quarta-feira, 15 de agosto de 2012

"A MULHER E O SUFISMO



Mesmo que neste mundo de dualidades nós podemos adotar distintas formas, em última instância não existem homens ou mulheres, senão somente o Ser. Dentro da tradição sufi, o reconhecimento desta verdade estimulou a maturidade espiritual das mulheres, de uma maneira que nem sempre foi possível no Ocidente.

Desde os primórdios do Islã, as mulheres desempenharam um importante papel no desenvolvimento do sufismo, a espiritualidade islâmica, o qual tradicionalmente se entende que começou com o profeta Maomé (ou Muhammad, que a paz esteja com ele). Maomé transmitiu uma mensagem que combinava o espírito e a matéria, a essência e a forma, e o reconhecimento do feminino e do masculino. Ainda que as manifestações culturais tenham ocultado em parte a pureza original da intenção, as palavras do Alcorão expressam a igualdade de mulheres e de homens ante os olhos de Deus.

Em um tempo em que as tribos árabes adoradoras de deusas eram ainda bastante brutais, chegando inclusive a enterrar as meninas recém-nascidas para favorecer a descendência masculina, entes novo porta-voz da tradição abraâmica tentou restabelecer o reconhecimento da Unidade do Ser. Tratou de corrigir os desequilíbrios que haviam surgido, aconselhando honrar e respeitar o feminino, assim como a graça e a harmonia da natureza.

Durante os primeiros anos da nova revelação islâmica, Khadija, a amada esposa-sacerdotisa de Maomé, jogou um papel de grande importância. Foi ela quem respaldou, fortaleceu e apoiou o Profeta, quando este foi assaltado por dúvidas e inseguranças. Esteve junto dele no meio das dificuldades e angústias extremas, e ajudou a transmitir a luz da nova fé. Fátima, a filha de Maomé e Khadija, foi a primeira a compreender o Islã da maneira mais profunda e, de fato, a miúdo ela é conhecida como a primeira gnóstica muçulmana. Seu casamento com Ali semeou no mundo esta nova manifestação de misticismo, e as sementes de sua união começaram a florescer.

Quando se desenvolveu mais ainda a dimensão mística do islamismo, foi uma mulher, Rabi’a al-Adawiyya (século 8º d.C.) quem expressou pela primeira vez a relação com o divino em uma linguagem que chegamos a reconhecer como especificamente sufi, referindo-se a Deus como O Amado. Rabi’a foi o primeiro ser humano que falou sobre as realidades do sufismo com uma linguagem que qualquer pessoa podia entender. Apesar de que experimentou muitas dificuldades em seus primeiros anos, o ponto de partida de Rabi’a não foi nem o temor ao Inferno nem o desejo do paraíso, senão somente o Amor. “Deus é Deus”, dizia, “por isso amo a Deus… não por nenhum de Seus dons, senão por Ele Mesmo.” Seu objetivo era dissolveu seu Ser em Deus. Segundo ela, pode-se encontrar a Deus voltando-se para dentro de seu próprio Ser. Tal qual disse Maomé: “Quem conhece a si mesmo conhece a Seu Senhor”. Em última instância, é o Amor o que nos conduz à Unidade do Ser.

Ao longo dos séculos, mulheres e homens seguiram levando a luz desse Amor. Por muitas razões, as mulheres foram a miúdo menos visíveis e mais reservadas que os homens, porém, sem embargo, participaram ativamente. Dentro de alguns círculos sufis, as mulheres participavam com os homens nas cerimônias. Em ouras ordens, as mulheres reuniam-se em seus próprios círculos, recordando a Deus e adorando-O separadas dos homens. Algumas mulheres entregaram-se ao Espírito através da ascese, isolando-se da sociedade, como fez Rabi’a, para a eliminação do próprio Eu, em benefício do Ser… Outras optaram pelo trabalho de benemerência – ou terceiro fator –, e fomentaram grupos de oração, rituais e estudos.

Infelizmente, no Ocidente sabemos muito pouco sobre a influência das Mestras sufis. Muitos dos grandes iluminados do sufismo que conhecemos tiveram mestras e discípulas, companheiras e até mesmo esposas-sacerdotisas que muito influenciaram em seus pensamentos e em suas vidas. Esposas e mães também apoiaram os membros de suas famílias, enquanto continuavam sua própria viagem para unir-se com O Amado (o Íntimo, o Ser).

Ibn Arabi, conhecido como o Polo do Conhecimento Superior (séculos 12-13 d.C.), fala do tempo que passou junto a duas anciãs contemplativas que exerceram profunda influência sobre ele: Shams de Marchena, “a dos suspiros”, e Fátima de Córdoba. De Fátima, com quem passou muito tempo, disse:

“Servi como discípulo de uma das amantes de Deus, uma gnóstica, uma dama que vivia em Sevilha, chamada Fátima bint ibn al-Muthanna de Córdoba. Estive a seu serviço durante vários anos, tendo ela uns 95 anos de idade… Ela conseguia tocar o pandeiro e mostrava grande prazer em fazê-lo. Quando perguntei a ela sobre isso, respondeu: ‘Regozijo-me nEle, que me deu atenção e me converteu em um de Seus Amigos, usando-me para Seus próprios fins. Quem sou eu para que Ele deve me escolher dentre todos os seres humanos? Ele se mostra zeloso comigo, pois, cada vez que, de maneira negligente, dirijo minha atenção a algo que não seja Ele, me envia alguma aflição relacionada com esse algo’. Construí-lhe com minhas próprias mãos uma choça de juncos tão alta quanto ela, na qual viveu até seu falecimento. Ela me dizia: ‘Sou tua Mãe Espiritual e a luz de tua mãe terrena’. Quando minha mãe veio visitar-me, Fátima lhe disse: ‘Ó luz! Este é meu filho e Ele é teu pai, portanto, trata-o com amor filial e não o desgoste!’” ( Fonte - Gnosisonline )

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