a união com o Pai Celestial. Esta é a aflição que faz com que a pessoa seja consolada com a bem-aventurança.
“Bem-aventurados os que têm fome e sede de justiça porque serão saciados”.
A leitura literal deste aforismo pode levar a enganos, pois muitos podem imaginar que Jesus estava ensinando que o homem não precisa fazer força, já que seus anseios serão atendidos por Deus. Ora, isso levaria as pessoas que assim acreditassem, a buscar uma situação de “sombra e água fresca”, como expressa o ditado popular. Nesse caso, não fariam força, não se engajariam na vida do mundo, tornando-se indolentes, verdadeiros parasitas para a família e para a sociedade. Jesus não se referia à justiça desse mundo. No sentido espiritual, o que Jesus se referia como justiça era o conhecimento divino. Os que têm fome e sede do conhecimento divino, sabem que devem buscar esse conhecimento avidamente, bater insistentemente à porta e pedir a graça de todo o coração.
São esses indivíduos que são referidos, mais adiante na Bíblia, como sendo aqueles que tomam o reino do céu pela força. Esses ativistas serão obviamente, saciados. Quando examinamos mais atentamente vemos que com o conhecimento divino, percebemos a divina justiça. A suprema justiça, estipula que a graça seja concedida, na medida em que as pessoas se esforçam para obtê-la. E ela só pode ser obtida pela mudança interior; sempre! É isso que foi expresso como fome e sede de justiça. Então, quanto mais a pessoa se engaja na busca do conhecimento divino, quanto mais se esforça, quanto mais se engaja, maiores as chances de resultados favoráveis. No início da busca interior, a graça vem como inspiração e força para continuar o processo de mudança interior. Quando essa ocorre, chega finalmente o momento em que a graça se manifesta como a presença de Deus.
“Bem-aventurados os misericordiosos porque alcançarão misericórdia”.
Teremos aqui, mais uma vez, outra maneira de apresentar a lei de causa e efeito. Quem é misericordioso alcança a misericórdia. Como dissemos inicialmente, os quatro temas fundamentais serão reiterados de diferentes maneiras, pois esta era a didática do Mestre, de fazer com que estes conceitos bem diferentes daqueles pelos quais o homem do mundo vive, fossem entendidos, absorvidos e, finalmente, passassem a ser também vivenciados.
O discípulo iluminado está consciente da unidade e sente naturalmente uma profunda compaixão por todos os seres. Assim, em virtude da grande lei, ele alcança a compaixão divina. Esse aforismo oferece uma orientação prática para a vida do discípulo e também mais um exemplo da aplicação da lei de causa e efeito. A importância desta lei é tão fundamental que o Mestre menciona vários outros exemplos de sua aplicação mais adiante no Sermão da Montanha.
“Bem-aventurados os puros de coração porque verão a Deus”.
A recompensa indicada para os puros de coração é ver a Deus. Essa é a primeira realização dos místicos que alcançam o reino dos céus. Aqueles que leram algo sobre a vida dos místicos, não só da tradição cristã, mas das tradições orientais ou mesmo dos sufis, sabem que uma das primeiras realizações dos místicos é alcançar visões interiores que eles interpretam como sendo ver a Deus. A pureza referida não é somente uma pureza moral. O sentido espiritual de pureza de coração é a completa libertação do desejo pessoal. Quando há expectativa de retorno, em que a pessoa faz alguma coisa para obter algo, existe impureza de coração. Trabalhar para obter uma vantagem é uma atitude natural em nosso mundo, mas não uma atitude espiritual. No texto desta bem-aventurança está implícito, também, o estado de união com Deus. Isto porque somente aqueles que se desapegaram inteiramente do eu, conseguem alcançar esta atitude de verdadeira pureza de coração.
“Bem-aventurados os que promovem a paz porque serão chamados filhos de Deus”.
A paz deve ser promovida tanto no interior como no exterior. Primeiramente, a paz aparece como decorrência da transformação do indivíduo, aguçando sua mente e despertando sua intuição. Com isso ele passa a entender as leis do universo, as leis da manifestação que regem a vida do homem. O resultado deste entendimento é uma aceitação da vida como ela é e não como gostaríamos que ela fosse. Com essa aceitação vem uma profunda paz. Uma vez alcançada essa paz interior, ela naturalmente se reflete na vida exterior do indivíduo, que não mais entretém motivações, pensamentos, palavras e, principalmente, ações egoístas ou cruéis. Ele, então, está interiormente em paz e transmite esta paz àqueles que o cercam. Portanto, aqueles que estabelecem a harmonia interior e transferem essa harmonia para o seu exterior, estão agindo como Deus espera de seus filhos. Conseqüentemente, eles serão chamados filhos de Deus. Essa é sem dúvida uma grande realização porque na nossa tradição, quem é chamado de Filho de Deus? Jesus, o Cristo é o filho de Deus. Então, aqueles que são os pacíficos, os que promovem a paz, estão expressando Cristo em sua vida diária, por isso são chamados de Filhos de Deus.
“Bem-aventurados os que são perseguidos por causa da justiça porque deles é o reino dos céus”.
Vários autores sugerem que esta bem-aventurança continua com o texto da próxima. Como concordo com esta avaliação, vou fazer algumas apreciações das duas em conjunto. Seriam então oito bem-aventuranças em seu total.
“Bem-aventurados sois quando vos injuriarem e vos perseguirem e, mentindo, disserem todo o mal contra vós por causa de Mim. Alegrai-vos e regozijai-vos porque será grande a vossa recompensa nos céus, pois foi assim que perseguiram os Profetas que vieram antes de vós.”
Perseguição gera sofrimento. Sofrimento em si não salva ninguém. O que salva é a compreensão que o sofrimento pode propiciar. Isto é muito importante. Existe uma atitude quase masoquista com relação ao sofrimento em nossa tradição. O sofrimento é um instrutor, mas não leva a nenhuma bem-aventurança. As qualidades de coragem, perseverança e destemor por parte daqueles que sofrem perseguição por uma causa nobre, referidas na bem-aventurança como “por causa da justiça” e “por causa de mim” indicam que esses iluminados percebem que a verdade vale mais do que a sua vida passageira. Então o auto-sacrifício e o destemor abrem as portas do reino.
Quem busca a verdade vive de forma diferente das massas. Todos nós percebemos que existem algumas pessoas que são, vamos dizer, diferentes, e quando as observamos com atenção, verificamos que elas têm um comportamento, uma ética, e certos ideais de vida que são bastante diferentes das massas. Por isso mesmo, as massas têm uma certa desconfiança daqueles que são diferentes. Há sempre uma pressão das massas para o conformismo. Aqueles que são diferentes são tratados com desconfiança e, muitas vezes, são perseguidos. Foi isso que aconteceu com Jesus e com quase todas as grandes almas que procuram divulgar mensagens transformadoras. Esses reformadores são invariavelmente considerados subversivos pelo regime vigente e, quase sempre, são perseguidos.
Tendo concluído essas apreciações preliminares sobre as bem-aventuranças, vamos começar agora a examinar as instruções mais detalhadas. Deve ficar claro, que são algumas apreciações superficiais que não refletem a profundidade e alcance dos ensinamentos do Mestre. Os aforismos contidos nos 3 capítulos que integram o Sermão da Montanha oferecem uma imensa riqueza que poderia ser considerada e estudada muito mais longamente. O objetivo é de estimular esta leitura atenta, essa meditação, esse aprofundamento do legado de Jesus.
Mais uma vez, Jesus dirige-se a seus discípulos e diz:
“Vós sois o sal da Terra. Ora, se o sal se torna insosso, com o que o salgaremos? Para nada mais serve se não para ser lançado fora e pisado pelos homens”.
“Vós sois a luz do mundo. Não se deve esconder uma cidade situada sobre um monte, nem se acende uma lâmpada e se coloca debaixo do alqueire, mas no candelabro e assim ela brilha para todos os que estão na casa. Brilhe do mesmo modo a vossa luz diante dos homens para que vendo as vossas boas obras eles glorifiquem o vosso Pai que está nos céus”.
À medida que estudamos a Bíblia, verificamos que a linguagem de Jesus é sempre forte e vívida, procurando evocar imagens que possam ser compreendidas por aqueles que ouviam a sua palavra, principalmente, naquele tempo.
Mestre Jesus, o Cristo tendo indicado os grandes ideais do discipulado, passa a detalhar a postura esperada de seus discípulos. Os discípulos de todos os tempos são referidos como o sal da terra e a luz do mundo. Isso porque eles estão sintonizados com a sua essência última e essa é tratada por Jesus como sendo o sal que salga as massas, como sendo a luz que dissipa a escuridão. Enquanto o desenvolvimento do discípulo continua, o sal conserva o seu sabor. Porém, quando o homem externo perde ou renuncia o contato com o eu interior, o sal perde o seu sabor e, alegoricamente, para nada mais serve.
Vemos, portanto, que o discípulo é treinado a conhecer, por experiência direta, a manifestação da luz espiritual como o núcleo do seu ser. Com isso passa a saber que ele é luz. Esse tipo de linguagem calava fundo nos seus discípulos, porque a maior parte deles já tinha desenvolvido a visão espiritual ao nível de, pelo menos, poder ver a sua luz interior. Porque, como dissemos anteriormente, a iluminação ocorre em diferentes níveis. E num dos primeiros níveis, o discípulo passa a perceber a sua essência interior como luz. Jesus diz que não se pode esconder uma cidade situada sobre um monte. A cidade refere-se à consciência do discípulo que, quando em estado elevado, ou seja, construída, edificada sobre um monte, não pode ser escondida. Portanto, o discípulo que alcançou a iluminação deve, através do seu exemplo, fazer com que a sua luz brilhe para o benefício de toda a humanidade, glorificando desta forma, o Pai que está nos céus.O aforismo seguinte é bastante conhecido e merece a nossa atenção:
“Não penseis que vim revogar a lei e os profetas. Não vim revogá-los mas dar-lhes pleno cumprimento. Porque em verdade vos digo que até que passem o céu e a terra não será omitido nem uma só vírgula da lei sem que tudo seja realizado. Aquele, portanto, que violar um só desses menores mandamentos e ensinar os homens a fazerem o mesmo, será chamado menor no reino do céu. Aquele porém, que os praticar e os ensinar, esse será chamado grande no reino dos céus. Com efeito, eu vos asseguro que se a vossa justiça não exceder a dos escribas e a dos fariseus, não entrareis no reino dos céus.”
Mestre Jesus, o Cristo diz aqui que a verdadeira tradição espiritual de seu povo, conhecida como a lei mosaica, não devia nem podia ser destruída. Sua missão era, porém, de liberar seu povo das incrustações limitadoras introduzidas na lei. Seus ensinamentos mostram que a vida espiritual demanda mais que a mera obediência a preceitos externos. Da simplicidade inicial dos dez mandamentos trazidos por Moisés do Monte Sinai, com o tempo, a Lei Mosaica foi expandida e acrescida até chegar aos seiscentos e trezes preceitos então conhecidos: “não faça isso, não faça aquilo, faça isso, faça aquilo outro”.
A vida dos judeus estava inteiramente prevista e a atitude esperada deles era obedecer, ou seja, fazer aquilo que estava sendo prescrito. Jesus, então, alerta seus discípulos, que é preciso muito mais do que meramente obedecer a preceitos externos. Eles devem desenvolver o discernimento e a compaixão. Porque aqueles que têm discernimento e compaixão, saberão retirar do âmago do seu ser, tudo aquilo que deve ser feito ou que não deve ser feito, em cada ocasião.
Tendo esclarecido que sua missão era dar “pleno cumprimento à Lei”, Mestre Jesus passa a aprofundar o entendimento da Lei. Ele mostra que não basta cercear a ação exterior. Para ser justo é preciso uma reta atitude interior. Os pensamentos e a motivação das pessoas devem estar de acordo com o espírito da lei. Precisamos estar atentos à linguagem de Jesus, que às vezes parece estranha para nós. No texto, é mencionado que não será omitida nem uma só vírgula da lei. Para seu povo que estava ouvindo em aramaico, uma língua diferente do hebraico mas que, não tendo alfabeto próprio, usava o alfabeto judaico, o “i” do nosso texto representava um “iod”, a menor letra no alfabeto hebraico. É um pequenino “i”, realmente muito pequeno. E as vírgulas mencionadas eram os sinais massoréticos, pequenos pontos ou vírgulas que dão a acentuação e a divisão das sílabas nas frases, pois as palavras em hebraico, normalmente não têm vogais, são só consoantes. Para seus ouvintes ficava claro que não seria omitido o menor detalhe da lei. Mas a que lei Jesus estava se referindo? Seriam os seiscentos e treze preceitos judaicos conhecidos então, ou a verdadeira lei espiritual que ele estava procurando resgatar? Com a continuação da pregação de Jesus fica claro que a lei em pauta era a lei divina sem os acréscimos inseridos pelos escribas.
Temos, também uma outra expressão nessa passagem que merece a nossa atenção. É a indicação que quem violar um dos menores mandamentos será chamado “menor” no reino dos céus. Porém, foi dito que o reino dos céus é um estado de consciência de união com Deus. Então, quem está num estado de consciência de união com Deus vai cometer deslizes da lei espiritual? Esse ponto merece ser considerado ainda que de forma um tanto superficial.Da mesma forma como dissemos que existem diferentes níveis de iluminação, o estado do “reino” também ocorre em diferentes níveis. O primeiro nível de união é aquele em que a consciência de vigília do homem, a consciência da personalidade que está centrada na mente concreta, consegue unir-se à mente abstrata. Com isso ocorre uma enorme expansão de consciência. É a consciência advinda da união do homem externo com o homem interno. Esse é o primeiro nível de união e é, na verdade, um pré-requisito para a Crístificação. A meu ver, essa realização expressa o nível de consciência que deve ser alcançado para que um discípulo seja aceito pelo mestre.
Temos um outro nível de união. Quando o ser exterior e o interior já estão unidos, essa união pode ser aprofundada pelo nascimento do Cristo interior. O que está sendo referido é o nascimento da intuição, representado na tradição cristã como o nascimento do Cristo. Nas tradições esotéricas, essa etapa é referida como a primeira iniciação. Um segundo nível, um nível mais elevado de união é alcançado, quando o Cristo interior se expande e é conferida a segunda iniciação. Quando o Cristo alcança a sua plenitude a pessoa é tida como realmente iluminada. Na tradição esotérica, seria alcançada a terceira iniciação.
Mas a jornada da alma ainda não terminou: um novo nível de união pode ser alcançado, a união com o espírito universal. Alcança-se, então, a redenção. Na tradição esotérica, equivaleria à quarta iniciação. Finalmente, o indivíduo alcança a meta final, a união com o Pai, Deus não manifestado, referido por alguns autores como a mônada. Na tradição cristã a alma é alçada aos céus e senta-se a direita de Deus Pai todo poderoso. Alcança-se a quinta iniciação. E é dito que existem iniciações ainda mais elevadas que expressam uniões inconcebivelmente mais sublimes.
Então, com esse primeiro entendimento dos diferentes níveis de união, podemos entender por que, no primeiro nível de estado de consciência do reino, o menor no reino dos céus, o discípulo ainda não alcançou a perfeição, ainda pode e certamente cometerá alguns deslizes, os menores dos mandamentos. Mas aquele que praticar todos os mandamentos, aquele que alcançar a perfeição, que alcançar as mais altas iniciações, os mais altos níveis de união com Deus, esse será chamado “grande” no reino dos céus.
Mestre Jesus, o Cristo também nos alerta para o que era chamado “a justiça dos escribas e fariseus”. Os escribas e fariseus eram constantemente castigados nas elocuções de Jesus, como sendo os paradigmas da hipocrisia e da falsidade. E por quê era isso? Por que Jesus usava esse termo tão forte? Porque calava fundo no coração daqueles que o ouviam, porque eles sabiam que os escribas, os fariseus, os doutores da lei os oprimiam com a insistência na observância dos mínimos detalhes daqueles seiscentos e treze preceitos. Os fariseus se vangloriavam não só de conhecê-los mas de obedecê-los. Só que obedeciam muitas vezes sem discernimento e, o que era pior, sem compaixão. Por isso, em várias passagens bíblicas, Jesus é criticado pelos escribas e fariseus, pelos doutores da lei, por fazer alguma coisa que ia contra a lei, como por exemplo, curar no sábado. Naquelas ocasiões, Jesus usava de linguagem forte para chamar atenção do povo que a compaixão deve guiar todas nossas ações. Por isso, Jesus insistia que seus discípulos deviam desenvolver o discernimento juntamente com a compaixão para determinar, em cada circunstância, o comportamento apropriado.
“Ouviste o que foi dito aos antigos: Não matarás. Aquele que matar terá de responder no tribunal. Eu porém, vos digo. Todo aquele que se encolerizar contra seu irmão, terá que responder no tribunal. Aquele que chamar ao seu irmão “cretino” estará sujeito ao julgamento do Sinédrio. Aquele que lhe chamar “louco” terá de responder na geena de fogo. Portanto, se estiveres para trazer a tua oferta ou oferenda ao altar e ali te lembrares de que o teu irmão tem alguma coisa contra ti, deixa a tua oferenda ali diante do altar e vai primeiro reconciliar-te com o teu irmão e depois virás apresentar a tua oferta. Assume logo uma atitude conciliadora com o teu adversário enquanto estás com ele no caminho para não acontecer que o adversário te entregue ao juiz e o juiz ao oficial de justiça e assim sejas lançado na prisão. Em verdade vos digo, dali não sairás enquanto não pagares o último centavo”.
A velha lei, a lei mosaica, tratando de um estado anterior e inferior da consciência humana, preocupava-se com as coisas externas, as ações. Jesus vem aperfeiçoar a lei, chamando a atenção para seus aspectos mais internos. Assim, a agressão verbal e os sentimentos de cólera também são condenados. A essência da mensagem de Jesus é que o homem interno deve ser mudado. E não que o homem simplesmente deve se abster de certas ações externas. Esse mandamento, passa a expressar o respeito à vida no seu sentido mais amplo. Ele indica o ideal que é expresso nas tradições orientais como ahimsa, a inofensividade em ações, palavras, emoções e pensamentos.
Voltemos agora nossa atenção para a expressão: “aquele que chamar o seu irmão de louco terá que responder na geena de fogo”. Isso parece um castigo demasiado pesado. Vocês acham que tal castigo, por uma mera palavra insensata, é compatível com a compaixão divina? Ter que responder na geena de fogo, no inferno, pois esta era a expressão que os judeus usavam para representar o que nós, cristãos, chamamos de inferno. No entanto, assim como o reino do céu é um estado de consciência, a geena de fogo, o inferno, também é um estado de consciência, não é um lugar lá no fundo da terra onde o fogo queima por toda a eternidade. Na verdade é um estado de consciência em contraste com o reino dos céus: o reino dos céus é um estado de consciência de união que leva à bem-aventurança. O inferno é um estado de consciência de desunião, de separatividade que leva ao sofrimento. Então, é nesse sentido que devemos entender que aqueles que xingam os seus irmãos, que demonstram cólera, estão acionando forças que vão reverter contra eles, através da lei de causa e efeito, causando-lhes sofrimentos psíquicos compatíveis com a ofensa causada. Então o castigo é perfeitamente linear, estando de acordo com a justiça divina.
Verificamos também, nessa passagem, a ênfase que Mestre Jesus dá ao estado de consciência interior. "Quando alguém for levar uma oferenda ao altar e se lembrar que um irmão tem alguma coisa contra ele, deve voltar e procurar se reconciliar com o seu irmão." Os judeus davam muita ênfase aos atos de adoração, tanto nas sinagogas como no templo. Nos sábados e feriados, deviam oferecer sacrifícios, levando oferendas como gado, ovelhas, pombas, incenso, parte de sua colheita, o famoso dízimo. Portanto, levar oferendas ao altar estava muito entranhado na cultura judaica, era o elemento central do ritual de devoção. No entanto, Jesus chama atenção que se alguém estiver engajado em algum ato de devoção externa mas se lembrar que algum irmão tem algo contra si, muito mais importante do que o ato de devoção externa é a atitude de harmonia interna, de reconciliação, de amor.
“Ouviste o que foi dito: Não cometerás adultério. Eu porém vos digo, todo aquele que olha para uma mulher com desejo libidinoso, já cometeu adultério com ela em seu coração.”
Obviamente, este ensinamento também é válido para as mulheres que, em nosso mundo atual passaram a olhar para os homens com olhar libidinoso. Sabemos que o pecado não é meramente uma ação externa. Tudo aquilo que é feito no exterior começou com uma intenção, alimentada por pensamentos. Mestre Jesus está nos alertando para a necessidade de auto-domínio e de controle mental das paixões.
Esse ponto nos faz lembrar a questão da continência que é mencionada em várias tradições espirituais. Devemos ser muito cautelosos com essas prescrições. A continência certamente será uma prescrição que o discípulo avançado terá que acatar quando atingir um determinado patamar e estiver pronto para certas práticas que demandam o uso de forças interiores, como o fogo da kundalini. Nesse estágio a castidade será necessária. Antes disso será uma questão de foro íntimo de cada discípulo, sendo o mais importante a atitude sexual correta. O discípulo que está comprometido com a vida espiritual sabe o que é uma vida sexual correta. A continência, que é importantíssima para os discípulos avançados, está relacionada com outra passagem que se encontra mais adiante no evangelho de Mateus, que diz: “Há eunucos que nasceram assim; há eunucos que foram feitos eunucos pelos homens e há eunucos que se fizeram eunucos por causa do reino dos céus.”
“Caso o teu olho direito te leve a pecar, arranque-o e lance-o para longe de ti, pois é preferível que se perca um dos teus membros do que todo o teu corpo seja lançado na geena. Caso a tua mão direita te leve a pecar, corta-a e lança-a para longe de ti, pois é preferível que se perca um dos teus membros do que todo o teu corpo vá para a geena”.
Mestre Jesus, obviamente, estava chamando a atenção para a integridade da alma que tem que ser resguardada em todas ocasiões. E ele sempre usava linguagem metafórica que tem que ser entendida no seu sentido simbólico. Nenhum, absolutamente nenhum verdadeiro instrutor espiritual vai recomendar a auto-mutilação como método para a purificação. Logicamente então, a linguagem é simbólica. Jesus sempre nos mostra que mais importante do que a atitude externa, é a atitude interior. E o que condiciona a atitude interior? É a atitude da mente. Então, são os pensamentos maus, são as visões distorcidas, são as atitudes arraigadas, são aqueles hábitos nocivos que precisam ser arrancados. E é exatamente para isso que Jesus está chamando a atenção de seus discípulos ao usar exemplos exteriores como símbolos de coisas interiores. Se quiserem alcançar o estado de consciência do Reino, o estado de bem-aventurança de união com Deus, cortem, arranquem de dentro de si tudo aquilo que distorce a sua visão de mundo, tudo aquilo que compromete seu comportamento no mundo.
O aforismo a seguir, fala sobre o divórcio. Para minha satisfação, verifiquei que o grande estudioso da Bíblia, Geoffrey Hodson, é de opinião que as palavras do Mestre neste caso foram distorcidas, ou não foram bem registradas, pois não expressam o verdadeiro sentido de seus ensinamentos. Jesus não era um mero pregador de moral. Todos seus ensinamentos tinham uma verdade espiritual subjacente e profunda que não se encontra aqui. Portanto vamos deixa-lo de lado.
“Ouviste também o que foi dito aos antigos. Não perjurarás mas cumprirás os teus juramentos para consigo. Eu porém vos digo. Não jureis em hipótese nenhuma, nem pelo céu porque é o trono de Deus nem pela terra porque é o escabelo de seus pés, nem por Jerusalém que é a cidade do grande rei, nem jures pela tua cabeça porque não tens o poder de tornar um só cabelo branco ou preto. Seja o vosso sim, sim e o vosso não, não.”
Mestre Jesus estava atacando um hábito dos judeus da sua época de jurar. A razão para isso é que entre eles deviam dizer sempre a verdade, mas para os gentios, para os de fora, a verdade não era necessariamente obrigatória. Sabemos, no entanto, que a pessoa que em certas ocasiões costuma faltar com a verdade, ou mesmo dizer mentiras, quando querem que os outros acreditem nelas, tendem a usar juramentos na tentativa de que os outros acreditem nelas. Jesus vai ao âmago da questão condenando esse mau hábito, dizendo que devemos ter uma atitude coerente. O verdadeiro discípulo é aquele que está em busca da verdade. E se são buscadores da verdade, devem viver em consonância com a verdade. Por isso, Jesus disse que o nosso sim deve ser sim, o nosso não deve ser não e não devemos jurar em hipótese alguma, por coisa nenhuma.Chegamos agora a um de seus ensinamentos mais difíceis.
“Ouviste o que foi dito: olho por olho e dente por dente (A lei de Talião). Eu porém vos digo: não resistais ao mal. Antes, àquele que te fere na face direita, oferece-lhe também a esquerda. E àquele que quer pleitear contigo para tomar-te a túnica, deixa-lhe também a veste. E se alguém te obrigar a andar uma milha, caminha com ele duas. Dá ao que te pede e não voltes às costas ao que te pede emprestado”.
Não resistir ao mal, não retaliar é a atitude correta para quem busca a paz e a harmonia que levam ao Reino. Reiteramos mais uma vez, Jesus está passando instruções aos seus discípulos, aos discípulos de todos os tempos. Esses discípulos devem viver em consonância com uma ética elevada para alcançar a paz interior que, por sua vez, possibilite alcançar o estado de consciência do reino. Essa mesma instrução foi dada pelo Buda e por outros grandes instrutores. Todos nós sabemos que esta instrução é de muito difícil aplicação. Quem não sabe que quando nos insultam a nossa primeira reação é de responder à altura? Quando nos agridem, normalmente a nossa primeira atitude é de revidar. Jesus nos ensina, porém, que a verdadeira atitude espiritual é de não resistir ao mal. Apesar desta instrução ser dirigida aos discípulos, alguns grandes seres conseguiram que as massas seguissem esse ensinamento. Em nossa história moderna temos os exemplos de Mahatma Ghandi, na Índia, e Martin Luther King, nos Estados Unidos, que lideraram grandes movimentos populares, com base nesse preceito de resistência pacífica, conseguindo importantes mudanças, vencendo injustiças sociais em seu tempo.
E a razão para esta orientação é que tudo o que acontece na nossa vida é o resultado da grande lei de Causa e Efeito. Por isso, devemos entender que nenhum homem é, na verdade, nosso inimigo. Todos os homens que caracterizamos como amigos e inimigos, são nossos instrutores. Alguns nos instruem de maneira agradável, outros, de forma bem mais desagradável. Mas esses também, os que agem de forma agressiva para conosco. Na verdade nada ocorre por acaso. Portanto, a maneira sábia para um discípulo terminar um ciclo de agressão é não revidando o mal com o mal. O homem comum, quando se sente agredido, fica enfurecido e revida, e com isso sofre duplamente. Primeiro porque recebeu o que lhe era devido em virtude de um débito anterior mas, ao receber a quitação, revida e cria um novo débito, e, com isso, continua preso à roda do samsara, como dizem na tradição oriental, continua prisioneiro da causa e efeito. Somente através de não retaliação é que se quebra essa roda aparentemente sem fim, que é a prisão em que o homem vive nesse mundo.
Também, sob o prisma psicológico e espiritual, não resistir ao mal é uma atitude sábia porque sabemos que, cada vez que uma energia é desencadeada, se tentarmos resisti-la, ou reprimi-la, só vamos conseguir com que essa energia adquira mais força. Então, resistir ao mal, não significa somente resistir a uma pessoa que veio nos agredir. Significa também, resistir um mau pensamento, resistir uma idéia má. Então, em vez de resistir ou reprimir as energias, pensamentos, idéias, sentimentos, emoções e tudo aquilo que sabemos ser pernicioso para nós, devemos buscar a sabedoria para transmutá-las. Isso é o que os psicólogos recomendam e que os sábios ensinam.
Um detalhe curioso da passagem, só pode ser entendido com base na tradição das tropas de ocupação romanas. É dito: “se alguém te obrigar a andar uma milha, caminha com ele duas”. Na época em que a Palestina estava sob o jugo dos romanos, os soldados romanos tinham o poder de chamar qualquer pessoa para ajudá-los a carregar suas armas e pertences. E os soldados não viajavam leves. Levavam escudos, espadas, enfim tudo o que precisavam para as suas lides guerreiras. A lei romana lhes permitia chamar qualquer pessoa para ser seu carregador por uma milha. Porém, Jesus aproveita para nos ensinar que: “se acontecer algo penoso em tua vida, aproveite essa ocasião como uma lição, como uma oportunidade de praticar o desapego, adotando a atitude de pensar no interesse dos outros e não no seu próprio conforto. Mas faça isso de bom grado, simbolicamente, caminhe duas milhas”.
“Ouviste o que foi dito: Amarás o teu próximo e odiarás o teu inimigo. Eu porém vos digo: Amai os vossos inimigos e orai pelos que vos perseguem. Desse modo vos tornareis filhos do vosso Pai que está nos céus porque ele faz nascer o seu sol igualmente sobre maus e bons e cair a chuva sobre justos e injustos. Com efeito, se amais aos que vos amam que recompensas tendes? Não o fazem também os publicanos a mesma coisa? E se saudais apenas os vossos irmãos, o que fazeis de mais? Não fazem também os gentios a mesma coisa?”
Se examinarmos atentamente o Sermão da Montanha, vamos notar que há uma seqüência de idéias. As idéias vão sendo aprofundadas. O tema central é que não basta evitar um comportamento externo inapropriado, mas que devemos cultivar também uma atitude interior correta. O primeiro exemplo da necessidade de uma atitude interior correta além do comportamento exterior apropriado foi em algo bastante gritante, ou seja, não matar. Seguem os casos de não cometer adultério, não perjurar, não revidar, e agora, esta linha de ensinamentos culmina com algo especialmente sublime, amar os inimigos. A atitude interior agora é levada ao seu ápice. Amar os inimigos. O mesmo ensinamento também foi dado pelo Buda, que disse que o ódio não cessa com o ódio. O ódio só cessa com amor. A máxima abnegação e altruísmo são alcançados quando conseguimos perdoar e amar aos que nos perseguem e causam danos.
Esse ensinamento foi reformulado mais tarde na tradição cristã. Em virtude da paternidade divina e da fraternidade humana, devemos reconhecer que todas as pessoas são nossos irmãos potenciais em Cristo, incluindo aqueles que consideramos ou que nos consideram como inimigos. Por isso devemos trata-los sem ressentimento e sem hostilidade. Devemos entender que eles agem assim porque estão momentaneamente confusos e obscurecidos, pois ignoram a grande Lei.
Portanto, Mestre Jesus disse: “Amai os vossos inimigos e orai por eles”. Ele deixa subentendido que aqueles que nos perseguem estão fazendo isso porque desconhecem a operação da lei de causa e efeito. Por isso, o discípulo é instruído, em primeiro lugar a não revidar e não odiar, mas também, a compreender o seu comportamento insensato e orar para que ele possa mudar. Esse realmente é um estado muito elevado de consciência. Mestre Jesus está nos ensinando de forma prática que Deus é amor e que nada pode resistir ao poder do amor divino.
O discípulo avançado poderá valer-se desta instrução para utilizar a força do amor divino, que também é poder. Tenho certeza que sendo buscadores da verdade comprometidos com a vida espiritual, em algum momento da vida vocês chegaram a conclusão que era melhor tentar mandar energia positiva para a pessoa que estava querendo fazer mal a vocês.
Tomei a liberdade de efetuar uma pequena mudança na seqüência do texto e inserir nesse ponto o versículo Mt 7:12, que diz: “Tudo aquilo, portanto, que quereis que os homens vos façam, fazei-o vós a eles, pois esta é a Lei e os Profetas.” Essa mudança pareceu-me lícita e apropriada pois, onde se encontra no Capítulo VII, esse maravilhoso ensinamento não faz parte de uma seqüência, talvez indicando que outros ensinamentos foram omitidos ou inseridos em outra parte do texto. Por outro lado, aqui calha perfeitamente bem, pois, juntamente com o último versículo do capítulo cinco oferece uma conclusão natural para esta seqüência de ensinamentos, “portanto deveis ser perfeitos como vosso Pai celeste é Perfeito.” A essência de todo ensinamento ético do Mestre Jesus é conhecida como a chave de ouro, pois oferece a orientação para todo e qualquer problema de relacionamento humano: “tudo aquilo, portanto, que quereis que os homens vos façam, fazei-o vós a eles, pois esta é a Lei e os Profetas”.
A lei de causa e efeito está sendo mais uma vez expressa. Vemos aqui que Jesus está reiterando um preceito que já era conhecido dos judeus da antiguidade. Porém, antes de Jesus este preceito era formulado de forma negativa : “Não façais aos homens o que não quereis que eles vos façam.” Era apresentado de forma negativa porque a ênfase da tradição judaica era não fazer o mal. Aqueles que estudam o budismo talvez se lembrem que, quando foi perguntado ao Buda: “Mestre, o senhor poderia resumir os seus ensinamentos?”
Buda respondeu: “Cessai de fazer o mal. Aprendei a fazer o bem.” Duas etapas. A primeira etapa, é não fazer o mal. Na antigüidade os judeus pregavam não fazer aos outros o que não queriam receber dos outros. Mas Jesus vai além: Aprendam a fazer o bem. Tudo aquilo que quereis que os homens vos façam, fazei-o vós a eles. Tomem a iniciativa de fazer o bem. Para os discípulos que passarem a reger suas vidas por este preceito, a conclusão do capítulo não será um ideal tão distante e quase inacessível: “portanto, deveis ser perfeitos como vosso Pai celeste é perfeito.”
Vemos aqui que a impessoalidade, a universalidade e a inevitabilidade da lei de causa e efeito são mais uma vez reiteradas. E, o que de grande alento para todos os que procuram seguir o Mestre, a verdadeira obediência à Lei reduz progressivamente a distância que nos separa de nossa meta final.
O Mestre deixa bastante explícito que a deidade não é responsável pelos resultados das ações dos homens. Quem ajuda os outros, recebe ajuda. Quem fere, será ferido, e na mesma proporção. Percebemos, também, que a perfeição só poderá ser alcançada quando alcançarmos o estado de bem-aventurança conseqüente do estado de consciência da unidade. É muito difícil para nós imaginarmos o que significa “ser perfeito como o pai que está no céu é perfeito”. Podemos pensar em perfeição no nosso mundo com nossos parâmetros de realização. Nesse caso, poderíamos dizer que o Sena foi perfeito no automobilismo; o Pelé é perfeito no futebol e assim por diante. Mas a perfeição divina, como pode ser concebida? Será que ela pode ser alcançada por um homem no mundo? Enquanto pensarmos como homens do mundo, não alcançaremos a perfeição. Somente quando alcançarmos o estado de consciência de união com Cristo, quando experimentarmos a total identificação com Cristo, poderemos então agir no mundo como Cristo agiria no mundo se estivesse encarnado.
Porém, a verdade é que Cristo está encarnado em nós, ainda que em nossa consciência comum não o saibamos. No entanto, quando rompemos as barreiras da mente e acordamos para a nossa realidade última como expressões de Deus no mundo, então seremos perfeitos como o Pai celeste é perfeito e passaremos a agir no mundo com de acordo com a perfeição divina.
Gostaria de chamar atenção para a passagem:
“Guardai-vos de praticar a vossa justiça diante dos homens para serdes vistos por eles. Do contrário não recebereis recompensas junto ao vosso Pai que está no céu.”
Entre os judeus, praticar a justiça referia-se, normalmente, a praticar boas obras. E as principais boas obras eram, dar esmolas, orar e jejuar. Jesus ensina que em nenhum desses casos devemos fazer boas obras para nos enaltecermos. Apresenta como primeiro exemplo os hipócritas que fazem soar trombetas quando dão esmolas para que todos saibam o que eles estão fazendo. Na mesma situação estão aqueles que vão orar nas esquinas ou nas sinagogas em voz alta para serem tidos como pios por seus irmãos. Ou então, jejuar desfigurando o rosto para que os outros não deixem de saber que eles estão observando o preceito do jejum. Tudo que é feito num sentido espiritual deve ser feito no foro íntimo, para Deus e não para os homens. Deus não precisa que a pessoa diga que está fazendo jejum, que está dando esmola, que está orando. Por isso a oração, principalmente, tem que ser feita em segredo.
Com relação à oração, recebemos a belíssima herança de Jesus, o Pai Nosso. Essa oração merece todo um artigo a parte. Aproveito o ensejo para apresentar uma outra versão do Pai Nosso, além daquela que chegou a nós através da bíblia em grego, traduzida para o latim e mais tarde para as línguas ocidentais vivas. Mas existe uma outra versão: a original em aramaico. Não podemos nos esquecer que Jesus pregava em aramaico. Essa versão é como está aqui:
"Fonte da manifestação, Pai-Mãe do Cosmo. Focaliza tua luz dentro de nós, torne-a útil. Estabelece teu reino de unidade agora. Que teu desejo uno atue com os nossos, tanto na plenitude da luz como em todas as formas. Dá-nos o que precisamos cada dia em pão e percepção. Solta as amarras dos erros que nos prendem, na mesma medida em que soltamos os elos que mantemos da culpa dos outros. Não deixe que coisas superficiais nos iludam mas livra-nos de tudo que nos aprisiona. De Ti nasce a Vontade que tudo governa, o Poder e a Vida para realizar a melodia que tudo embeleza e de idade em idade tudo renova. Amém.”
Quando Jesus nos alerta: “Não junteis tesouros na terra”, ele está indicando que devemos procurar os tesouros do céu, os tesouros da alma e não aquilo que é terreno. Essa é uma das muitas passagens da Bíblia que é mal compreendida. Muita gente acha que Jesus estava pregando “façam como as aves do céu e os lírios do campo, não se preocupem em absoluto com a vida no mundo, deixem que Deus dará”.
Mas Deus nos colocou neste mundo com uma série de deveres e obrigações. Devemos agir e Ele nos recompensará de acordo com o nosso esforço. O que Mestre Jesus está chamando a nossa atenção é a questão da ênfase, da prioridade. Será que todos nós, mesmo aspirantes que somos, estamos absolutamente convictos que as prioridades que damos ao nosso tempo, à nossa atenção está de acordo com a nossa aspiração espiritual? Mestre Jesus está chamando exatamente a atenção para isso. Ênfase e prioridade entre as coisas terrenas e as coisas espirituais.
“Guardai-vos dos falsos profetas porque vêem a vós disfarçados de ovelhas mas por dentro são lobos ferozes, pelos seus frutos os conhecereis. Por acaso colhem-se uvas dos espinheiros ou figos dos cardos? Do mesmo modo, toda árvore boa dá bons frutos mas a árvore má dá frutos ruins. Uma árvore boa não pode dar frutos ruins, nem uma árvore má dar bons frutos. Toda árvore que não produz bons frutos é cortada e lançada ao fogo. É pelo seus frutos, portanto, que os reconhecereis”.
Esse é um dos três últimos blocos de ensinamentos que foram mantidos como parte do Sermão da Montanha. Obviamente, Jesus estava chamando a atenção para o perigo, em todas as eras, dos falsos profetas, a terminologia no tempo de Jesus; em nossos tempos seriam os falsos "pastores, bispos, profetas, gurus." Como existem muitos oferecendo-se para ser nossos guias, acenando com iniciações nessa ou naquela técnica espiritual, Jesus nos alerta, pelos frutos os conhecereis. Uma das chaves para reconhecermos os verdadeiros é a pureza de coração. Quem espera ganhar algum benefício, aqueles que pedem uma contribuição para a igreja, uma contribuição para manter o movimento. Alerta! O alarme deve estar soando. Mas, pior ainda, é quando verificamos que a vida desses não reflete aquilo que eles pregam. Demonstram uma atitude de intolerância, de desrespeito ao próximo. Esses, provavelmente são falsos pastores, bispos, profetas, gurus. “Pelos frutos os conhecereis”.
“Nem todo aquele que me diz ‘Senhor, Senhor’ entrará no reino dos céus. Mas, sim, aquele que pratica a vontade de meu Pai que está nos céus”.
Esse é mais um ensinamento em que Jesus faz o contraste, tendo antes chamado nossa atenção para os falsos pastores, profetas, bispos e gurus, agora ele chama a atenção para os falsos discípulos. Esses são os discípulos que vivem da boca para fora, dizendo que não só estão cumprindo os mandamentos, os preceitos, os ensinamentos, mas que têm poderes, que fizeram curas, exorcizaram, que fizeram milagres.Jesus disse que só aquele que pratica a vontade de seu pai, aquele que já se distanciou do seu pequenino eu, que está inteiramente desapegado e que escuta a voz do silêncio, esse sim é seu discípulo. Nesse caso, também, pelos frutos serão conhecidos. E quem é que precisa conhecer os frutos do discípulo? Somente o Pai celeste que vê em segredo. Portanto, nossas obras não precisam ser reconhecidas externamente pelos outros, ninguém precisa anunciar que fez isso ou fez aquilo.
E finalmente,
“Assim, todo aquele que ouve essas minhas palavras e as põe em prática será comparado a um homem sensato que construiu a sua casa sobre a rocha. Caiu a chuva, vieram as enxurradas, sopraram os ventos e deram contra aquela casa, mas ela não caiu, porque estava alicerçada na rocha. Por outro lado, todo aquele que ouve essas minhas palavras, mas não as pratica, será comparado a um homem insensato que construiu a sua casa sobre a areia. Caiu a chuva, vieram as enxurradas, sopraram os ventos e deram contra aquela casa e ela caiu. E foi grande a sua ruína.”
Nesse caso, tanto o homem sábio como o insensato conheciam os ensinamentos do Mestre Jesus. Qual era a diferença? O insensato conhecia os ensinamentos mas não os cumpria. Os sábios não só conheciam os ensinamentos como os cumpriam. Por isso, quando caiu a chuva, sopraram os ventos e vieram as enxurradas, quando chegaram as provações que todos os discípulos têm que enfrentar, eles não estavam fortalecidos pela prática espiritual e sucumbiram. Essas provações foram representadas nos Evangelhos, pelas tentações do Mestre Jesus no deserto. Até mesmo um discípulo avançado passa por tentações, simbolizadas pelas enxurradas e os ventos.
Aquele que tem sempre os ensinamentos divinos em mente, e procura viver de acordo com eles, tem simbolicamente sua casa alicerçada na rocha. Mas os intelectuais da espiritualidade, que conhecem todos os ensinamentos, que leram um monte de livros, que falam sobre essa e aquela versão do ensinamento, mas demonstram um conhecimento meramente intelectivo, que não entrou no coração, nem se tornou uma expressão de sua vida, esses estão construindo sua casa na areia. E sempre enfrentam a ruína e sempre estão sofrendo. Esse ensinamento é especialmente importante para nós que já lemos muitos livros e ouvimos muitas palestras. Não podemos nos contentar com o mero conhecimento do ensinamento, devemos coloca-lo em prática em nossa vida. Para todo aquele que teve tantas oportunidades de conhecer os ensinamentos de grandes Mestres de diferentes tradições, é especialmente relevante uma outra passagem encontrada mais adiante no Evangelho segundo Mateus, com a qual eu gostaria de concluir.
“A quem muito foi dado, muito será exigido.”
Amém