sábado, 31 de agosto de 2013

Os quatros inimigos naturais do homem de conhecimento. CASTAÑEDA



— Quando um homem começa a aprender, ele nunca sabe muito claramente quais são seus objetivos. Seu propósito é falho; sua intenção, vaga. Espera recompensas que nunca se materializarão, pois não conhece nada das dificuldades da aprendizagem.

“Devagar, ele começa a aprender... a princípio, pouco a pouco, e depois em porções grandes. E logo seus pensamentos entram em choque. O que aprende nunca é o que ele imaginava, de modo que começa a ter medo. Aprender nunca é o que se espera. Cada passo da aprendizagem é uma nova tarefa, e o medo que o homem sente começa a crescer impiedosamente, sem ceder. Seu propósito torna-se um campo de batalha.

“E assim ele se depara com o primeiro dos seus inimigos naturais: o medo! Um inimigo terrível, traiçoeiro, e difícil de vencer. Permanece oculto em todas as voltas do caminho, rondando, à espreita. E se o homem, apavorado com sua presença, foge, seu inimigo terá posto fim a sua busca”.

— O que acontece com o homem se ele fugir com medo?

— Nada lhe acontece, a não ser que nunca aprenderá. Nunca se tornará um homem de conhecimento. Talvez se torne um tirano, ou um pobre homem apavorado e inofensivo; de qualquer forma, será um homem vencido. Seu primeiro inimigo terá posto fim a seus desejos.

— E o que pode ele fazer para vencer o medo?

— A resposta é muito simples. Não deve fugir. Deve desafiar o medo, e, a despeito dele, deve dar o passo seguinte na aprendizagem, e o seguinte, e o seguinte. Deve ter medo plenamente, e, no entanto não deve parar. É esta a regra! E o momento chegará em que seu primeiro inimigo recua. O homem começa a se sentir seguro de si. Seu propósito se torna mais forte. Aprender não é mais uma tarefa aterradora. Quando chega esse momento feliz, o homem pode dizer sem hesitar que derrotou seu primeiro inimigo natural.

— Isso acontece de uma vez, Don Juan, ou aos poucos?

— Acontece aos poucos e, no entanto o medo é vencido de repente e depressa.

— Mas o homem não terá medo outra vez, se lhe acontecer alguma coisa nova?

— Não. Uma vez que o homem venceu o medo, fica livre dele o resto da vida, porque, em vez de medo, ele adquiriu clareza. . . uma clareza de espírito que apaga o medo. Então, o homem já conhece seus desejos; sabe como satisfazê-los. Pode antecipar os novos passos na aprendizagem e uma clareza viva cerca tudo. O homem sente que nada lhe oculta.

“E assim ele encontra seu segundo inimigo: a clareza! Essa clareza de espírito, que é tão difícil de obter, elimina o medo, mas também cega”.

“Obriga o homem a nunca duvidar de si. Dá-lhe a segurança de que ele pode fazer o que bem entender, pois ele vê tudo claramente. E ele é corajoso, porque é claro; e não para diante de nada, porque é claro. Mas tudo isso é um engano; é como uma coisa incompleta. Se o homem sucumbir a esse poder de faz-de-conta, terá sucumbido ao seu segundo inimigo e tateará com a aprendizagem. Vai precipitar-se quando devia ser paciente, ou vai ser paciente quando deveria precipitar-se. E tateará com a aprendizagem até acabar incapaz de aprender qualquer coisa mais.”

─ O que acontece com um homem que é derrotado assim, Don Juan? Ele morre por isso?

─ não, não morre. Seu inimigo acaba de impedi-lo de se tornar um homem de conhecimento; em vez disso, o homem pode tornar-se um guerreiro valente, ou um palhaço. No entanto, a clareza, ela qual ele pagou tão caro, nunca mais se transformará de novo em trevas ou medo. Será claro enquanto viver, mas não aprenderá nem desejará nada.

─ mas o que tem de fazer para não ser vencido?

─ Tem de fazer o que fez com o medo: tem de desafiar sua clareza e usá-la só para ver, e esperar com paciência e medir com cuidado antes de dar novos passos; deve pensar, acima de tudo, que sua clareza é quase um erro. E virá um momento em que ele compreenderá que sua clareza era apenas um ponto diante de sua vista. E assim ele terá vencido seu segundo inimigo, e estará numa posição em que nada mais poderá prejudicá-lo. Isso não será um engano. Não será um ponto diante de sua vista. Será poder.

“Ele saberá a essa altura que o poder que vem buscando ha tanto tempo é seu, por fim. Pode fazer o que quiser com ele. Seu aliado está às suas ordens. Seu desejo é ordem. Vê tudo o que está em volta. Mas também encontra seu terceiro inimigo: o poder!”.
“O poder é o mais forte de todos os inimigos. E, naturalmente, a coisa mais fácil é ceder; afinal de contas; o homem é realmente invencível. Ele comanda; começa correndo riscos calculados e termina estabelecendo regras, porque é um senhor”.

“Um homem nesse estágio quase nem nota que seu terceiro inimigo se aproxima. E de repente, sem saber, certamente terá perdido a batalha. Seu inimigo o terá transformado em um homem cruel e caprichoso”.

─ E ele perderá o poder?

─ Não, ele nunca perderá sua clareza nem seu poder.

─ Então o que o distinguirá de um homem de conhecimento?

─ Um homem que é derrotado pelo poder morre sem realmente saber manejá-lo. O poder é apenas uma carga em seu destino. Um homem desses não tem domínio sobre si, e não sabe como ou quando usar seu poder. 

─ A derrota por um desses inimigos é uma derrota final ?

─ Claro que é final, uma vez que um desses inimigos dominem o homem, não há nada que ele possa fazer.

─ Será possível, por exemplo, que o homem derrotado pelo poder veja seu erro e se emende ?

─ Não. Uma vez que o homem cede, está liquidado. 

─ Mas se ele estiver temporariamente cego pelo poder, e depois o recusar?

─ Isso significa que a batalha continua. Isso significa que ele ainda está tentando ser um homem de conhecimento. O indivíduo é derrotado quando não tenta mais e se abandona.

─ Mas então, Dom Juan, é possível a um homem se entregar ao medo durante anos, mas no fim vencê-lo.

─ Não, isso não é verdade. Se ele ceder ao medo, nunca o vencerá, porque se desviará do conhecimento e nunca mais tentará. Mas se procurar aprender durante anos no meio do seu medo, acabará dominando-o, porque nunca se entregou realmente a ele.

─ E como o homem pode vencer seu terceiro inimigo , Dom Juan?

─ Também tem de desafiá-lo, propositadamente.

Tem de vir a compreender que o poder que parece ter adquirido na verdade nunca é seu. Deve controlar-se em todas as ocasiões, tratando com cuidado e lealdade tudo que aprendeu. Se conseguir ver que a clareza e o poder, sem controle, são piores do que os erros, ele chegará a um ponto em que tudo está controlado. Então, saberá quando e como usar seu poder. E assim terá derrotado seu terceiro inimigo.

“O homem estará, então, no fim de sua jornada do saber, e quase sem perceber encontrará seu último inimigo: a velhice! Este inimigo é o mais cruel de todos, o único que ele não conseguirá derrotar completamente, mas apenas afastar”.

“ É o momento em que o homem não tem mais receios, não tem mais impaciências de clareza de espírito... um momento em que todo seu poder está controlado, mas também um momento em que e sente um desejo irresistível de descansar. Se ele ceder completamente ao seu desejo de se deitar e esquecer, se ele se afundar na fadiga, terá perdido a última batalha, e seu inimigo o reduzirá a um criatura velha e débil. Seu desejo de se retirar dominará toda sua clareza, seu poder e sabedoria.

“Mas se o homem sacode sua fadiga e vive seu destino completamente, então poderá ser chamado de um homem de conhecimento, nem que seja no breve momento em que ele consegue lutar contra seu último inimigo invencível. Esse momento de clareza, poder e conhecimento é o suficiente”.

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