sexta-feira, 30 de março de 2012







Há quatro espécies de homens:

O que não sabe e não sabe que não sabe: é tolo - evita-o;
O que não sabe e sabe que não sabe: é simples - ensina-o;
O que sabe e não sabe que sabe: ele dorme - acorda-o;
O que sabe e sabe que sabe: é sábio - segue-o."

Comunicação é uma palavra mágica.

No entanto, uma boa conversa nunca esteve tão pouco em evidência.

O verdadeiro diálogo parece ter perdido grande parte de sua importância, agora que a comunicação humana acontece mais por meio de e-mails, sms ou
Facebook.

As mídias estão dominando nossa vida e nos sobrecarregam de uma quantidade incrível de informações.

As conversas giram principalmente em torno do que as mídias nos trazem, e falamos cada vez menos sobre o que poderíamos dizer a nós mesmos.

O mais importante é estar por dentro das novidades, estar bem informado.

Quem não estiver, só pode calar-se, não pode dizer nada, nem participar da conversa.

Acomunicação pessoal deixa transparecer muito da confusão de informações que mantém nossa “comunidade global” aprisionada.

Todas as pessoas, individualmente, precisam ter uma opinião bem formada, cheia de argumentos e justificada com veemência.

Nosso mundo de informações está ameaçado por uma polarização a ponto de ser quase uma obrigação tomar o partido de um lado e menosprezar o outro.

Para sermos claros, apegamo-nos a opiniões radicais. A hesitação e a incerteza tornam difícil a formação de opinião.

Exige-se uma opinião firme a respeito dos assuntos mais divergentes possíveis e sempre precisamos justificar, dar exemplos para fundamentá-la.

Isso é bem lógico, pois nossas conversas geralmente caem em discussões, debates
brigas, e sempre nos perdemos em uma avalanche de palavras.

Por isso, estamos chegando a um ponto em que vale mais ter razão do que dizer a verdade.

Trata-se de uma antiga técnica de discussão praticada entre os sofistas na antiga Grécia, e eles chegavam até a ser remunerados por ela! Vencia quem tinha razão, e a vitória era dada a quem pronunciasse a última palavra.

Sócrates Por ser o “pai do diálogo socrático”, ele atraía a hostilidade dos sofistas.

Sócrates não era um mestre da conversa cotidiana sobre “tempo bom” ou “tempo ruim”.

Pessoalmente, ele também não queria convencer ninguém a qualquer preço.

Mas ele acabou colocando em dúvida todas as falsas certezas de seus interlocutores.

Como ia fazendo perguntas cada vez mais profundas, ele os levava a tomar consciência de que realmente não sabiam nada.

Desse modo, resumia a conversa e dava fim a toda tagarelice das pessoas muito seguras de si.

Sócrates colocava-se como um exemplo, pois dizia que também não sabia nada a respeito de nada e que não achava que poderia saber de tudo. De certa forma, só de dizer isso ele já se mostrava mais sábio do que os outros.

Karen Armstrong tem razão quando se refere ao método de diálogo socrático em seu novo livro, Em nome de Deus (The Case for God). Segundo ela, as polêmicas sobre as grandes questões vitais são sempre improdutivas, pois impedem que a pessoa vivencie experiências espirituais autênticas e nunca conduzem à iluminação.

Em um bom diálogo, precisamos confrontar nossas opiniões com a de outra pessoa e deixar claro, logo de início, que não pretendemos saber tudo a respeito do assunto.

Ao fazer isso, não registramos um resultado imediato, sobretudo se nos esforçarmos muito conscientemente. Nesse caso, é importante reconhecermos isso honestamente: assim, poderemos dar uma nova direção ao diálogo.

Afinal, é preciso manter uma atitude aberta e receptiva, que nos permita perceber onde discordamos, para nos livrarmos de nossas certezas cristalizadas e da fortaleza inexpugnável de nossa personalidade presunçosa.

Se um dos dois interlocutores apresenta suas ideias como se fossem absolutas e totalitárias, como verdades indiscutíveis, a conversa para por aí.

Portanto, além de nos abrirmos para a outra pessoa, também precisamos relativizar nosso discurso.

De fato, uma boa conversa pode tornar-nos receptivos ao mistério desse terceiro elemento imperceptível: o silêncio que se estabelece entre os interlocutores, o “Outro”, que é tão diferente de nós, e que está presente entre as palavras expressas ou entre as linhas escritas, o “Outro”, que jamais poderá ser reduzido a uma verdade que possa ser demonstrada e definida objetivamente e que permanece quando tudo já foi dito.

Ora, esse “Outro” apenas pode manifestar-se em nós no silêncio: não somente o silêncio da voz, mas principalmente o silêncio do coração, que se faz quando o diálogo chega a um ponto em que nos faltam palavras, quando o silêncio não é
o silêncio teimoso e decidido de quem não querouvir mais nada, mas sim quando há uma espera tranquila pela palavra libertadora que faz com que, em nosso interior, se eleve “o indizível, o inexprimível”.

Esse silêncio também pode descer em nós quando cessa a onda interminável de reflexões pessoais, do diálogo que se desenvolve dentro de nós e que é definido por James Joyce como “fluxo de consciência” (stream of consciousness).

É que o debate a respeito de palavras nem sempre está fora de nós. Na maior parte do tempo, ele continua dentro de nós como um interlocutor imaginário, um adversário que gostaríamos de convencer com base em nosso próprio raciocínio.

Quantas vezes não ficamos cansados de tanto imaginar argumentos para um próximo debate, argumentos que gostaríamos de ter continuado a tecer, quando na verdade ficamos de boca calada? Críticas pedantes? A história da religião dá inúmeros exemplos de pessoas que dialogam como Deus “delas”.

Fazendo isso, apresentam seu "Deus”, como a única verdade uma luta desigual com o produto de sua própria imaginação, sob o império de uma criação demoníaca que as força a uma obediência muda e que submete sua fé de forma autoritária.

No fim, elas acabam perdendo totalmente a fé e negam a existência de Deus.

No entanto, uma negação como essa também pode ter um efeito purificador, pois o choque da ignorância pode fazer-nos transcender a nós mesmos e tornar-nos acessíveis interiormente ao mistério indizível da vida, como podemos ler, por exemplo, na Bíblia, no Livro de Jó.

O silêncio interior pode formar a terra que nos alimentará: a base em que os impulsos pessoais naturais acabam permitindo a escuta da palavra divina.

Nesse momento, dentro de nós somente restará uma única expressão, o anseio pelo único Verbo verdadeiro: “Fala, e serei curado”. Já não se trata de falar de modo puramente informativo ou descritivo, mas, sim, de formular o pedido por uma transformação, por uma mudança fundamental.

Quando a polêmica interior se reduz ao silêncio, o único Verbo divino pode fazer-se ouvir e renovar-nos inteiramente. Na tradição gnóstica cristã, trata-se do Logos.

Esse Verbo se expressa também por meio de nossas ações e de nossa atitude de vida, por uma afirmação que acaba com nossas “belas palavras” que, no entanto, são vazias.

Esse Verbo fala em nós no momento em que o vivenciamos e o escutamos em silêncio.

O que podemos dizer quando o Verbo divino do “Outro em nós” se faz ouvir?

Quando esse Verbo ressoa em uma conversa? Já não pretendemos convencer, persuadir nem sustentar opiniões contrárias: convidamos uns aos outros a ultrapassar as palavras e a descobrir a verdade transcendente que ultrapassa todas as palavras. A partir de então, a comunicação já não é uma troca de ideias diferentes, mas, sim, uma união, no sentido verdadeiro desse termo.

quinta-feira, 29 de março de 2012

Viver em Profundidade - Joaquim Gervásio de Figueiredo




O título desta palestra pode sugerir a idéia de que existem duas categorias de pessoas: as que vivem profundamente e as que vivem superficialmente. E realmente é assim.

No famoso livrinho Aos Pés do Mestre, o Mestre as classificou de maneira muito simples e sintética em "as pessoas que sabem e as que não sabem". E acrescentou: "e o conhecimento é o que importa possuir... o conhecimento do Plano de Deus em relação aos homens, e esse Plano é a Evolução. Quando o homem o tiver visto, e de fato o conhecer, não poderá deixar de cooperar nele, com ele se unificando, tal a sua glória e beleza. Assim, pelo fato de possuir o conhecimento, ele está ao lado de Deus, firme no bem e resistente ao mal, trabalhando pela evolução e não com fins egoístas".

Notemos que o Mestre não se referiu ali apenas ao conhecimento teórico do Plano, mas frisou o seu conhecimento de fato, consciente, que leva o indivíduo a aplicá-lo na vida prática, a adotá-lo como norma de sua conduta interna e externa em relação ao Plano de Deus. Se teoricamente o conhece, mas o omite na prática, também essa pessoa pode ser classificada entre "as que não sabem", isto é, entre os ignorantes que vivem superficialmente.

Essas duas categorias formam as duas grandes e perpétuas correntes que polarizam as mentes humanas em todo o mundo. De um lado estão representadas pelo egoísmo, o materialismo, a superstição religiosa e o negativismo filosófico; e do outro, pelo altruísmo, o espiritualismo esclarecido e o misticismo. Figurando graficamente essas duas correntes, e primeira traça uma linha horizontal, e a segunda, uma vertical, as quais se cruzam na vida humana, mas não ainda perpendicularmente, de sorte a formarem perfeitos ângulos retos entre si. Formariam então uma cruz perfeita e dinâmica, uma cruz svastika por exemplo, símbolo de equilíbrio e coordenação construtivos no conjunto da vida humana, como o é na vida cósmica.

Não podemos definir essas correntes como sendo uma do Bem e a outra do Mal, mas, antes, como expressões dos eternos pólos opostos da Natureza: o pólo positivo, representando o Espírito e a Vida, e o pólo negativo, representando a Matéria e a Forma, e cujo equilíbrio se busca em todo o universo. Em outros termos, são perpétuas forças centrífugas cósmicas atuando do centro para a periferia e as centrípetas atuando da periferia para o centro, cuja equiponderância, mercê da interferência corretora da poderosa Lei do Karma, mantém em equilíbrio todos os mundos e o ritmo evolutivo da Vida e da Forma em todos eles.

Se essas correntes se equilibram na vida cósmica, o mesmo não ocorre na vida da humanidade, onde primam mais pelo desequilíbrio e o caos. A tendência instintiva do homem comum é lançar-se cegamente a uma dessas correntes e opor-se diametralmente à outra, criando assim posições extremas e antagônicas. Se toma o rumo horizontal, gera os cépticos, os exclusivistas, os demolidores, os enfatuados dominadores de consciência. Se toma o rumo vertical, prolifera os fanáticos, os crédulos, os utopistas, os pseudo-salvadores e mártires, tão radicais quanto os primeiros.

Qual o resultado desse cego extremismo? Ambos esses grupos sofrem supondo-se felizes, e fazem outros sofrerem julgando torná-los mais felizes. E com isso não cessam de gerar uma mesma e interminável cadeia cármica de servidão e sofrimento para o mundo.

Tal foi o quadro doloroso que o compassivo Gautama Buda descobriu no momento de sua suprema Iluminação, e que ele resumiu nas suas famosas Quatro Verdades, que são: a existência universal de sofrimento; a causa do sofrimento, radicada no desejo; a extinção do sofrimento mediante a extinção do desejo; e caminho para a extinção do desejo, e portanto, de sofrimento. Então anunciou o seu Nobre Óctuplo Caminho, o "Dourado Caminho do Meio Termo", o qual consiste e: Reta Crença, Reto Pensar, Reto Falar, Reto Agir, Retos Meios de Subsistência, Reto Esforço, Reta Memória e Reta Concentração.

Reta Crença também é interpretada como Reta Visão das coisas. Desse primeiro passo dependem todos os outros, pois, como bem dizia Giordano Bruno, se abotoarmos errado o primeiro botão de nosso colete, todos os demais botões entrarão em casa errada. Esta Visão se entende também por correto Discernimento, o qual o budista considera corresponder à abertura das portas da mente.

Destarte, o Óctuplo Caminho que, em última análise, é uma fórmula muito feliz e sábia para ensinar todos os homens a reajustarem sua conduta interna e externa à operação natural e imutável de leis universais, foi a grande Mensagem que a Luz da Ásia legou indistintamente a todas as classes sociais de todos os tempos. Tal é o Dharma, a Lei, destinado a fazer que os homens vivam em profundidade, segundo os mandatos de seu Ego e não de seus sentidos. Citando palavras de C. Jinarajadasa, "uma das mais maravilhosas concepções que o Senhor Buda deu, é que a lei moral é exatamente a mesma que qualquer lei física. Quando proclamava que 'o ódio não cessa com o ódio, mas apenas com o amor', Ele não proferia um belo ideal, mas fazia um enunciado científico das leis do universo, visível e invisível. Numerosos pensadores ocidentais hodiernos, que são profundamente influenciados pelas concepções científicas, começam a compreender que no Budismo se enuncia um tipo de vida que está de perfeito acordo com a ciência".
No Óctuplo Caminho a Reta Visão é, pois, o primeiro passo na caminhada para a Perfeição, que conduz ao Reino da Felicidade, é o farol a clarear a Senda que serpenteia ao longo das densas trevas que de todos os lados envolvem a Alma peregrinando para o Eterno. É a luz meridiana a dissipar com seus potentes raios as nuvens que obscurecem as tateantes passadas do fatigado caminhante, perdido na escarpada estrada do entendimento da Vida.

Para nós, teosofistas, Reta Visão consiste em tomarmos consciência do Plano do Logos para o seu Universo e das leis do desenvolvimento desse Plano. Adquirir essa Visão e agir dentro de sua faixa significa viver mais nas profundidades da vida do que em sua superfície. Corresponde a "agir pela perpendicular", segundo a alegórica linguagem dos maçons. Eqüivale a viver sabiamente, como manda o provérbio bíblico, pois "a Sabedoria de Deus dirige suave e poderosamente todas as coisas".

A face da Terra passou a mudar mais rapidamente desde a metade do século passado, quando o materialismo científico atingiu o seu clímax e sua arrogante crista começou a ser dobrada pelas torrentes de espiritualismo oriundas da Ásia, Europa e América, rompendo muralhas de negativismos, dogmatismos e superstições. Despontaram então os fenômenos espiritistas, as investigações psíquicas, traduções e comentários da filosofia oriental e a magnífica obra de divulgação teosófica iniciada por H. P. Blavatsky, à qual vieram juntar-se outras figuras eminentes no pensamento e na cultura, e que culminou com a fundação da Sociedade Teosófica, a maior dádiva de todos os tempos oferecida ao mundo pela Hierarquia Oculta. Operou-se desde então uma notável metamorfose na mentalidade científica, religiosa, política e social em todo o mundo culto. Essa metamorfose se estende já a todos os quadrantes do planeta, e podemos estar certos de que não deterá a sua marcha, mas irá se ampliando e aprofundando mais e mais no futuro e iluminando de mais coloridas esperanças os ainda turvos horizontes da espécie humana.

Entre as camadas espirituais que se tem beneficiado desse poderoso influxo renovador, cumpre-nos destacar o Misticismo, cujo renascimento auspicioso se pode constatar em toda a parte, não obstante as vozes e ações em contrário de setores reacionários que, embalados pela sua mente concreta, estreita, preferem vegetar à sombra do passado. A guerra que, em alguns setores, se teima em mover contra o surto do Misticismo, nos traz à lembrança a triste recordação das implacáveis e cruéis perseguições que no passado, do século IV a.C. ao século V d.C., se moveram contra os Antigos Mistérios e Religiões, culminando com o assassinato da brilhante neoplatonista Hipatia, quando então a Idade Média estendeu o seu manto negro sobre o Ocidente, que dominou durante pesados mil anos.

A onda devastadora levou de roldão também os primitivos gnósticos cristãos, o Neoplatonismo, sem falar da destruição da florescente Escola de Pitágoras e de outras brilhantes sociedades secretas. De sorte que da Igreja cristã primitiva, fundada e mantida até o terceiro século sob o signo de Iniciados como Paulo de Tarso, João Evangelista, Clemente de Alexandria, Orígenes e outros luminares, só restam as pompas do culto externo que desde então a dominam.

Felizmente o pior já passou, e se bem que ainda nos debatemos nas obras de um Kali Yuga, idade negra, não subsistem hoje condições para o ressurgimento de tão cruéis perseguições e sectarismos. Aqueles que ainda zombam do Misticismo só demonstram, com isso, que não o estudaram, e se o estudaram, não o entenderam, e para os que percebem e sentem outras expressões de vida, esses pregam no deserto.

Mas o que é o Misticismo? Passemos a palavra ao ilustre teósofo Rohit Mehta, em seu livro The Creative Silence, páginas 4 e 5:
"Misticismo implica uma direta - ou clara - percepção da Verdade. Em todas as épocas, são os Místicos que tem sido os regeneradores da humanidade. Quando quer que haja uma decadência da Retidão, um novo impulso de Misticismo tem surgido invariavelmente, para trazer uma nova inspiração para a vida do povo. Hoje em dia, em meio das trevas envolventes, causadas pelo egoísmo do homem no emprego de poderes colocados pela ciência física à sua disposição, tem havido aqui e ali um novo raio de Misticismo, tanto no Oriente como no Ocidente. Com efeito, a nova corrente religiosa do mundo segue a direção do Misticismo. Há atualmente um acrescido interesse pela Vedanta hindu e pelo Budismo Zen, ambos destacados exemplos do Misticismo filosófico e religioso. O século vinte tem sido o de reaparição de numerosos místicos, grandes e pequenos, em todo o mundo. E é o novo raio de Misticismo trazido por estes homens e mulheres espirituais do mundo o que nos enche de esperanças no tocante ao futuro da civilização humana.

"Escrevendo sobre o papel dos Místicos escreve o Sr. C. Jinarajadasa em sua obra Nature of Mysticism: 'Misticismo é o aroma da floração em terras tropicais, que somente se abre quando o sol se recolhe e depois perfuma a atmosfera até um rapto extasiante. Longe do tumulto das ações, além mesmo donde os pensamentos podem viver, o místico sente o perfume da vida e faz de seu coração um cálice para captar esse perfume e oferecê-lo a Deus e ao Homem. Felizes são os homens de que o mundo tenha sempre místicos, pois os místicos são os filhos de Deus, que não conhecem idade, cantam o nascer do sol na escuridão da noite, e vêem a visão da Ascensão do Homem na tragédia de sua Crucificação".

E acrescenta Rohit Mehta:
"Ver a ascensão do Homem na tragédia da sua crucificação, eis, realmente, a grande contribuição do Misticismo em todas as épocas. No meio das frustrações e tragédias da vida, o homem necessita da mensagem do Misticismo, mais do que nunca. É assim que os ensinamentos contidos na Voz do Silêncio são os mais apropriados ao homem moderno, que evidentemente está em busca de uma alma".

Entre as obras magistrais que H. P. B. legou ao mundo para lhe dar uma visão do imenso e maravilhoso Plano de Deus e do papel que dentro dele cabe a cada ser humano, parece-nos que a última e menor delas, A Voz do Silêncio, que no conteúdo e no estilo pode figurar como a flor da literatura teosófica, condensa a quintessência da Teosofia, concernente ao desenvolvimento e aperfeiçoamento do Eu Espiritual no homem. Sua primeira edição apareceu em 1889, com a Chave da Teosofia (também um resumo), e portanto, dois anos antes do passamento de H. P. B., havendo sido, assim, sua última dádiva ao mundo, que, por isso, resume toda a sua filosofia de vida. É uma tradução sua, feita de cor e acrescida de anotações também suas, de certos fragmentos do misterioso Livro dos Preceitos de Ouro, ligado ao sábio budista Aryasanga, uma eminente encarnação anterior do atual Mestre Djwal Khul, segundo relata Leadbeater em Plasticas sobre el Sendero de Ocultismo, volume II, onde os interessados encontrarão informes mais detalhados sobre este particular.

Segundo palavras de H. P. B., esse relatório espiritual "destina-se ao uso diário dos Lanus (Discípulos) - aqueles que desejam palmilhar a Senda do Desenvolvimento Espiritual". Conquanto ignoremos se entre nós há ou não discípulos, na acepção teosófica do termo, pelo menos uma modesta aspiração espiritual parece unir-nos todos nós, qual seja o desejo de "palmilhar a Senda do Desenvolvimento Espiritual". Daí o havermos escolhido esse livrinho para fonte inspiradora desta descolorida palestra, com vistas a uma vivência mais profunda e intensa daquilo que intelectualmente aprendemos.

Preliminarmente, Voz do Silêncio é uma pura expressão do Budismo Esotérico, vale dizer, filosófico, que se pratica no Tibete, China e Japão, ou da Escola budista Mahayana, o Grande Caminho. Tanto que, segundo o bikku Arya Asanga, autor de uma edição sua, Jubileu de Ouro de 1939, Adyar, o estudo do Budismo Zen do Dr. Suzuki, a maior autoridade contemporânea na matéria, pode bem ajudar a melhor compreender este livrinho. Ora, o Budismo Esotérico, por sua transcendência, não está ao alcance de toda a gente sem o devido preparo, e daí, talvez, o declarar H. P. B. que tais ensinamentos se destinam ao uso diário dos Lanus; o contrário, supomos, do Óctuplo Caminho, que se destina a todos os indivíduos de boa vontade.

A Voz do Silêncio divide o Conhecimento em Doutrina da Cabeça ou dos Olhos, que é o conhecimento intelectual, e Doutrina do Coração, que é a sabedoria da Alma, a filosofia do auto-sacrifício em benefício dos mais fracos. Doutrina do Coração é o ensinamento fundamental do Budismo Esotérico e constitui o tema quase exclusivo da Voz do Silêncio, que visa, não a criação de frios Arhats, mas, sim, de compassivos Boddhisattvas. Logo de início ele dá a chave, a tônica, a filosofia de todos os seus ensinamentos, nestas duas curtas sentenças:
"A mente é a grande assassina do Real. Que o Discípulo mate a assassina".

Matar a mente! eis o fulcro, o eixo central em torno do qual giram os ensinamentos da Voz do Silêncio, pois onde fala a estridente voz da mente inferior não se pode ouvir nem mesmo soar a harmoniosa e límpida voz da Intuição, que todavia ressoa tanto mais poderosa quanto mais vazia se encontra a mente. Entenda-se, porém, que matar a mente não significa extirpá-la, eliminá-la de nossa natureza, tanto quanto não o significa a máxima matar o desejo. Mas significa fazer com que a mente deixe de ser agente, e sim simples instrumento; um instrumento dócil e maleável à nossa vontade. Significa transcendermos o foco superior e bem maior, que é o búdico. Significa abrirmos a mente e conhecermos suas possibilidades e limitações, explorando as primeiras e banindo as segundas, a ponto de conseguirmos realizar o ideal exposto quase no final do livro:
"...tens de sentir-te Todo-Pensamento, e contudo exilar todos os pensamentos de tua Alma".

Aparentemente, não há algo de paradoxal entre matar a mente e tornar-se Todo-Pensamento? E ainda, como tornar-se Todo-Pensamento e ao mesmo tempo exilar todos os pensamentos de tua Alma? A dúvida se desfaz ao compreendermos que no início do aprendizado a mente era o rajah (o rei) dos sentidos, Procurador de Pensamentos, o que cria a ilusão, e que no fim do aprendizado ela está reduzida a um mero e passivo veículo do pensamento abstrato, dimanante do Ego. Antes ela dominava soberana, mas agora obedece submissa ao raio proveniente de Alaya. E onde domina esse pensamento superior e mais poderoso, todos os demais cessam.
Como conseguirmos essa total reversão de nossa mente? Eis o grande enigma que o livrinho nos leva a deslindar ao longo do labiríntico caminho através de seus Três Fragmentos, denominados, respectivamente, as Três Salas, os Dois Caminhos e os Sete Portais, cada qual caracterizando e ainda definindo um ensinamento capital a realizar na via do Discipulado pelo aspirante que já percorreu triunfalmente os demais degraus do Óctuplo Caminho. Mas esses degraus talvez tenha ainda de recorrer acidentalmente, pois logo no limiar lhe adverte o Terceiro Fragmento: "Anima-te, Discípulo; tem em mente a regra de ouro".

As Três Salas se chamam, a primeira, a da Ignorância (Avidya); a segunda, a da Instrução (Probatória); a terceira , a da Sabedoria, e depois desta última se estendem "as águas sem praias de Akshara, a indestrutível Fonte da Onisciência; a região da plena Consciência Espiritual, além da qual não há mais perigo para quem a atingiu". Correspondem as Três Salas aos três estados ascendentes da Consciência, referidos por Patânjali como Jagrat (vigília), Svapna (sonho) e Sushupti (sono sem sonhos), e culminam no quarto estado, chamado o "Vale da Bem-aventurança" por H. P. B. e Turyia (sono sem sonhos) por Patânjali, e que a terminologia teosófica designa como o estado búdico da consciência, ou o Iniciado no Plano Búdico. Em cada uma dessas Salas alegóricas predomina uma das gunas ou atributos da Natureza: na primeira, Tamas (inércia), na segunda, Rajas (atividade, luta), e na terceira, Sattva (harmonia, equilíbrio), ao passo que no quarto há total transcendência sobre as gunas: o Iniciado as domina soberano em vez de estar a elas sujeito.

Relacionando-as com o espaço que nos envolve, a primeira Sala corresponde ao mundo físico, o mundo da ignorância, dominado pelo fogo fátuo dos sentidos, onde marca passos a maioria da humanidade ainda identificada com o seu corpo físico e onde a Alma eleita aprende a sua primeira lição de se dissociar do seu Não-Eu, condensado nesse corpo físico. A segunda Sala é o mundo astral, o trepidante e volátil reino da ilusão, onde impera "Mara", o prestidigitador rei dos sentidos psíquicos tentando fascinar os incautos. É alegoricamente a Sala da Aprendizagem, porque é onde cada Alma tem de travar a sua batalha decisiva entre o Eu e o Não-Eu, entre o seu Eu Superior e o seu eu inferior, até que triunfe e domine o primeiro. É o perigoso mundo do psiquismo em todas as sua gamas, onde a "Alma encontrará os botões da vida, mas embaixo de cada flor, uma serpente enrolada". Ganha a batalha, o aspirante ascende à Terceira Sala, a da Sabedoria, correspondente ao Mundo Mental superior, onde deparará com "aquele que lhe dará o ser", ou seja, com o Mestre que o preparará para ingressar, pela Iniciação, no "Vale da Bem-aventurança", o mundo búdico, para lograr tão estupenda façanha, adverte-lhe solenemente o Mestre: "Cerra teus sentidos à grande e terrível heresia da separatividade, que te afasta dos demais". É que nesse glorioso mundo impera soberana a consciência da unidade da Vida.

Todavia, em cada uma dessas Salas, que caracteriza um estado especial de consciência, o aspirante tem de realizar os três estados de consciência, já que cada estado tem uma lição a dar-lhe em cada mundo sucessivo e num nível progressivamente superior.

Em seu conjunto, os Três Fragmentos visam o desenvolvimento integral e harmônico da Alma; isoladamente, cada um deles focaliza uma fase e uma meta específicas, e por isso se chama um Caminho, até certo ponto completo e independente dos outros dois.
O primeiro Fragmento, o das Três Salas, visa especificamente o desenvolvimento e aperfeiçoamento da Concentração (Dhâranâ); é o Caminho Preparatório, da Negatividade e Libertação, correspondente ao Grau de Purificação dos Antigos Mistérios. É por excelência o Caminho da auto-dissociação sucessiva, através das Três Salas, do Não-Eu, do Eu e finalmente da própria idéia de dissociação. Torna-se então a cristalina "gota dentro do Oceano", que "imerge o Oceano dentro da gota" no "Reino da eterna Bem-aventurança".

O segundo Fragmento, o dos Dois Caminhos, tem por escopo o desenvolvimento e aperfeiçoamento da Meditação (Dhyâna), através da qual a Alma alcança a Visão e Descoberta do seu Caminho, o seu tipo, a sua tônica, a sua qualidade, o seu Raio, enfim, o seu Dharma, com o qual se deve identificar e unificar. Então, afastar-se de seu Caminho equivaleria a "afastar-se de si mesmo". Assim harmonizado consigo mesmo, o aspirante encontrará o seu Ego primeiro; depois, o seu Mestre, e finalmente, o seu Dhyani, o Espírito Solar. Jamais, porém, descobrirá o seu Caminho sem antes haver percorrido uma a uma as Três Salas preparatórias e ingressado no "Vale da Bem-aventurança". A escolha consiste em tornar-se um Arhat, e ingressar imediatamente nas delícias do Nirvana, ou converter-se num Boddhisattva, o qual prefere renunciar a esse Nirvana para ficar junto à cabeceira da humanidade sofredora e ajudá-la a atingi-lo primeiro, partilhando com ela as glórias de sua maravilhosa conquista.

O terceiro Fragmento, o dos Sete Portais ou Virtudes Transcendentais, objetiva o desenvolvimento e aperfeiçoamento da Contemplação ou Transe (Samadhi). Corresponde especificamente ao Caminho da Perfeição através das Iniciações até chegar "à outra margem da corrente", o estado de Arhat dos hindus e do Boddhisattva dos budistas, o qual no entanto, não se deve confundir com o Boddhisattva referido nas obras teosóficas. Entre os budistas designa um alto estado de consciência, e na literatura teosófica um alto cargo na Hierarquia Oculta do mundo. Mas a este estado só chega quem já passou pelas Três Salas e descobriu o seu Caminho, e por isso, logo no seu limiar, diz o Discípulo a seu Mestre: "Upadhya, está feita a escolha, estou sedento de Sabedoria ... Teu servo está pronto para tua orientação".

Daí em diante, uma a uma, lhe são entregues as sete chaves de ouro que lhe abrirão de par em par, sucessivamente, os Sete Portais que conduzem à Suprema Iluminação, e que compreendem as Seis Virtudes (Paramitas de perfeição) e mais a Sétima, que é da conquista da Sabedoria Espiritual. As seis virtudes são: Dana, a chave da caridade e amor imortais; Shila, a chave da harmonia nas palavras e ações; Kshanti, a chave da coragem e paciência, que nada pode perturbar; Virâga, a chave da indiferença total à dor e ao prazer; Virya, a chave da energia indomável, que abre caminho para a Verdade, e Dhyâna, a incessante contemplação do Eterno. Finalmente alcança Prajna, a Suprema Iluminação, e com ela a quarta Iniciação, a de Arhan ou Boddhisattva.

Ouvir a Voz do Silêncio é ouvir a suave e penetrante voz da Intuição, cuja chama de ouro só brilha quando a mente emudeceu e cessaram todos os seus pensamentos vadios. Procurar ouvir essa Voz e obedecê-la, mesmo em meio de tumultos e adversidades, é fechar a mente ao vozerio dos sentidos in-feriores e mergulhar em seu interior para viver em profundidade, e portanto, mais intensamente. Nesta época de tanta fealdade e crueldade, se pudermos fazer da beleza e do amor a tônica de nossa vida, estaremos criando condições para que a Intuição brilhe através de nós e dos outros, e colaborare-mos no Plano do Logos de aperfeiçoamento de seu universo. Poderemos mesmo entender melhor a linguagem silenciosa e colorida dos anjos, e com eles privar.

Eis porque teósofos cultos consideram a Voz do Silêncio a mensagem mais adequada a nossa época, a era da soberania da mente, porém em que esta se sente frustrada com os problemas por ela mesma criados. Esses problemas não podem ser resolvidos só pela mente, mas, sim, transcendendo-a e apelando para a Intuição. Qualquer que seja o nome que se lhe dê, a humanidade está à beira de atingir uma nova dimensão de compreensão, e essa compreensão não é da mente, mas de algo que a transcende. E é tão só à luz dessa compreensão que se podem resolver os problemas do homem. Essa nova compreensão marcará a era de uma Nova Civilização, com homens e mulheres de todo o mundo, dotados todos de uma mais clara e plena visão das coisas.

A Voz do Silêncio é, pois, o livro da Nova Compreensão, o livro de Buddhi, que só por si nos poderá ajudar a sentir e a viver mais profundamente a vida superior. Ele coloca ante os homens e mulheres de hoje uma filosofia da vida que os capacitará a rasgar o véu da mente e encarar as indizíveis belezas do Mundo Superior, que é também o nosso Mundo Interior.

Afinal, comparando o primeiro Caminho Preparatório, que é o da Negatividade do Não-Eu e da libertação, com o terceiro Caminho, o da Perfeição, achamos as seguintes correspondências, bem sugestivas:

1. As Três Salas preparatórias correspondem às três Iniciações posteriores, no Caminho de Perfeição.
2. Nas Salas, o aspirante se liberta progressivamente de seu milenar condicionamento às três gunas da Natureza: Tamas (inércia ou resistência), Rajas (atividade ou luta), Sattva (harmonia ou equilíbrio frios), e através das seis Paramitas (Virtudes transcendentais), desenvolve os três poderes da consciência: Vontade, Amor e Atividade criadora.
3. Os sete sons místicos no primeiro Caminho pare-cem relacionar-se com o despertar dos sete chacras, centros dinâmicos localizados no duplo etérico e que servem de ca-nais entre certos centros do corpo astral e gânglios ou plexos nervosos do corpo físico. Correspondem ao desenvolvimento das Sete Virtudes Transcendentais, que no terceiro Caminho abrem os Sete Portais para o Aperfeiçoamento. (Vemos aqui uma analogia da abertura dos sete selos e do toque das sete trombetas, referidos no Apocalipse, um livro tido como iniciático pelos antigos Gnósticos).
4. Através das Três Salas o aspirante ingressa no Vale da Bem-aventurança com a mente inteiramente descondicionada dos fatores Tamas, Rajas e Sattva, e alcança o estado de Individualização ou Autoconsciência Espiritual. Enquanto que no Caminho da Perfeição, através das três Iniciações, atinge o estado de Prajna, o da Iluminação e Perfeição Espirituais.
5. No primeiro Caminho a tarefa do aspirante consiste em libertar-se dos fatores condicionantes da mente, e no terceiro Caminho sua tarefa é o desenvolvimento dos poderes inerentes ao seu Ego.
6. No Caminho inicial e preparatório, o aspirante deixa de ser "outra coisa", para, no Caminho final, ser "Aquilo que ele realmente é".
7. Entre esses dois Caminhos permanece o segundo, qual farol a devassar toda a natureza do aspirante e a iluminar seus passos nos demais Caminhos. É o da Visão esclarecida, que o leva a descobrir-se a si e ao seu Caminho; é o do Discernimento aguçado, que atua qual fiel equilibrador da balança, sempre oscilante entre o seu Eu Superior e o seu eu inferior. É o ponto de encruzilhada ou bifurcação dos dois Caminhos - o da Doutrina dos Olhos e da Doutrina do Coração - em que ele faz a sua grande escolha e opta pelo segundo.

Quando, enfim, ao longo da jornada, alcança sua Meta, torna-se Prajna, o Supremo Iluminado, o coroado com e imarcescível glória da Sabedoria Espiritual. Converte-se assim no Tathâgata. Aquele que segue as pegadas da Senda percorrida pelos Budas de Compaixão. Passa então a ser uma pedra viva na Muralha Protetora da sofredora humanidade, Muralha constituída pelos seus sempiternos Guardiães, e pa-ra isso renunciando às indescritíveis alegrias celestes e bem-aventuranças nirvânicas, que tal é o preço de sua heróica escolha. E então faz o seu supremo voto: "Enquanto todos os homens não se livrarem das tristezas e sofrimentos, não en-trarei na Bem-aventurança do Nirvana".

E ao ouvir tão solene decisão, toda a Natureza em coro, segundo palavras finais do famoso livrinho, irrompe exultante, numa insonora aleluia:

Alegrai-vos, homens de Myalba (da Terra)!
Um peregrino regressou da outra margem.
Nasceu um novo Arhan!
Paz a todos os seres!

Artigo publicado em "O Teosofista" Julho-Setembro 1967

Giordano Bruno, sobre a Causa, o Princípio e a Unidade:



"O universo, portanto, é um infinito imóvel.

Uma é a possibilidade absoluta, uma é a verdade, uma a forma ou alma, uma a matéria ou corpo. 

Uma é a causa, uma a substância.

Um é o maior e o melhor, que não se pode jamais melhor compreender e, por essa
razão, é indeterminável e ilimitável e, também por isso, ilimitado e indeterminado
e, assim, imóvel.

Pois como o homem que não compreende o Um não compreende nada, assim compreende tudo aquele que realmente compreende o Um.

E quem chega ao conhecimento do Um, chega ao conhecimento do Todo."

quarta-feira, 28 de março de 2012







Nenhuma outra tristeza tenho,
senão esta: essas almas
às quais falta a esperança,
e que não são fortalecidas
interiormente na verdade.

Para evitar sua morte final,
os apóstolos e os pais,
os verdadeiros profetas
que se manifestam por Deus,
fizeram a oferenda de si mesmos
com grandes esforços,
na terrível necessidade de salvar
essas almas da segunda morte.

Nem um só apóstolo quis receber
sua recompensa nesta terra.
Eles passaram todo o seu tempo
em dores e sofrimentos
e aceitaram a crucificação de seus corpos
para salvar essas almas
da grande perdição,
para que elas se elevassem
à paz eterna no novo Aeon.

Mani, o Apóstolo da Luz.

segunda-feira, 26 de março de 2012

Versos de Ouro de Pitágoras Versão de Dario Persiano de Castro Vellozo Em um livro do Eliphas Levi ou Papus





PREPARAÇÃO

Aos Deuses imortais o culto consagrado
Rende; e tua fé conserva. Prestigia
Dos sublimes Heróis a imárcida lembrança
E a memória eteral dos supernos Espíritos.

PURIFICAÇÃO

Bom filho, reto irmão, terno esposo e bom pai
Sê; e para amigo o amigo da virtude
Escolhe, e cede sempre a seus dóceis conselhos;
Segue de sua vida os trâmites serenos;
Sê sincero e bondoso, e não o deixes nunca,
Se possível te for: pois uma lei severa
Agrilhoa o Poder junto à Necessidade.
Está em tuas mãos combater e vencer
Tuas loucas paixões; aprende a dominá-las.
Sê sóbrio, ativo e casto; as cóleras evita.
Em público ou só, não te permitas nunca
O mal; e mais que tudo a ti mesmo respeita-te.
Pensa antes de falar, pensa antes de agir.
Sê justo. Rememora; um poder invencível
Ordena de morrer; e os bens e as honrarias,
Fáceis de adquirir, são fáceis de perder.
Quanto aos males fatais que o Destino acarreta,
Julga-os pelo que são: suporta-os, procura,
Quão possível te seja, o rigor abrandar-lhes:
Os Deuses, aos mais cruéis não entregam os sábios.
Como a Verdade, o Erro adoradores conta.
O filósofo aprova, ou adverte com calma;
E, se o Erro triunfa, ele se afasta, e espera.
Ouve, e no coração grava as minhas palavras:
Fecha os olhos e o ouvido a toda prevenção;
Teme o exemplo de um outro, e pensa por ti mesmo;
Consulta, delibera e escolhe livremente. 
Deixa aos loucos o agir sem um fim e sem causa; 
Tu deves contemplar no presente o futuro. 
Não pretendas fazer aquilo que não saibas, 
Aprende: tudo cede à constância e ao tempo. 
Cuida em tua saúde; e ministra com método 
Alimentos ao corpo e repouso ao espírito. 
Pouco ou muito cuidar evita sempre; o zelo 
Igualmente se prende a um e a outro excesso. 
Têm o luxo e a avareza efeitos semelhantes. 
Deves buscar em tudo o meio justo e bom.

PERFEIÇÃO

Que se não passe um dia, amigo, sem buscares
Saber: Que fiz eu hoje? E, hoje, que olvidei? 
Se foi o mal, abstém-te; e, se o bem, persevera. 
Meus conselhos medita; e os estima; e os pratica:
E te conduzirão às divinas virtudes.
Por esse que gravou em nossos corações
A Tétrade sagrada, imenso e puro símbolo,
Fonte da Natureza, e modelo dos Deuses,
Juro. Antes, porém, que a tua alma, fiel
A seu dever, invoque, e com fervor, os Deuses,
Cujo socorro imenso e valioso e forte
Te fará concluir as obras começadas,
Segue-lhes o ensino, e não te iludirás:
Dos seres sondarás a mais estranha essência;
Conhecerás de Tudo, o princípio e o termo.
E, se o Céu permitir, saberás que a Natura,
Em tudo semelhante, é a mesma em toda parte.
Conhecedor assim de todos teus direitos,
Terás o coração livre de vãos desejos.
E saberás que o mal que aos homens cilicia, 
De seu querer é fruto; e que esses infelizes 
Procuram longe os bens cuja fonte em si trazem. 
Seres que saibam ser ditosos, são mui raros.
Joguetes das paixões, oscilando nas vagas,
Rolam, cegos, num mar sem bordas e sem termo,
Sem poder resistir nem ceder à tormenta.
Salvai-os, grande Zeus, abrindo-lhes os olhos!
Mas, não; aos homens cabe, — eles, raça divina, —
O Erro discernir, e saber a Verdade.
A Natureza os serve. E tu que a penetraste,
Homem sábio e ditoso, a paz seja contigo.
Observa minhas leis, abstém-te das coisas
Que tua alma receie, em distinguindo-as bem;
Sobre teu corpo reine e brilhe a Inteligência
Para que, te ascendendo ao Eiter fulgurante,
Mesmo entre os Imortais consigas ser um Deus! 



Estâncias ao PEREGRINO EFÊMERO
I
A CAMINHO DA PERFEIÇÃO
Signo: Câncer.
O último dos Discípulos do Filósofo Desconhecido vai algo recordar ao Peregrino Efêmero.
O Caminho da Perfeição, acidentado e longo, é marginado de tojos.
A flor do tojo abre o matiz do Desespero: é amarela; as hastes espontam acerados espinhos.
O amarelo — o ouro — é também a cor simbólica da opulência material, monetária.
A paixão do bem-estar físico, do luxo, afasta da perfectibilidade.
Que os felizes de corpo e os felizes de espírito, os que desfrutam e se satisfazem com o utilitarismo do Ocidente e com a ciência do Ocidente, não tentem palmilhar o Caminho da Perfeição!
O Caminho da Perfeição é para os Insatisfeitos de coração e de alma; para os sem conforto e sem alegria; para os Infortunados; para os que não encontraram resposta às interrogativas, anelos e anseios do Espírito; para os divorciados do luxuoso e do fútil; para os Insubmissos ao nemrodismo dos Dominadores; para os que não acharam o elixir de longa vida nos filtros do Dr. Fausto, nem a meiguice de Margarida nas sugestões de Mefistófeles; para os viúvos da Alma-lrmã; para os anacoretas da IDÉIA!
Caminhar para a Perfeição, é almejar ouvir a Voz do Silêncio; é orientar-se para a Vida Imortal; para a Verdadeira Vida.
Longe de ser o atalho do Aniquilamento, é a alfombra de Elêusis.
Raríssimos palmilharão a alfombra, raríssimos ouvirão a Voz do Silêncio: — porque a ronda da Mentalidade não começou ainda para a espécie. Só os pioneiros do Novo Ciclo escutam a música das Esferas; só os vencedores do Plano-físico entram os áditos da Renúncia.
Aos Instintivos a Renúncia custa; e não vencem o Dragão do Ádito.
O Dragão simboliza a ânsia do bem-estar material, da volúpia, da luxúria, do conforto da carne. Renunciar ao Gozo, é, para o Instintivo, renunciar à Vida. E, quanto mais afunda no Gozo, mais se afasta de Elêusis, dos hortos da IDÉIA, do Caminho da Perfeição que conduz aos santuários do Espírito.
Quem leva e guia o Peregrino?
O Destino?
Engano! A vontade.
A Vontade vence, modifica, enflora, domina os Destinos.
Querer, é poder; saber querer, é saber vencer.
Educar a Vontade, purificar as Idéias, é armar-se para a VITÓRIA.
Pelo domínio da Vontade, obtém-se o domínio da Vida.
A Vontade afasta a própria morte, demora-a, retarda-a.
A Morte é a metamorfose das Formas.
As Formas são efêmeras, e Essência é eterna.
Para a eternidade da Essência existe o Âmbito Infinito.
A seiva da Vontade é a Esperança.
A Dúvida exaure, — porque a Dúvida conturba a Vontade. Duvidar, é debilitar-se.
A Dúvida é a agonia do Ser. Não duvides!
Sempre que duvidares, teu aura far-se-á vulnerável; e as vibrações dos inferiores penumbrarão a luz de tua Consciência.
Teu aura é tua égide, a armadura que reveste tua alma.
Para que teu aura seja invulnerável, sê PURO.
Conforma-te à lição de Zaratustra: — Puro em pensamentos, puro em palavras, puro em atos.
A palavra realiza a Idéia; o ato é a materialização do Verbo.
O verdadeiro delito contra as Normas, não consiste em praticar a má-ação; o verdadeiro delito consiste em pensar mal; porque é o mau pensamento que engendra a má palavra ou o mau ato.
Os delitos morais, contra os quais a Civilização não clama, constituem o crime: porque, não efeito, mas causa do crime.
As idéias, os pensamentos, bons ou maus, vivem. Quem gera idéias, gera palavras e atos. Quem gera idéias, fecunda cérebros; quem gera más idéias, fecunda cérebros malmente.
Os geradores de más idéias, são os verdadeiros responsáveis dos delitos.
Pensa bem: E, não só ficarás invulnerável ao MAL, como concorrerás para que o BEM aumente.
Ficarás invulnerável, porque, sendo o mal inferior, só poderá penetrar onde encontre medo ou afinidade.
A VONTADE aniquila todos os contrários; a boa-vontade não é violenta: é serena, suave, consoladora.
Atravessa, Peregrino, As Portas de Ouro, e medita, carinhosamente, os Ensinamentos do Mestre.
As Portas de Ouro levam ao ádito do Instituto; no santuário fulge a ESSÊNCIA! 



II
A BÚSSOLA DAVIDA
Signo: Virgo.
Ouve, Peregrino.
O coração é uma bússola.
A agulha imantada dessa bússola de fogo chama-se: DESEJO.,
Entre dois pólos oscila a agulha: a Inércia e a VONTADE.
Possuir a Vontade, é possuir a chave do Grande Arcano. Buda ensinou: Cultiva a Força de Vontade.
Cultivar a Vontade, é palmilhar o caminho da REALIZAÇÃO. Cultivar a Vontade, é traduzir em ATOS os pensamentos e as palavras.
Não basta conhecer o Bem, é necessário praticá-lo. Desconhecê-lo é mal; conhecê-lo e não praticá-lo, é crime.
Só não age bem, quem não tem boa-vontade. Conhece-te a ti mesmo, proclamava Sócrates.
Sê bom; vence-te a ti mesmo! era a lição de Sidarta.
E o materialismo ocidental reconhece: "O domínio de si próprio e a caridade são as duas pedras-de-toque do budismo."
Quem a si mesmo se não vence, como se poderá fazer guia de outrem? Quem não percorre o Caminho da Perfeição, como assinalará aos outros o Caminho?
Cultiva a Força de Vontade.
A criatura sem vontade, é como um cadáver ao fluxo e refluxo do oceano da vida; é como um cadáver que os maus rolam e abandonam.
Pergunta a Prentice Mulford, o Magnífico, o segredo de Nossas Forças Mentais.
E ele te ensinará a formula secreta do néctar dos Deuses.
De teu ansioso coração verás cair os espinhos; verás brilhar as rosas de teu espírito: e todo o teu Ser ficará impregnado de eflúvios suavizantes.
Ele te ensinará os Cinco Votos; penetrarás o ádito de Raja loga, murmurando, ó Peregrino Efêmero:
"Juro não matar homem ou animal;
Juro não roubar;
Juro não manter ilícitas relações;
Juro não mentir;
Juro não usar tóxicos nem narcóticos."
Dirás: e teu coração se inundará da fragrância das rosas de Esperança. A serenidade de tua alma bem vale a renúncia dos prazeres fáceis. Ânimo, Peregrino! Perseverança, meu Irmão!
Depois do gozo abjeto, que te fica? — O nojo, o tédio, a vergonha de ti mesmo.
Bebes, e és brutal;
jogas, e és cruel;
mentes, e és covarde;
calúnias,e és torpe;
vadias, e és inútil;
quanta degradação, Peregrino!
Caminhas para o ABISMO, os olhos vendados pelo Desejo Impuro. Reaje! Se queres conhecer a LUZ, evita as trevas. As emanações do Abismo são sempre deletérias.
Quanto mais densa a atmosfera de tua Mentalidade, mais difícil subir aos paramos etéreos.
A essência é sutil; o eiter é a região do ESPÍRITO.
Os paramos da IDÉIA não enojam nunca, e nunca entendiam, e não envergonham.
SÊ PURO! Cultiva a Força de Vontade!
Segue a lição de Apolônio de Tiana: “Se sois meus discípulos — disse o Solitário Peregrino — dizei também que nada possuis, que não trucidais animais, que não comeis carne, que sois livres de toda paixão, da inveja, da maledicência, do ódio, da calunia, do rancor; que, finalmente, tendes o nome inscrito entre os dos homens que alcançaram a liberdade."
Para conquistar a Liberdade,é necessário possuir o domínio de si mesmo.
O domínio de si mesmo é ato de Energia.
O Solitário deTiana assim falou um dia a seus discípulos:
"Uma vez que vos falta energia, adeus.
Devo partir para onde me levam a sabedoria e meu íntimo arcano."
Peregrino, se não queres ficar à beira do Caminho,como coisa inútil, talvez nociva,
Conhece-te a ti mesmo;
Vence-te a ti mesmo;
Cultiva a Força de Vontade.
A VONTADE é a Bússola da Vida. 



III
ATRAVÉS DA HARMONIA
Signo: Libra.
Venho dos belvederes da Morte, ó Peregrino. No frêmito dos Mármores, no enternecimento das covas rasas, nos epitáfios e nos símbolos encontrei os ritmos da Vida. Os crepes também são véus de noiva; o Aniquilamento não existe. As estatuas funerárias evocam, em as fisionomias clássicas, a Helade magestosa. Têm sorrisos de vida as estatuas dos mortos. E dá vontade de viver com os Mortos, ou nas manhãs radiosas, ou nos zênites solarianos, ou nos poentes evocativos, ou no embevecimento das noites contemplativas, ouvindo a Voz do Silêncio e murmurando aos astros os versículos do Bagavad-Gita.
Bem aventurados os Mortos, que habitam o Âmbito Infinito, bem aventurados os Mortos, que são guia dos vivos!
O Cosmos é harmonia: Pitágoras surpreendeu-lhe as vibrações que afinizam os corpos e as almas; Wagner fixou-lhe os acordes que enlevam os corações e encantam os espíritos
Ouve, Peregrino, a Música das Esferas: é o supremo arcano da ESSÊNCIA. O segredo da Alta Magia é o mistério do Ritmo.
Aprende os arcanos do Ritmo, ó Peregrino, e conhecerás a proporção das linhas e das formas, o Arcano da Beleza que imortalizou a ARTE grega, e foi a efialta, a tortura do Vinci.
Aprende os arcanos do Ritmo, e vencerás como Orfeu, pela voz da lira e pela voz da alma, dominando os Efêmeros, sejam instintivos como Nero, ou sensitivas como Ofélia.
A lei do Ritmo é a lei do equilíbrio universal: coese os grânulos de areia que envolvem os oceanos; gera as nebulosas, nas polarizações magnéticas dos Átomos invisíveis.
O Ritmo faz o minério, a planta, o animal, o astro.
Sempre que o Ritmo se perde, as afinidades se rompem e os corpos se dissolvem.
As almas também são corpos.
Se queres perpetuar tua alma, sê PURO; não peques contra a Lei do Ritmo, ó Peregrino Efêmero!
Quando o Ritmo se perde, morre a simpatia, morre o amor; nem a amizade resiste.
Por que há simpatias inatas? Por que antipatias irredutíveis?
Estuda os matizes e os ancenúbios dos auras, estuda a Química Oculta, e receberás a iniciação de Eleusis, marco entre o profano e o sacro, entre a Ciência e o Mistério.
As afinidades perfeitas realizam a idealidade mística das Almas Irmãs.
A alma irmã é a suprema harmonia do Ritmo, harpa eólea vibrando a Música das Esferas: Realiza o tríplice arcano: arcano físico, arcano mental, arcano divino.
Rebusca as normas da Harmonia Cósmica, e acharás o segredo das Almas Irmãs.
Vive em a Natureza, e viverás eterno.
Fora do estável, tudo é fictício, decepcionante, rápido e transitório.
Os Efêmeros não mudam a essência ao ETERNO: passam, e o Eterno fica.
Cegos os que só vêem em a Natureza o plano físico.
Assim no Homem, assim em a Natureza: Tríplice o Homem, tríplice a Natura: Físico, Mental, Místico: — Corpo, Substancia, Essência.
E, como querias tu, Peregrino, fosse o efeito mais perfeito que a causa?
O Microcosmos é reflexo do Macrocosmos.
Eleva-te do plano físico, e, quem sabe, ouvirás a melodia das Almas Irmãs.
Viver em a Natureza, não é viver instintivamente, fauno de húmus que só tivesse boca e ouvidos para dizer e para ouvir o rugido dos Sentidos.
Procura a comunhão das Estrelas, aprende a sabedoria da Infância.
As Estrelas ensinam as antinomias, o ínfimo atômico e o infinito excelsior.
Quando o Pensamento se alcandora entre os Astros, não há sensismo que subsista; sente-se o vácuo em torno. Só! só! Peregrino.
É quando se ouve a Voz do Silencio, a Música das Esferas; e nossos lábios murmuram: Alma Irmã! alma irmã!
Tudo mais se nos apaga da Mente; tudo mais, até que seus lábios nos dizem, num balbucio de piedade:
— Irmão, façamos o sacrifício de nossa íntima ventura; volvamos à Terra, auxiliemos o evolver dos Instintivos, indiquemos o Caminho da Perfeição aos Efêmeros inferiores!
E o sacrifício se faz, na maravilha da FRATERNIDADE.
A Infância é sábia, porque não desaprendeu com os Homens o Ritmo da Natureza.
Eleva-te, Peregrino! Eleva-te acima dos Carniceiros.
Os Carniceiros trazem a cabeça à altura da espinha dorsal; são instintivos; no Homem, a cabeça sobre eleva-se ao corpo: é racional. Não te degrades, Peregrino, nivelando a cabeça à espinha.
Procura o caminho de Elêusis.
Inquire as normas da Harmonia Cósmica;
E compreenderá a UNIDADE,
E sentirás a fragrância da ESSÊNCIA,
E conhecerás a formula do Elixir de Vida. 



IV
CICLO DE OURO
Signo: Scorpio.
A FRATERNIDADE é a Lei da Vida. Respeita-a na Flor que perfuma, na Abelha que zumbe, na Linfa que murmura, na Ovelha que bale. Destruir, é pecar contra o Ritmo; é provocar dissonâncias que perturbam a vibração das ondas harmônicas, a vitalizante flutuação cósmica dos Invisíveis da Essência.
As dissonâncias desagregam os corpos, como os ódios desagregam as almas.
Respeita a Vida para que a solidariedade seja perfeita no Universo.
O visível é a manifestação do Invisível
Quando ressoa o violino sob a arcada nervosa, por que te chega o som ao ouvido?
Os invisíveis da ESSÊNCIA são veículos de harmonia...
E o som do violino se propagará pelo Cosmos.
Mas, tu não vês o som do violino.
A imperfeição dos sentidos limita os ambientes.
Meditas... e ouves flébil cicio.
Se ouves a caricia da Ausente, é que a Ausente subsiste e em ti concentra o pensamento. Quem transmitiu a distância o pensamento da Ausente?
Os Invisíveis da ESSÊNCIA são veículos de idéias.
Quando um cérebro vibra faz vibrar outros cérebros.
Pensa bem, a fim de que teus pensamentos não conturbem os Ritmos da Vida.
Não basta evitar o instintivo? Não basta, ó Peregrino!
Não basta não destruir? Não basta.
Não basta não supliciar? Não.
O caminho de Elêusis é longo e difícil.
Para alcançar a porta do Templo, forçoso o haver já auxiliado o Instintivo a se tornar consciente; forçoso haver britado a pedra bruta e auxiliado os Arquitetos de Hiram na propaganda fraternizadora; necessário ter ouvido a Voz da Renúncia, ter sentido a piedade do sacrifício, a indiferença do conforto.
Necessário haver-se afastado das iguarias do banquete da existência, pensando nos míseros que sucumbem à fome; haver tiritado nas noites de invernia ríspida, pensando nas criancinhas que soluçam de frio.
Instrui-te, e instrui; educa-te e educa, ó meu Irmão,ó Peregrino Efêmero!
Sê bom, sê PURO!
Dos gozos, na miragem rápida, os ressábios, não te acompanharão nem mesmo até o túmulo.
Das jóias custosas e inúteis não te iluminará o reverbero as trevas de teu espírito.
Dos manjares opíparos e das bebidas embriagantes ficará o veneno a corroer-te o corpo, a perturbar-te as idéias, a debilitar-te as energias da alma.
E serás fraco como o vício, inútil como a indolência.
Escuta,Peregrino.
Desde o remoto Egito, as Epoptas que se apiedaram do sofrimento dos Humanos e pensaram resolver o Problema da Felicidade, despiram-se do fútil, cultivaram o lótus do CARINHO.
O Carinho é o aroma da Fraternidade; cultivar o Carinho, é cultivar os lírios da PAZ.
Ouve a lição de Buda: Renúncia e Bondade.
A lição de Pitágoras: Amizade; A de Sócrates: Dever; A de Jesus: Amor; A de Apolônio: Vontade; A dos Iniciados: Paz. Ensina, ó Peregrino! Ensina: — Homens, não vos agrupeis sob os lábaros das seitas, porque os sectarismos afastam da Verdade; O rótulo não dá propriedades às substâncias, nem o hábito dá ao monge virtudes morais; Pode ser virtuoso o ateu, e ser o crente impudico; Não julgueis pelas aparências, nem recuseis a mão que se vos estende;
As convicções subjetivas são de ordem secundária nas relações sociais;
Acima de todos os credos paire sempre a Lei Universal da SOLIDARIEDADE.
Proclama, ó meu Irmão, a todos os Efêmeros: — a unidade religiosa do gênero humano, através de todos os cultos; a verdade única, através de todos os símbolos.
É esse, ó Peregrino, um dos princípios básicos do ensinamento dos Pitagóricos.
Aí começa o ciclo de ouro. O ciclo de ouro é o Ciclo da Fraternidade 



NA ALFOMBRA DA LUZ
Signo: Sagitário.
Vamos, Peregrino!
Venceste o Dragão do Sólio, venceste Maiá; o vício, o egoísmo, a cólera, o sectarismo esfuminharam-se ao império de tua Vontade. És PURO. Mais um passo. Estás à porta do Templo da Sabedoria.
Bate, Peregrino.
— Quem bate?
— O Peregrino Efêmero.
— Que almeja?
— A lâmpada de ouro.
— Para que?
— A fim de rebuscar a VERDADE.
— Irmãos, deixei passar o Peregrino
O Peregrino penetrou no Templo.
— Como te chamas?
— Ahasverus.
— Em teu caminhar insano, que mais te impressionou, Peregrino?
— A majestade de Prometeu encadeado ao Cáucaso.
— Sabes qual o delito do Titã?
— Não houve delito.
— Como, se Prometeu roubou o fogo sagrado?
— A liberdade não se rouba; o Titã ensinou aos Humanos o caminho da Liberdade.
— Estás preparado para sofrer o suplício de Prometeu?
— Sim.
— Estás preparado para morrer pela liberdade de consciência?
— Sim.
O Magnífico ergueu a destra.
O Peregrino concentrou-se.
Na abobada azul brilhavam estrelas de ouro.
Era respeitável a assembléia: Ali estavam budistas, pitagóricos, essênios, mosaistas, cristãos, maometanos, ateus, irmanados em mesmo pensamento fraternal e amigo: A felicidade dos Seres.
— Peregrino,conheces a Esfinge?
— Sim.
— Algo mais conheces?
— Também conheço a Atlântida.
— Por que almejas conhecer a Verdade
— Para praticar a JUSTIÇA.
— Irmão da coluna da VERDADE, o Peregrino pede ser admitido?
— Sim, meu Irmão; porque é consciente.
— Irmão da coluna da JUSTIÇA, o Peregrino pode ser admitido?
— Sim, meu Irmão; porque é puro.
— Respeitáveis Irmãos, expressai vosso anelo.
As destras se ergueram, num gesto de assentimento.
— Aproxima-te, Peregrino.
E sobre os ombros do postulante caiu o hábito de linho.
— Peregrino, a pureza do linho lembra ao Iniciado a pureza das idéias, palavras e atos. Instruir-se, para instruir; educar-se, para educar, é o fim de toda iniciação superna. Instruir e educar, é emancipar consciências; é conduzir os seres aos ciclos de ouro da FRATERNIDADE. Amai: A harmonia cósmica é resultante do AMOR.
O Magnífico emudeceu; mas, em todo o ambiente havia acordes pianíssimos: Era o ritmo dos espíritos afinizados ao diapasão da IDÉIA.
Salve, Peregrino!
Eleva os inferiores, intelectualiza os instintivos; respeita a vida sob seus múltiplos aspectos.
Quem já bebeu a vida em a taça de Tântalo, não volve à penumbra do gozo abjeto.
Pelo saber, atinge a VERDADE; e os tojos do caminho se transmudarão em lírios.
À luz da Razão eleva a JUSTIÇA; e tua consciência imergirá na beatitude do Nirvana.
Não desfolhes das almas as rosas da Esperança.
A Esperança é o cântico da Vida.
Não apagues nos corações a lâmpada do Sonho; porque o Sonho ilumina os hortos da Esperança.
Dize aos Efêmeros o Caminho da Perfeição, indica-lhes a Bússola da Vida, leva-os Através da Harmonia, aponta-lhes o Ciclo de Ouro, e que penetrem contigo na Alfombra da Luz, enternecedora e sereníssima.
A Alfombra da Luz é trâmite do Santuário; no Santuário fulge a ESSÊNCIA.
Adeus, Peregrino!
Pais da Renúncia, — Câncer-Virgo, 1910.