terça-feira, 20 de outubro de 2009

Pitágoras & Theano


Amor Paixão de Alma

O amor psíquico, o amor-paixão de alma, só entrou na literatura e nas consciências humanas há bem pouco tempo, mas já fazia parte dos ensinamentos filosóficos da Grécia antiga. Com efeito, na sua escola em Crótona, Pitágoras o ensinava às mulheres iniciadas, isto é, às que tinham atingido um alto nível de desenvolvimento místico. Ele lhes revelava a transfiguração do amor no casamento perfeito, que é a
penetração de duas almas no cerne da vida e da verdade", diz Édouard Schuré em “Os Grandes Iniciados". Se esse amor “de alma para alma" é exceção raríssima, sobre o qual a literatura pouco falou até o presente, é porque provém do segredo profundo dos místicos antigos.

“Quando dois seres conseguem se penetrar completamente, em corpo, alma e espírito, formam uma síntese do universo", explica Schuré. Assim, o homem que ama uma mulher com esse amor psíquico pode, “por sua vontade criativa, fecundar a alma da mulher amada e transformá-Ia", encarnando para ela o ideal do amor divino. E a mulher que ama um homem com o mesmo amor, envia-lhe sua imagem transfigurada pelo entusiasmo e se torna seu ideal”, pois o realiza pela força do amor em sua alma. Para ela, o amor “torna-se vivo e visível, faz-se carne e sangue. Pois, se o homem cria pelo desejo e pela vontade, a mulher gera física e espiritualmente, pelo amor".

Essa visão do papel espiritual da mulher no amor pode parecer um tanto "ultrapassada" nos dias de hoje. No entanto, apesar do fato de a sociedade atual querer fazer dela um duplo do homem, para melhor servir seus fins de produtividade e uniformização das tarefas, a mulher, “em seu papel de amante, esposa, companheira, mãe ou inspiradora, não é menos importante, e é mais divina ainda que o homem", prossegue Schuré.

Dentro de nossa sociedade de consumo, onde o amor sensual é um plano de carreira, as paixões profundas são ainda mais poderosas, já que são dificultadas pelas convenções mundanas e pelas instituições sociais. Daí os amores tempestuosos e as ruínas morais que são o apanágio dos dramas modernos. Ora,
só através da iniciação às grandes verdades é que o homem poderá encontrar Deus na mulher e a mulher, no homem, numa intensa busca do Divino dentro de si. "Quando a mulher e o homem tiverem encontrado a si mesmos e um ao outro, pelo amor profundo e pela iniciação, sua fusão será a força esplendorosa e criativa por excelência".

Pitágoras, o sábio de Samos, o iniciado aos mistérios antigos, o filósofo que ensinava o princípio dos Números e a evolução da alma e que desvendou muitos mistérios dos mundos visíveis e invisíveis, não conseguiu esquivar-se do amor profundo na maturidade. Eis a história, que resumimos, de um amor muito puro entre duas almas:

Entre as mulheres que seguiam o ensinamento de Pitágoras, havia uma de grande beleza, chamada Theano. Grave, reservada, fora buscar junto a esse grande mestre a explicação dos mistérios que ela amava estudar. Mas quando, à luz da verdade, sentiu sua alma se abrir “como a rosa mística de mil folhas, quando sentiu que essa eclosão vinha dele e de suas palavras, ela se enamorou silenciosamente por ele, com um entusiasmo sem limites e um amor apaixonado".

Pitágoras nada fizera para atrai-Ia, pois sua afeição pertencia a todos os seus discípulos. Ele pensava unicamente em sua escola, na Grécia, no futuro do mundo. "Como muitos dos grandes adeptos, ele renunciara às mulheres para se dar inteiro à sua obra. A magia de sua vontade, a influência espiritual sobre as muitas almas que tinha formado e que permaneciam ligadas a ele como a um pai adorado, o incenso místico de todos estes amores silenciosos que chegava até ele e o perfume extraordinário da simpatia humana que unia os irmãos pitagóricos - tudo isto fazia para ele as vezes de volúpia, felicidade e amor".

Mas um dia em que estava meditando sob uma árvore, viu aproximar-se dele Theano, grave e resoluta, com quem ele nunca havia conversado a sós. Ela se ajoelhou diante dele e, sem erguer a cabeça, suplicou que a libertasse "de um amor impossível e infeliz que consumia seu corpo e devorava sua alma. Pitágoras perguntou-lhe o nome do homem a quem ela amava. Após um longo momento de hesitação, ela confessou que era ele, mas que, disposta a tudo, se submeteria à sua vontade. Pitágoras não disse nada. Diante de seu silêncio, ela ergueu a cabeça e lançou-lhe um olhar suplicante de amor, "do qual escapava a seiva de uma vida e o perfume de uma alma oferecida em holocausto ao mestre".

"O sábio ficou abalado; os sentidos, ele sabia vencê-los; mas o brilho daquela alma havia penetrado a sua". Naquela mulher amadurecida pela paixão, transfigurada por uma dedicação absoluta, ele havia encontrado sua companheira e vislumbrado uma realização mais completa de sua obra. Ele a ergueu com um gesto comovido e ela pôde ler em seus olhos que seus destinos estavam unidos para sempre. Através de seu casamento com Theano, Pitágoras selou a realização de sua obra. A fusão de suas vidas foi completa.

A história diz ainda que Theano entrou tão completamente no pensamento de seu marido que, após sua morte, ela serviu de “centro” para a ordem pitagórica, e um autor grego cita sua opinião como sendo uma autoridade na doutrina dos Números. Ela deu à Pitágoras uma filha e dois filhos.
Theano é o modelo daquilo que há de mais divino no amor humano, pois, para poder "dar o melhor de si", é preciso primeiro esquecer-se de si.

“Quando a fusão é alta e nobre, o homem e a mulher que se unem encontram-se somente no fim de seu crescimento espiritual. Essa lei da união humana é a da união cósmica”, resume Teilhard de Chardin.

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