"Cabe a cada um decidir o que fazer com o tempo que lhe é concedido.."
Quando Frodo, o hobbit, chega nas profundezas da montanha de Moria, ele é invadido pela dúvida:
"Eu desejaria nunca ter recebido o anel, desejaria que nada disso tivesse me acontecido".
Gandalf, o mago, lhe responde:
"Sempre pensamos assim no momento das provas, mas não temos o poder de decidir. Cabe a cada um decidir o que fazer com o tempo que lhe é concedido!"
O livro do século XX torna-se o acontecimento cinematográfico do século XXI. Assim foi anunciado o lançamento do filme da primeira parte da trilogia – A Sociedade do Anel. Durante o ano de 2002 ele vem sendo projetado nos cinemas do mundo inteiro.
Os livros de Tolkien já contam com cinqüenta milhões de leitores.
No Ocidente, A Sociedade do Anel ocupa o segundo lugar na lista dos bestsellers.
O primeiro lugar pertence ainda e sempre à Bíblia. O que apaixona tanto as pessoas nesse conto maravilhoso? Será a magistral adaptação, que custou 190 milhões de dólares?
Ou então o mistério e a magia do conteúdo que se dirige a todos? A Sociedade do Anel se reporta ao combate entre a luz e as trevas, que ocorre no fim de uma era.
Na Terra Média vivem grupos diferentes de seres, bons e maus. O poder de cada
grupo é ligado a um anel forjado em tempo longínquo com o único fim de dar um sentido histórico à evolução desses seres:
Três Anéis para os Reis-Elfos sob este céu,
Sete para os Senhores-Anões em seus rochosos corredores,
Nove para Homens Mortais, fadados ao eterno sono.
Os elfos são seres imortais de alta estatura que devem proteger os mortais da Terra Média, na qual muito do antigo conhecimento se perdeu.
Mas os poderosos magos que acompanham os elfos dispõem desse conhecimento.
Os homens e os hobbits pertencem aos mortais da Terra Média.
Estes últimos são de baixa estatura, não medem mais que um metro e se parecem muito com os homens.
Além dos dezenove anéis já citados, existe um vigésimo que não provém da luz, mas das trevas:
Um para o Senhor do Escuro em seu escuro trono.
Na Terra de Mordor onde as Sombras se deitam.
Um Anel para todos governar,
Um Anel para encontrá-los,
Um Anel para a todos trazer e na escuridão aprisioná-los
Na Terra de Mordor onde as Sombras se deitam.
A sorte dos habitantes da Terra Média teria sido selada há muito tempo se Sauron, o Senhor do Escuro, não tivesse sido vencido pela luz, alguns milhares de anos antes. Nessa derrota ele perdeu seu poder, e perdeu o anel.
Este permaneceu durante muito tempo oculto, inativo.
Finalmente ele reapareceu entre os hobbits. Mas, agora que a vida na Terra Média aproximase do fim de um período de desenvolvimento, Sauron quer reunir novamente suas forças.
Ele se torna cada dia mais poderoso, o que reaviva ao mesmo tempo o poder do anel. Sauron conseguiu conquistar os nove anéis dos homens. Os portadores desses anéis eram poderosos monarcas que agora foram reduzidos à condição
de escravos quase subumanos, submetidos a Sauron. Fantasmas em seu reino
de sombras.
Sauron também rompeu o poder dos sete senhores anões e tomou posse de seus anéis. Somente os três anéis dos elfos ainda estão fora de seu alcance.
O Senhor do Escuro também tem em suas fileiras um grande número de elfos que degeneraram até tornarem-se orcs monstruosos, soldados a soldo de Sauron.
Para retomar toda a sua força e seu poder, Sauron deve se apossar do último anel; por isso ele fica totalmente concentrado nessa finalidade.
Por força das circunstâncias, Frodo, um hobbit, encontra-se de posse do anel tão avidamente cobiçado. Os poderes das trevas o perseguem assim que ele inicia, com seus oito companheiros, a perigosa viagem pelas ravinas da Montanha da Perdição, no país de Mordor. Lá, ele deve jogar o anel no fogo de onde proveio, pois é o único meio de aniquilar para sempre o poder das Trevas.
Uma compilação de acontecimentos seculares, apoiando-se num grande conhecimento de mitos e lendas, o autor J.R.R. Tolkien escreveu uma história
cheia de símbolos eloqüentes, e o diretor Peter Jackson foi inspirado para
transmiti-los em níveis profundos por trás dos maravilhosos acontecimentos
do filme, das escaladas, batalhas e monstros.
Talvez seja esse o motivo por que tanta gente se apaixonou e por que essa compilação de acontecimentos seculares comoveu tantos leitores e espectadores.
É como se eles olhassem para trás, para uma época na qual tomaram parte, inconscientemente; como se lhes mostrassem alguma coisa que se relacionasse com seu passado microcósmico, ainda presente neles como uma imagem adormecida.
O espectador entra na sala do cinema. Após a publicidade e os trailers, ele mergulha, durante três horas, na história da Terra Média. Como os atores, ele entra na pele dos personagens, e assim vivencia como que uma parte de seu próprio passado.
Ele sofre e luta, com Frodo e seus amigos, no caminho que conduz ao turbilhão da
Montanha da Perdição, no sombriopaís de Mordor, para auxiliá-los a destruir
o anel do mal.
Entre os nove companheiros chamados para realizar com êxito essa tarefa há um elfo, um mago, um anão, dois homens e quatro hobbits.
Cada qual exerce um papel importante nessa pequena comitiva, mas três dentre eles têm uma missão excepcional: o mago Gandalf, o homem Aragorn e o hobbit
Frodo, portador do anel.
Gandalf é imortal como os elfos, superior aos homens. Mas, no momento, sua sorte
está estreitamente ligada à dos mortais, sem que sua sabedoria e sua magia sejam submissas às limitações da vida sobre a Terra Média.
Por esse motivo, ele pode combater o mal que se manifesta de forma visível ou invisível. No início, Tolkien denomina o mago de "Gandalf, o cinzento".
Ele deve suportar uma série de provas para tornar-se "Gandalf, o branco".
Sua nova condição lhe permitirá deixar, com os elfos, a Terra Média, quando esse campo de evolução chegar à expiração.
Gandalf terá, então, realizado sua missão.
Esses seres existiram?
No espectador desperta uma certa suspeita de que se trata aqui de uma realidade ainda invisível.
O homem mortal deste século perdeu-se na matéria e a sabedoria secular concernente a todas as ondas de vida que acompanham a humanidade lhe é quase desconhecida.
Ela lhe transmite, no máximo, fragmentos confusos, mas ele não conhece o final da história. Esses seres viveram realmente? Existem ainda hoje, e trabalham ainda com a Luz, com a finalidade de retirar a humanidade de seu caminho de morte?
A princípio, não se conhece a origem de Aragorn. Os homens e os hobbits o denominaram Passolargo, o vagabundo.
Mas, no grupo que deve resolver o mistério do anel, descobre-se, aos poucos, que ele foi rei. Ele descende dos reis da Terra Média que, outrora, foram depostos de seu trono por Sauron. Em seu combate com as trevas, a espada de seu poder foi quebrada, e assim eles também foram subjugados.
Aragorn carrega o peso dessa herança e se entrega inteiramente a serviço do portador do anel, a fim de restaurar seu desventurado reino.
A figura do homem real remete ao homem original; sua verdadeira natureza encontra-se no mais profundo do seu ser e, ao mesmo tempo, ela o perturba.
Por um lado ele está ligado às trevas, sua natureza da Terra Média, e por outro lado, ele reconhece a Luz e se esforça para servi-la e assim reconquistar sua realeza.
Ele não conhece o caminho, mas confia nos seus amigos.
É fácil nos identificarmos com Frodo e os outros hobbits, pois são muito naturais, adoram comer e beber bem, festejar e divertir-se. Eles vivem nos buracos aconchegantes do belo Condado.
Melhor dizendo, eles preferem nada saber sobre o mundo que os rodeia.
Mas alguns possuem uma alma aventureira. Frodo e os três hobbits deixam sua pátria. Eles são tão pequenos que nunca tiveram um papel especial na Terra Média. Mas é justamente devido a essa independência que estão aptos para chegar ao fim do mistério do anel.
Frodo está de posse do anel há pouco tempo, quando Gandalf lhe relata o
poder e o significado dessa jóia. Mesmo sentindo-se muito pequeno e muito
frágil para uma tão pesada tarefa, ele se prepara para empreender a perigosa
viagem para as ravinas da Montanha da Perdição.
Ele não conhece o caminho, mas confia nos companheiros.
Mesmo nos momentos de dúvida, ele sabe, interiormente, que tudo está certo e que deve perseverar para conseguir destruir o anel. Portanto, não se trata de um caminho que alguém escolhe por ser particularmente romântico, excitante ou glorioso.
Esse caminho que conduz ao aniquilamento do poder cíclico do anel do mal provém
de uma vocação interior.
O papel de Frodo coloca em evidência a ligação que existe entre todas as criaturas do universo. Grandes ou pequenas, fortes ou fracas, elas estão ligadas entre si, em unidade. Elas provêm da unidade divina e se manifestam em miríades de entidades de infinita diversidade.
Cada criatura, por menor que seja, onde quer que se encontre, é uma engrenagem no mecanismo universal. Por esse motivo, o menor de seus atos é importante para o todo; elas influenciam o conjunto.
Na comitiva dos nove, com Gandalf, Aragorn e os outros, Frodo é o único que pode carregar o anel. Ele não possui muita força e nem luta para ter poder ou riquezas.
Mas ele é puro, corajoso e suficientemente inteligente para compreender a tarefa da qual está incumbido e pôr-se a caminho. Contudo, acontece-lhe de exprimir,
no coração da montanha de Mordor, suas dúvidas:
"Gostaria que isto nunca tivesse acontecido."
E as palavras de Gandalf ressoam em seus ouvidos:
"Cabe a cada um decidir o que fazer com o tempo que lhe é concedido."
O filme terminou. O espectador está saturado de batalhas da Terra Média e retorna a sua própria realidade cotidiana.
Mas em sua miséria interior, algo ainda vibra por um tempo. Será que ele realmente comprovou sua ligação com todas as formas de vida e seu próprio
lugar nisso tudo? Ele se lembra de algo a esse respeito? Talvez ocorra com ele o mesmo que aconteceu com Frodo em seu desespero.
Devo decidir o que fazer com o tempo que me é concedido.
*O autor J.R.R. Tolkien nasceu em 1892, na África do Sul. Estudou
universidade de Oxford. Em 1924, foi professor de língua e literatura inglesa e, um ano mais tarde, obteve uma cadeira em Angelsaksich. Em seu livro J.R.R. Tolkien, uma Biografia, Humphrey Carpenter escreve:
Era 19 de setembro de 1931. Após um almoço coletivo no Magdalen College, três homens vão dar um passeio na margem do rio.
Eram eles: Tolkien, filólogo e professor em Angelsaksich, C.S. Lewis, professor e futuro escritor de literatura infantil, e Hugo Dyson, conferencista de letras inglesas.
Eles falam sobre os mitos na literatura e de seu grau de veracidade. Lewis afirma que os mitos são mentiras.
Tolkien replica: "Não, não são mentiras".
Mostrando as árvores, ele diz: "Denominamos uma árvore de árvore, sem refletir a respeito. Mas não há árvore enquanto ninguém pronunciar essa palavra.
Denominamos estrela uma estrela, e dizemos que é uma bola de matéria que segue uma trajetória matematicamente definida. Mas é somente o que vemos.
Dando um nome às coisas e descrevendo-as, exprimimos o que percebemos.
E, assim como uma língua é um sistema de conceituação dos objetos e das idéias, o mito é um sistema de conceituação da verdade.
Tolkien prossegue: "Nós procedemos de Deus, mas é inevitável que os mitos, que nós mesmos criamos, comportem erros, pois eles nada mais são do que fragmentos refletindo a verdadeira luz, a eterna verdade que é de Deus.
Ao inventar um mito, ao tornar-se “subcriador” por inventar um conto, o homem pode se esforçar pelo estado de perfeição que ele conhecia antes da queda.
Talvez nossos mitos desencaminhem, mas eles nos orientam para o porto correto,
por mais tortuoso que seja o caminho que conduz a ele.
A "porta de entrada" da matéria, ao contrário, só conduz a um perigo medonho,
à coroa de ferro das forças do mal.
* Hoje a palavra mito, significa alguma coisa inveridica, irreal ou ficticia. Entretanto ela deriva do vocábulo grego mythos, que em seu uso original significa uma explicação da realidade que lhe confere significado.
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