sexta-feira, 24 de fevereiro de 2012

Conferência dos Pássaros, um conto SUFI



Simorg é o pássaro fabuloso das antigas narrativas do Oriente, símbolo
brilhante do Príncipe que deve ressuscitar interiormente em todo ser humano.

O conto Conferência dos Pássaros, o sufi Farid ud-Din Attar (1119-1233)
relata como muitos pássaros partem à procura de um rei, e como sua busca os leva por sete vales, ao longo de uma exaustiva peregrinação mas somente trinta dentre eles chegam ao fim. 

O autor desse conto maravilhoso era originário de Nishapur, na Pérsia. Ele escreveu muitos textos líricos e épicos, a maioria datada do fim do século XII,
que refletem sua busca e sua profunda aspiração de encontrar o segredo do amor divino. 

As obras desse místico mostram aos pesquisadores de todas as culturas que só a forma está ligada à época e à tradição, e não a essência. 

A ação que precede e que segue essa experiência autenticamente mística é o
ponto central da obra de Attar. 

Pois é por um comportamento interior libertador que um novo desenvolvimento
pode acontecer. 

A purificação que disso resulta dá acesso ao caminho que conduz ao reino divino interior.

A Conferência dos Pássaros começa no momento em que estes estão reunidos
e exprimem o desejo de encontrar um rei. 

A poupa (ave) ocupa um lugar importante na discussão. 

Em muitas narrativas ela aparece como a enviada de confiança de Salomão junto à rainha de Sabá. “Em seu peito, ela traz o símbolo do conhecimento espiritual; e,
sobre sua cabeça, brilha a coroa da fé.”

Ela é a mediadora que conhece a existência do rei e sabe aonde é preciso ir para procurá-lo. Ela declara que somente a Simorg, “que, na ilha da sublimidade,
mora na cidade da magnanimidade”, é digna da realeza.

No coração dos pássaros nasce um grande desejo e todos querem partir à
procura da Simorg. 

Mas surgem muitos pretextos para não fazer uma viagem tão perigosa. 

Então, a garça real afirma que não pode ficar sem o seu lago. 

Mas a poupa lhe responde: “O lago é mutável e pouco fiel. Um dia, ele te engolirá”. O pavão crê que só ele tem o desejo de retornar ao paraíso.

A poupa replica que o senhor do paraíso é mais importante do que o paraíso. 

As sábias palavras da poupa acabam levando-os à decisão de se manterem em seu projeto inicial. É principalmente o amor dela que lhes dá a força para suplantar seus temores.

Assim reconfortados, os pássaros partem em viagem. 

Mas, surgem novas dúvidas quando eles vêem que, diante deles, no interminável caminho, não encontram nenhum ser vivo.

Angústias ancestrais vêm à superfície.

A poupa responde a um de seus companheiros de viagem, que tem medo de morrer, que a morte é seu destino:

“Tu nasceste para morrer!” Um outro pergunta a que distância se encontra verdadeiramente o objetivo. Então, a poupa lhes relembra longamente os
sete vales que é preciso atravessar.

Depois de muitos anos, só trinta pássaros conseguem alcançar a corte
da Simorg. Eles pedem então para entrar e repousar, mas isso lhes é recusado.

Desesperados, eles se sentem mais do que nunca próximos da morte. 

Somente depois de prestarem contas do que fizeram durante sua vida é que são
absolvidos. 

Por fim, quando seu desejo se transmuta em não desejar, eles recebem uma nova força, e reconhecem que o pássaro Simorg representa verdadeiramente sua aspiração à Luz.

Então se lhes ensina que a realeza é semelhante a um claro espelho, e que aquele que sai desse espelho, se reconhece.

Em seguida, eles desaparecem todos dentro do espelho. 

“A sombra desaparece no sol e isso é o fim.” 

Finalmente, eles entram na imutabilidade depois que tudo o que era antigo desapareceu. Eles se perdem para sempre na Simorg. Já não há viajantes, nem guias. Ao encontrar a Simorg, eles também se encontram a si mesmos, e o
problema do eu e tu é resolvido.

O pesquisador da Verdade certamente reconhecerá algo do seu próprio anelo na aventura desses trinta pássaros. 

A força propulsora nasce com a lembrança da vida original. 

Aos poucos, seu estado o inquieta. É como um fogo. A consciência experimenta
que algo de estranho a este mundo a agita e a inquieta. 

Esta impressão está sempre presente, sejam as circunstâncias tristes ou alegres. 

É aí que começa a Conferência dos Pássaros. 

Após a euforia do início, instala-se o medo de que a viagem seja perigosa. 

A consciência limitada não pode fazer outra coisa senão trazer para o seu próprio
nível o que se situa fora do seu alcance.

Entretanto, fica alguma coisa de indefinível que assim como uma sombra, obscurece toda a alegria e jamais dá descanso.

Pássaros de todas as variedades, de cores e comportamentos diferentes, ilustram bem as inúmeras ilusões humanas, e principalmente a série de objeções, sua extensão e diversidade, em face da escolha que a personalidade deve fazer para se voltar ou não para a Luz. 

Nesse conto simbólico, esses problemas aparecem desde o início.

Os pássaros traduzem todas as características que são obstáculos no caminho da libertação interior: sentimento de indignidade, tendência à melancolia, jugo dos instintos naturais, desejo de posse, tentações e cobiças sempre novas e abandono às emoções sucessivas. 

Todas essas fraquezas surgem a cada instante, se atropelam por detrás de tudo e querem subsistir e dominar. 

E o doce chamado que vem do fundo do coração e incita à autoanálise e à reflexão fica completamente sufocado. 

Essa é a razão pela qual muitos pássaros se perdem durante a penosa viagem através dos sete vales.

Um deles acredita que alcançou o estado da perfeição com exercícios e se recusa a mudar de opinião. 

A poupa o repreende severamente e lhe explica que sua pretensão não pode fazê-lo progredir. 

Ela afirma que o caminho que conduz a Fonte não é para aqueles que são aparentemente perfeitos, mas para aqueles que reconhecem sua imperfeição. 

A pergunta é a seguinte: o pesquisador está centrado em sua própria verdade ou na verdade divina? Será que censuras como as da poupa são um reconforto para ele? Será que ele vai continuar a se aperfeiçoar e a se cultivar negligenciando a
verdadeira finalidade da vida? 

Aquele que se obstina em servir os interesses de seu eu em lugar dos interesses de sua alma, e quer alcançar alguma coisa precisa na vida antes de voltar-se para a Luz, está enganado. 

Ele sempre quer atingir com seu eu um cume que é inacessível para ele! 

Orgulho e presunção o acompanham, e seu eu convive com prazer com esses dois incômodos parceiros.

Mas somente a compreensão de que a escolha inicial é incorreta pode quebrar essa atitude forçada. 

Isto exige uma decisão; e, em seguida, sua realização. 

Somente assim é que o orgulho e a presunção se retiram para dar lugar às qualidades que abrem novas perspectivas.

“Bem” e “mal” são os dois pólos entre os quais a natureza dialética ímpia
se mantém. 

Não se pode vencer o mundo, onde os contrários se alternam, tomando partido pelo pretenso bem ou pelo pretenso mal, a fim de forçar uma situação. 

Este mundo dos opostos oferece a possibilidade de descobrir essa realidade. 

Aquele que se dá conta de que esses aspectos contrários se mantêm mutuamente, e que portanto é impossível desembaraçar-se deles, reconhecerá que os conselhos da poupa são verdadeiros. 

E tirará proveito disso quando for à procura do rei interior. 

Este caminho conduz para fora de todos os aspectos contrários:ele representa uma mudança fundamental e total do ser.

“Devemos ainda percorrer sete vales. Ninguém sabe a que distância eles estão, e aqueles que neles chegaram jamais voltaram”, responde a poupa àqueles que perguntam se a meta ainda está longe. 

Para encontrar a verdadeira finalidade da vida, é preciso passar por experiências.

Nessas condições, não é mais possível voltar atrás: a busca experimental está fora de questão. Estas não são apenas belas palavras: é preciso compreender que os poderes do eu são insuficientes para transpor os limites interiores. 

É isto o que a psicologia deveria aprender e ensinar!

A poupa explica cada um dos sete vales e sua particularidade. 

Assim, há o Vale da Busca, o do Amor, o do Conhecimento, o do Não Desejar, o da
Unidade, o da Confusão e o do Desapego.

“Quando desceres ao Vale da Busca, estarás sempre diante de novas alternativas.

Lá, cada respiração é semelhante a milhares de possibilidades, e mesmo um corajoso papagaio pode tornar-se uma mosca! Durante anos, deves te esforçar ao máximo e fazer o teu máximo possível enquanto teu coração atravessa diferentes situações.

Deves renunciar a toda posse e a todo poder. 

Teu caminho passa pelas profundezas de teu sangue e por tudo o que te é exterior. 

Uma vez que tenhas a certeza de nada mais possuíres, ainda terás que esvaziar teu coração de tudo o que ele contém. 

Se teu coração estiver finalmente ao abrigo da perdição, contemplarás a luz serena de sua majestade divina. 

E se a luz começar a se manifestar em teu espírito, tua aspiração espiritual se multiplicará mil e uma vezes.”

“Depois aparece o Vale do Amor. Aquele que nele chega é mergulhadoo fogo porque neste vale não há nada além de fogo. 

Quem não puder agüentar esse banho de fogo não mais encontrará alegria. 

Ele é um amante, que é como fogo, e que, com o rosto ardente, se consome. 

Ele não hesita: joga seus cem mundos no fogo com alegria. 

Nesse caminho, não existe diferença entre o bem e o mal, pois aqui não existe
nem bem, nem mal. O amor transcende os dois.”

“O peregrino vê aparecer agora o Vale do Conhecimento. Aqui, cada um segue um caminho diferente. O caminho de um nunca se parece com o caminho de outro. Aquele que segue o caminho do corpo não é o mesmo que trilha o caminho da alma. 

Mas para os dois, tanto o corpo quanto a alma, existe sempre, por causa de mau procedimento ou de virtude, uma porta que leva à elevação e uma porta que leva à
perdição. 

E quando o sol do conhecimento brilha no firmamento do caminho mais elevado, cada um reconhece seu verdadeiro valor e seu coração se abre amplamente para a verdade”.

“Em seguida, vem o vale do Não Desejar. 

Aqui não há mais exigências e nada mais tem importância. Os sete oceanos voltam a ser uma simples poça. Os sete planetas não brilham mais que um débil clarão. As sete esferas do paraíso desaparecem aqui, e os sete infernos se cristalizam no gelo.

Não importa o que faças ou deixes de fazer: nada de novo e nada de antigo tem qualquer poder”.


“Então vem o Vale da Unidade, o domínio da completa solidão. 

Somente aqueles que vêm desse deserto têm na cabeça o mesmo turbante. Quer notes aqui agora muito ou pouco em número, é um, contudo, que está nesse caminho da unidade. Porque permanece sempre um em um, e é esse um o Uno,
a unidade perfeita.”

“Agora, é o Vale da Confusão, onde tudo é fonte de dor e tristeza. 

Aqui, cada respiração é como uma espada cortante, e cada batimento de pálpebras é só suspiro e gemido. Os suspiros e as dores são como um fogo. Não se distingue o dia da noite. O sangue escorre, não da espada, mas de cada raiz de
cabelo, e todos os lamentos são registrados.

O fogo é como o gelo comparado ao peregrino que queima e se consome
na sua dor. Ele é jogado na confusão e aí se encontra porque a confusão
lhe fez perder o seu caminho. Aqui aquele que possui a unidade absoluta
inscrita na alma perde tudo, e também a si mesmo.”

“Finalmente, surge o Vale do Desapego.

Quem poderia descrevê-lo? Ele se caracteriza pelo esquecimento, o silêncio,
a surdez e a inconsciência. Basta um único raio de sol espiritual e vês desaparecer todas as sombras ao redor de ti. Quando o oceano do infinito eleva suas ondas, como podem se manter as formas que aparecem na superfície?

Os dois mundos já não são nada além das formas que tu vês na superfície
do oceano. Quem duvidar é vitima de alucinações. Aquele cujo coração se
perde nesse oceano está perdido como nunca e aí repousa em paz...”.

Como se pode perceber pela história, a maior parte dos pássaros sente medo com a descrição dos sete vales.

Finalmente, trinta alcançam a meta.

Mas quando o guardião do palácio os repele, priva-os de suas últimas forças e de sua última esperança. Não obstante, é-lhes apresentado um texto onde estão anotados todos os atos de suas vidas e eles demonstram arrependimento.

Então, o pássaro Simorg perdoa-lhes as faltas. Em outras palavras: no fim do caminho, eles encontram seu verdadeiro ser.

“O brilho do sol do rei é como um espelho. Aquele que se olha nele vê sua alma e seu corpo. Ele se vê por inteiro.”

Muitos aspectos do caminho seguido pelos trinta pássaros são familiares ao buscador da verdade. 

Alcançar a Simorg não é uma atividade do eu, mesmo que seja através do eu que o caminho comece. 

Quando ele se dá conta de que sua mais elevada aspiração acaba se tornando uma decepção, pode abandonar o lugar que outorgou para si durante milênios. 

Farid ud-Din Attar fala sobre o desapego, que implica na remissão de todos os pecados.

Mas por que apenas trinta pássaros alcançam a meta? 

O número trinta representa os três nascimentos pelos quais o peregrino deve passar: a fase preparatória, a fase da nova vida e a fase do retorno. 

O zero indica que a fase foi cumprida. 

Em outras palavras: a fase anterior deve ser levada a um bom fim para que a fase seguinte possa começar.

“Ele viu um novo céu e uma nova terra,” diz o Apocalipse. Eles entraram “no que é permanente, depois que todo o antigo desapareceu”.

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