terça-feira, 27 de dezembro de 2011

O CAMINHO DA SERPENTE





Reconhecer a verdade como verdade, e ao mesmo tempo como erro; viver os contrários, não os aceitando; sentir tudo de todas as maneiras, e não ser nada, no fim, senão o entendimento de tudo [...].

Ela atravessa todos os mistérios e não chega a conhecer nenhum, pois lhes conhece a ilusão e a lei. Assume formas com que, e em que, se nega, porque, como passa sem rasto recto, pode deixar o que foi, visto que verdadeiramente o não foi. Deixa a Cobra do Éden como pele largada, as formas que assume não são mais que peles que larga.

E quando, sem ter tido caminho, chega a Deus, ela, como não teve caminho, passa para além de Deus, pois chegou ali de fora.

Fernando Pessoa

segunda-feira, 26 de dezembro de 2011

Fernando Pessoa





Porque choras de que existe

A terra e o que a terra tem?

Tudo nosso – mal ou bem –

É fictício e só persiste

Porque a alma aqui é ninguém.

Não chores! Tudo é o nada

Onde os astros luzes são.

Tudo é lei e confusão.

Toma este mundo por strada

E vai como os santos vão.

Levantado de onde lavra

O inferno em que somos réus

Sob o silêncio dos céus,

Encontrarás a Palavra,

O Nome interno de Deus.

E, além da dupla unidade

Do que em dois sexos mistura

A ventura e a desventura,

O sonho e a realidade,

Serás quem já não procura.

Porque, limpo do Universo,

Em Christo nosso Senhor,

Por sua verdade e amor,

Reunirás o disperso

E a Cruz abrirá em Flor.

sexta-feira, 16 de dezembro de 2011

Rumi – [Sama]


Sama
Vem, vem, tu que és a alma
da alma da alma do giro!
Vem, cipreste mais alto
do jardim florido do giro.
Vem, não houve nem haverá
jamais alguém como tu.
Vem e faz de teus olhos
o olho desejante do giro.
Vem, a fonte do sol se esconde
sob o manto da tua sombra.
És dono de mil Vênus
nos céus desse remoinho.
O giro canta tuas glórias
em mil línguas eloqüentes.
Tento traduzir em palavras
o que se sente no giro.
Quando entras nessa dança,
abandonas os dois mundos;
é fora deles que se encontra
o universo infinito do giro.
Muito alto, distante se vê
o teto da sétima esfera,
mas muito além é que encontras
a escada que leva ao giro.
O que quer que exista, só existe no giro;
quando danças, ele sustenta teus pés.
Vem, que este giro te pertence
e tu pertences ao giro.
O que faço quando vem o amor
e se agarra ao meu pescoço?
Seguro-o, aperto-o contra o peito
e arrasto-o para o giro!
E quando as asas das mariposas
abrem-se ao brilho do sol
todos caem na dança, na dança
e jamais se cansam do giro!
Obs: Muito provável que o “giro” se refira à dança que Rumi inventou que simula o movimento dos planetas no sistema solar.

ELE SEMPRE SABE:



HAKIM SANAI – Escritor, poeta e filósofo sufi – 1044-1150.


ELE SEMPRE SABE:
Ele conhece previamente teu mais íntimo pensamento. Ele percebe o que as suas criaturas necessitam antes mesmo que tenham concebido seu desejo.
Ele sabe do passo de uma formiga sobre uma pedra na escuridão.
Ele sempre sabe o que se passa na mente dos homens: farias melhor se refletisses sobre isso.
Se ages mal, há duas maneiras de encará-lo: ou pensas que Ele não o sabes, – e me espanto com a tua falta de fé ou então pensas que Ele sabe, ainda assim persistes, – e me espanto tua vil impertinência.
Podes ser verdade que nenhum homem conheça teus segredos; mas Deus os conhece; Ele não  é menos que um homem; certamente isto significa que ele conhece teu coração?
Então te afasta deste malfeito, para que em teu último dia não te afogues no mar de tua própria vergonha.
Fonte: O Jardim Amuralhado da Verdade – Hakim Sanai – Edições Dervish.

Abdullah Ansari, outro grandioso místico sufi.(1006-1088) Falando do Amor e União com o Amado Deus, ou da Caaba do Coração, como ele chama.




”Mesmo uma prisão
Irradia felicidade
Se o amor por Ti
Enche o coração.
Abençoada é a escravidão
Que Teu serviço compele,
Teus servos são felizes
Em suas servidões.
Há duas Caabas
A Caaba construída na terra
E a Caaba do coração.
A primeira é aquela que os pés
Dos peregrinos freqüentam;
A outra é o local secreto
Que os Buscadores da Verdade descobrem.
É a primeira
Que enche os olhos dos fiéis;
A outra, apenas o devoto encontra
Sob o olhar de Deus mesmo.
A peregrinação à Caaba terrestre
É uma questão de disciplina formal;
A descoberta da Caaba do coração,
Depende da graça de Deus.
Numa, os peregrinos bebem do poço do Zam-Zam;
A outra abre suas fontes
Ao manar dos suspiros.
A Caaba terrestre
É guardada pela montanha Irfat,
O templo do coração
É radiante com a luz de Deus.
Da Caaba terrestre
ídolos de pedra foram removidos;
Da Caaba do coração
A voracidade e o desejo são destronados.”

As Invocações de Abdullah Ansari
Editora Dervish

Nossa canção Vitoriosa!



Nesse dia final,
quando me ponham a mortalha,
não penseis que minha alma
permanecerá neste mundo.
Não chores por mim, gritando:
“Que tragédia, que tragédia!”
Cairias assim nas armadilhas
de um enganoso espelhismo.
Essa seria a verdadeira tragédia!
Quando vires meu corpo inanimado passar,
não griteis: “Se foi!, se foi!”,
pois será meu momento de união,
de aceitar o abraço eterno do Amado.
Quando me introduzirem na cova,
não me digais: “Adeus, adeus!”
A tumba é apenas um véu
que oculta o esplendor do Paraíso.
Pensa na aurora se houveres visto o ocaso.
Que dano fez pôr-se à Lua ou ao Sol?
O que é crepúsculo a vossos olhos
É alvorada para mim.
O que é para vocês uma prisão
É para minha alma um infinito jardim.
Crescerá toda semente no solo enterrada.
Haveria de ser diferente à semente humana?
Sai cheio cada balde que desce ao poço.
Deveria queixar-se me em vez de água
Retiro o próprio José (a beleza)?
Não busqueis aqui as palavras,
Busca-as em outro lugar.
Canta para mim no silêncio do coração
E me erguerei da terra para ouvir
Vossa vitoriosa canção.

sexta-feira, 9 de dezembro de 2011

Se



Se, ao final desta existência,
Alguma ansiedade me restar
E conseguir me perturbar;
Se eu me debater aflito
No conflito, na discórdia...
Se ainda ocultar verdades
Para ocultar-me,
Para ofuscar-me com fantasias por mim criadas...
Se restar abatimento e revolta
Pelo que não consegui
Possuir, fazer, dizer e mesmo ser...
Se eu retiver um pouco mais
Do pouco que é necessário
E persistir indiferente ao grande pranto do mundo...
Se algum ressentimento,
Algum ferimento
Impedir-me do imenso alívio
Que é o irrestritamente perdoar,
E, mais ainda,
Se ainda não souber sinceramente orar
Por quem me agrediu e injustiçou...
Se continuar a mediocremente
Denunciar o cisco no olho do outro
Sem conseguir vencer a treva e a trave
Em meu próprio...
Se seguir protestando
Reclamando, contestando,
Exigindo que o mundo mude
Sem qualquer esforço para mudar eu...
Se, indigente da incondicional alegria interior,
Em queixas, ais e lamúrias,
Persistir e buscar consolo, conforto, simpatia
Para a minha ainda imperiosa angústia...
Se, ainda incapaz para a beatitude das almas santas,
Precisar dos prazeres medíocres que o mundo vende...
Se insistir ainda que o mundo silencie
Para que possa embeber-me de silêncio,
Sem saber realizá-lo em mim...
Se minha fortaleza e segurança
São ainda construídas com os materiais
Grosseiros e frágeis
Que o mundo empresta,
E eu neles ainda acredito...
Se, imprudente e cegamente,
Continuar desejando
Adquirir,
Multiplicar,
E reter Valores, coisas, pessoas, posições, ideologias,
Na ânsia de ser feliz...
Se, ainda presa do grande embuste,
Insistir e persistir iludido
Com a importância que me dou...
Se, ao fim de meus dias,
Continuar
Sem escutar, sem entender, sem atender,
Sem realizar o Cristo, que,
Dentro de mim,
Eu Sou,

Terei me perdido na multidão abortada
Dos perdulários dos divinos talentos,
Os talentos que a Vida
A todos confia,
E serei um fraco a mais,
Um traidor da própria vida,
Da Vida que investe em mim,
Que de mim espera
E que se vê frustrada
Diante de meu fim.

Se tudo isto acontecer
Terei parasitado a Vida
E inutilmente ocupado
O tempo
E o espaço
De Deus.

Terei meramente sido vencido
Pelo fim,
Sem ter atingido a Meta.


Hermógenes

sexta-feira, 2 de dezembro de 2011






"Todo este mundo quotidiano e visível, toda esta gente que boia à superfície da vida, todas estas coisas que constituem os nomes e os feitos da história não são mais que erro e ilusão. Somos todos, não agentes, senão agidos-títeres de maiores que nós. Todo o nosso orgulho de conscientes e a nossa soberba de racionais são o títere que se orgulha de seus gestos. Na verdade o combate é aqui, mas não é nosso; não é connosco, somos nós. Não somos actores de um drama: somos o próprio drama - a antestreia, os gestos, os cenários. Nada se passa connosco: nós é que somos o que se passa."

Fernando Pessoa

quarta-feira, 30 de novembro de 2011

Ame seu inimigo


"Vocês ouviram o que foi dito: 'Ame seu próximo e odeie seu inimigo.' Eu, porém, lhes digo: amem seus inimigos, abençoem aqueles que os amaldiçoam, façam o bem àqueles que os odeiam e orem por aqueles que rancorosamente os usam e os perseguem. Assim vocês se tornarão filhos do Pai que está no céu: porque ele faz o sol nascer sobre os maus e os bons, e a chuva cair sobre os justos e os injustos."
Muitas pessoas rezam a Deus porque querem que Ele satisfaça algumas de suas necessidades. Se elas querem fazer um piquenique, pedem a Deus que lhes dê um dia claro e ensolarado. Ao mesmo tempo, os agricultores poderão estar rezando para pedir chuva. Se o tempo ficar bom, as pessoas que querem fazer o piquenique dirão: "Deus está do nosso lado; Ele atendeu às nossas preces." Mas, se chove, os fazendeiros dirão que Deus ouviu as preces deles. É dessa maneira que costumamos rezar.
Quando você reza apenas pelo seu piquenique, e não pelos fazendeiros que precisam de chuva, está fazendo o oposto do que Jesus ensinou. Jesus disse: "Amem seus inimigos, abençoem aqueles que os amaldiçoam." Se você examinar profundamente sua raiva, perceberá que o indivíduo que você chama de inimigo também está sofrendo. Tão logo você compreende esse fato, a capacidade de aceitar e ter compaixão por essa pessoa passa a estar presente. Jesus chamou essa atitude de "amar seu inimigo". Quando você é capaz de amar seu inimigo, ele deixa de ser seu inimigo. A idéia de "inimigo" desaparece e é substituída pela noção de alguém que está sofrendo e precisa de compaixão.
Fazer isso às vezes é mais fácil do que você poderia imaginar, mas é preciso praticar. Ler a Bíblia sem praticar não é muito proveitoso. No budismo, praticar os ensinamentos de Buda é a forma mais elevada de prece. O Buda disse: "Se alguém estiver numa margem e quiser ir para a outra, terá de usar um barco ou atravessar o rio a nado. Ele não pode simplesmente rezar: 'Oh, outra margem, por favor venha até aqui para que eu possa caminhar sobre você!'" Para um budista, rezar sem praticar não implica a verdadeira prece.
Na América Latina, os teólogos da libertação falam da preferência ou "opção" de Deus pelos pobres, pelos oprimidos e pelos marginalizados. Mas não acho que Deus queira que tomemos partido, mesmo que seja o dos pobres. Os ricos também sofrem, em muitos casos mais do que os pobres! Eles podem ter riquezas materiais, mas muitos são espiritualmente pobres e sofrem bastante.
Conheci pessoas ricas e famosas que acabaram cometendo suicídio. Estou certo de que aqueles que possuem um elevado grau de entendimento serão capazes de enxergar o sofrimento tanto dos pobres quanto dos ricos.
Deus abraça tanto os ricos quanto os pobres, e ele quer que eles se compreendam uns aos outros, que compartilhem uns com os outros seu sofrimento e sua felicidade e que trabalhem juntos pela paz e pela justiça social. Não precisamos tomar partido. Quando o fazemos, interpretamos erroneamente a vontade de Deus. Sei que algumas pessoas poderão usar estas palavras para prolongar a injustiça social, mas isso será abusar do que estou dizendo. Temos de descobrir as verdadeiras causas da injustiça social e, quando descobrirmos, não condenaremos certo tipo de pessoas. Perguntaremos: por que a situação dessas pessoas permaneceu assim? Todos temos o poder do amor e do entendimento. Estas são nossas melhores armas. Qualquer resposta dualista ou qualquer reação motivada pela raiva só tornará pior a situação.
Quando nos acostumamos a examinar as questões em profundidade, temos o insight do que devemos e não devemos fazer para que a situação mude. Tudo depende da nossa maneira de ver as coisas. A existência do sofrimento é a Primeira Nobre Verdade ensinada pelo Buda, e as causas do sofrimento são a segunda. Quando examinamos profundamente a Primeira Verdade, descobrimos a segunda. Depois de enxergarmos a Segunda Verdade, veremos a seguinte, que é o caminho da libertação. Tudo depende de compreendermos toda a situação.
Uma vez que o façamos, nosso estilo de vida se modificará de acordo com isso e nossas ações jamais ajudarão os opressores a fortalecer sua posição. Examinar profundamente uma questão não significa ser inativo. Nós nos tornamos muito ativos com nosso entendimento. Não violência não significa não-ação. Não-violência significa agir com amor e compaixão.
Antes de o monge vietnamita Thich Quang Duc queimar se vivo em 1963, ele meditou durante várias semanas e depois escreveu cartas muito carinhosas para seu governo, sua igreja e seus colegas monges e monjas explicando por que ele havia tomado aquela decisão. Quando somos motivados pelo amor e pela disposição de ajudar outras pessoas a alcançar o entendimento, até o auto-sacrifício pode ser um ato de compaixão. Quando Jesus se permitiu ser crucificado, Ele estava agindo da mesma maneira, motivado pelo desejo de despertar as pessoas, de restaurar o entendimento e a compaixão e de salvar as pessoas.
Quando estamos motivados pela raiva ou discriminação, mesmo que ajamos exatamente da mesma maneira, estaremos fazendo o oposto. Quando lemos as cartas de Thich Quang Duc, percebemos com extrema clareza que ele não estava motivado pelo desejo de se opor ou de destruir, e sim pelo desejo de se comunicar. Quando estamos presos numa guerra na qual as grandes potências possuem armas enormes e o controle total dos meios de comunicação, temos de fazer algo realmente extraordinário para nos fazermos ouvir.
Sem termos acesso ao rádio, à televisão ou à imprensa, precisamos criar novas maneiras de ajudar o mundo a compreender a situação em que estamos. O auto-sacrifício pode ser uma dessas maneiras. Se o fizermos por amor, estaremos agindo de um modo bastante semelhante ao de Jesus na cruz e de Gandhi na Índia. Gandhi jejuou não com raiva, e sim com compaixão; não somente por seus compatriotas, mas também pelos ingleses. Esses grandes homens sabiam que é a verdade o que nos liberta, e fizeram todo o possível para tornar a verdade conhecida.
As práticas budista e cristã são as mesmas - tornar a verdade conhecida, a verdade sobre nós mesmos, sobre nossos irmãos, sobre nossa situação. Esta é a tarefa dos escritores, dos pregadores, dos meios de comunicação e também dos praticantes. Praticamos diariamente examinando profundamente a nós mesmos e a situação dos nossos irmãos.
Se praticamos sem ter consciência de que o mundo está sofrendo, de que crianças estão morrendo de fome, de que a injustiça social reina em toda parte, não estamos exercendo a prática da mente alerta. Estamos apenas tentando escapar. Mas a raiva não é suficiente. Jesus disse que devemos amar nosso inimigo.
"Pai, perdoai-os, porque eles não sabem o que fazem." Este ensinamento nos ajuda a saber como olhar para o indivíduo que julgamos ser a causa do nosso sofrimento. Se nos acostumarmos a examinar profundamente a situação e o que fez com que ele se tornasse o que é agora, e se nos visualizarmos nascendo na condição dele, talvez possamos perceber que poderíamos nos ter tornado exatamente como ele.
Quando fazemos isso, a compaixão surge naturalmente em nós, e compreendemos que a outra pessoa deve ser ajudada, e não punida. Nesse momento, nossa raiva se transforma na energia da compaixão. De repente, aquele a quem vínhamos chamando de inimigo torna-se nosso irmão. Este é o verdadeiro ensinamento de Jesus. Examinar profundamente uma questão é uma das maneiras mais eficazes de transformar nossa raiva, nossos preconceitos e nossa discriminação. Praticamos não apenas como indivíduos, mas também como grupo.
No budismo, falamos da salvação através do entendimento. Percebemos que é a falta de compreensão que gera o sofrimento. O entendimento é o poder capaz de nos libertar. É a chave que pode abrir a porta da prisão do sofrimento. Se não praticarmos o entendimento, não estaremos aproveitando o mais poderoso instrumento para libertar a nós mesmos e outros seres humanos do sofrimento.
O verdadeiro amor só é possível com o verdadeiro entendimento. A meditação budista - parar, acalmar-se e examinar profundamente - visa nos ajudar a compreender melhor as coisas. Em cada um de nós existe uma semente do entendimento. Essa semente é Deus. Ela também é o Buda. Se você duvidar da existência dessa semente, estará duvidando de Deus e de Buda.
Quando Gandhi disse que o amor é a força libertadora, ele quis dizer que temos de amar nosso inimigo. Mesmo que nosso inimigo seja cruel, mesmo que esteja nos oprimindo, semeando o terror e a injustiça, temos de amá-lo. Esta é a mensagem de Jesus. Mas como podemos amar nosso inimigo? Existe apenas uma maneira compreendê-lo. Temos de entender por que ele é como é, como veio a ser assim, por que não vê as coisas do modo como nós vemos. Compreender uma pessoa nos confere o poder de amá-la e aceitá-la. E, no momento em que nós a amamos e aceitamos, ela deixa de ser nossa inimiga. É impossível "amar nosso inimigo" porque, no momento em que passamos a amá-lo, ele deixa de ser nosso inimigo.
Para amá-lo, precisamos praticar o exame profundo a fim de compreendê-lo. Se o fizermos, nós o aceitaremos, amaremos e também aceitaremos e amaremos a nós mesmos. Na qualidade de budistas e cristãos, não podemos pôr em dúvida que o entendimento é o componente mais importante da transformação. Se conversamos um com o outro, se estabelecemos um diálogo, é porque acreditamos que existe uma possibilidade de compreender melhor a outra pessoa. Quando entendemos outra pessoa, nós nos compreendemos melhor. E, quando nos compreendemos melhor, passamos a entender também melhor a outra pessoa.
"Perdoai as nossas ofensas, assim como nós perdoamos a quem nos tenha ofendido." Todo o mundo comete erros. Se formos observadores, perceberemos que algumas das nossas ações no passado fizeram outras pessoas sofrer, e algumas ações de outras pessoas nos fizeram sofrer. Queremos ser magnânimos. Queremos recomeçar. "Você, meu irmão ou irmã, foi injusto comigo no passado. Compreendo agora que isso aconteceu porque você estava sofrendo e não viu claramente o que estava acontecendo. Não sinto mais raiva de você."
Você não pode se obrigar a perdoar. Somente quando entender o que aconteceu é que poderá sentir compaixão pela outra pessoa e perdoá-la. Esse tipo de perdão é fruto da consciência. Quando somos atentos, conseguimos perceber as inúmeras causas que levaram outra pessoa a nos fazer sofrer, e, quando enxergamos isso, o perdão e a libertação surgem naturalmente. É sempre proveitoso pôr em prática os ensinamentos de Jesus e do Buda.

(Do livro “Vivendo Buda, vivendo Cristo” – Thich Nhat Hanh)

Vivemos em tempos de medo...



Vivemos em tempos de medo! Muito do que empreendemos
tem por conta o zelo pela nossa segurança.
Os homens querem cercar-se de garantias para estar
a salvos, da vida afetiva, profissional,
econômica à integridade física.

É tanta cautela, que todos esses procedimentos
tomados têm cada vez mais afastado as pessoas e
formado um ser humano desequilibrado e frio.
São grades que engaiolam crianças,
blindagens contra a liberdade, ensinamentos
que não transmitimos por medo de perder o cargo,
mãos que não selam acordos. Estamos nos condicionando
a ter o mínimo de contato com o ser humano.

Somos seres dotados de afetividade.
Afetividade é o que afeta, interfere no íntimo da pessoa.
O gênero humano tem por aspiração o ser comunitário.
Precisamos viver juntos, necessitamos uns dos outros.

Sentimentos e afetos são parte do todo do ser humano.
São faculdades que proporcionam cor e
intensidade a cada momento e circunstância
da nossa vida e trazem significado em nosso
interior sobre pessoas e acontecimentos.
Juntamente com o lado racional, as emoções também são
alicerces para tomadas de decisão.

Daí, a importância de cultivarmos boas emoções,
estarmos sadios afetivamente.
E isso acontece por meio do relacionamento,
das conversas, da procura da concórdia,
dos gestos que demonstram carinho e consideração.
Contudo, depois daquele agradável
encontro ou ao ser gerada uma boa impressão a
respeito de alguém, quando entendemos que
amamos e somos amados, o que vem a ser o penhor
e coroar todo tipo de relacionamento são
as diversas formas de contato, como o toque,
o aperto de mãos, o abraço, o beijo, o afago,
entre outros. Gestos muito importantes na construção
de nossa afetividade, que geram homens e
mulheres sadios emocionalmente, pois ao sentirmos o
amor pelo calor humano conectamos a impressão
psicológica e espiritual ao que experimentamos fisicamente.

Então a partir daí todo gesto de amor que recebemos
pode ser sentido pelas três instâncias do ser:
Física, Psiquica e Espiritual.
Um exemplo é quando um indivíduo sabe que sua família o
ama pelas palavras proferidas ou pelo sustento que lhe garantido,
mas se não há o carinho físico, fica faltando uma dimensão.

O amor manifestado para o todo (três dimensões) do ser
humano gera segurança e autoconfiança.
Sentir a mão de quem amamos nos passa a sensação concreta
de porto seguro. Dá uma percepção palpável
do amor que antes intuímos pelo lado racional e na alma.

Jesus tocava os doentes e abraçava as crianças e,
um dia, disse ao fariseu que O convidou para jantar:
“Não me deste o ósculo (beijo); mas esta, desde que entrou,
não cessou de beijar-me os pés” (Lc 7, 45).
Em referência àquela pecadora que, em seu gesto, demonstrou
um amor no qual o anfitrião não o manifestava (cf. Lc 7, 47).
Da mesma forma os apóstolos também tocavam
nos enfermos e assim ministravam a cura
“quando impuserem as mãos sobre os doentes,
estes ficarão curados” (cf. Mc 16, 17-18).

Quem sabe hoje não precisemos abraçar alguém que há muito
não trazemos para perto do coração e deixemos
calar as mágoas passadas num gesto
que é imprescindivelmente humano?
Talvez até pessoas da nossa família,
de dentro de nossa casa que há tempos
não sentimos o calor nem o perfume,
porque não mais nos aproximamos.

Diminuamos as distâncias e
construamos pontes de amor
que nos liguem a outras pessoas.
Não tenhamos medo de apertar a
mão ou envolver com um abraço
aquele(a) que não é ainda parte do
nosso círculo de amizades.
Este gesto pode salvar uma alma.
Há muita gente por aí
precisando de um abraço,
nos hospitais, prisões,
asilos ou talvez no trabalho,
na escola, alguém que esteja
próximo fisicamente de nós.
Vidas gritam por isso!

Um grande abraço a você!

domingo, 27 de novembro de 2011

Poemas copiados de CEM POEMAS DE KABIR.


Não vás para o jardim florido!
Ó amigo! Não te voltes para lá;
É em ti que se encontra esse jardim.
Escolhe teu lugar entre as mil pétalas
do lótus, e contempla desse posto
a Beleza Infinita.

Dentro deste vaso de barro
encontram-se os canteiros e os bosques,
e nele está o Criador.
Neste vaso estão os sete oceanos
e um sem-número de estrelas.
A pedra filosofal e o que louvam suas virtudes
estão em seu interior;
E neste vaso o Eterno soa, e a fonte mana.
Kabir diz: "Escuta, amigo! Meu Bem-Amado Senhor
está em teu interior!"

A Ti atraíste meu amor, ó Fakir!
Eu estava adormecido e abandonado
à minha sorte e Tu me despertaste,
sacudindo-me com Tua voz, ó Fakir!
Eu estava afogando-me nas profundezas
do oceano deste mundo e Tu me salvaste
sustendo-me em Teu braço, ó Fakir!
Uma palavra Tua - não duas - e fizeste-me
romper todos os meus cativeiros, ó Fakir!
Kabir diz: "Uniste Teu coração ao meu, ó Fakir!"

Ó Servidor! Onde estás a Me procurar?
Olha! Estou a teu lado.
Eu não estou nem no templo nem na mesquita.
Não me encontro na Caaba muçulmana
ou no Kailash dos deuses hindus:
Não estou nos rituais e cerimônias,
tampouco no ioga e nas mortificações.
Se és buscador sincero, em breve me verás:
chegará o momento de encontrar-Me.
Kabir diz: "Ó Sadhu! Deus é a respiração 
de tudo o que respira".

O rio e suas ondas são um mesmo fluxo:
qual a diferença entre o rio e suas ondas?
Quando se crispa a onda, é a água que se eleva;
e quando a onda cai, é novamente e ainda
água. Dize-me Senhor, a diferença:
por ter sido denominada onda, não mais devemos
considerá-la água?
No seio do Supremo Brahma, os mundos alinham-se
como contas:
Contempla esse rosário
com os olhos da sabedoria.

sexta-feira, 4 de novembro de 2011

IRMANDADE INVISÍVEL



Desde que me encontrei com o Grande Anônimo,
Me tornei anônimo do meu velho ego,
Esse ego faminto de nomes...
E ingressei na Fraternidade Branca
Dos irmãos anônimos,
Incolores,
Amorfos,
Invisíveis,
Onipresentes...
Ingressei na mística "ekklesía"
Dos arautos da Divindade,
Das vestais do Fogo Sagrado.
Que operam no mundo inteiro,
Em todos os universos do Cosmos.
Mas ninguém os conhece,
Esses anônimos,
Envoltos no manto branco
Do eterno silêncio,
De inefável beatitude...
Onde quer que haja uma dor
A ser suavizada,
Uma alegria
A ser compartilhada,
Onde quer que agonize
Um coração chagado,
Lá estão os Irmãos Anônimos
Da Fraternidade Branca...
Nenhum monumento ostenta seus nomes,
Nenhuma estátua perpetua seus atos,

Nenhum obelisco lhes canta as glórias,
Nenhum poema celebra a grandeza
Desses invisíveis arautos do bem,
Dessas alvas vestais do amor...
Somente nas páginas brancas
Do livro da vida eterna
Estão escritos seus nomes,
Com as tintas da reticência,
Em perpétuo anonimato...
Suas obras ocultam sempre
Suas pessoas...
A presença do seu visível "agir"
Coincide com a ausência do seu invisível "ser"...
Porque anônimos como Deus
São esses ignotos filhos de Deus,
Benéficos raios solares
Do Grande Sol do universo,
Sempre ausente de mim
E sempre presente a Ti...
Na Tua longínqua transcendência,
Na Tua propínqua imanência...
Desde que me encontrei com o grande Anônimo
Me tornei anônimo do meu eu humano,
Eclipsado por seu Tu divino,
Pelo eterno Eu divino
Em mim...

Huberto Rohden - "Escalando o Himalaia"