Existe e onde está Deus ?
A razão diz :
-Ouço muito falar de Deus mas ainda não conheci ninguém que o tenha visto, dito onde Ele está e como É, nunca ninguém regressou da morte e disse ter visto Deus.
- O mundo está cheio de sofrimento, guerras e miséria, como pode existir um Deus que deixa morrer na miséria aquele que Nele acredita?
Boehme responde :
- A razão é uma vida natural perecível, pois tem inicio e fim e logo aí nunca poderá entender o fundamento eterno no qual Deus pode ser entendido.
O homem racional sofre com o mal e a injustiça no mundo onde vive.
Devido a esse sofrimento a vida da razão tende a ‘aspirar’ a um ‘regresso’ a algo que ‘sente’ existir e onde ‘sente’ que esse mal e injustiça não existem.
Esse algo ainda não sabe o que é, mas sabe que pode ser aí que teve sua origem.
O homem racional usa a sua oposição ao mal e injustiça para rejeitar a sua vontade natural e tender a dirigir-se para esse algo, essa Vontade original.
A razão diz :
- Por que Deus criou uma vida angustiante e sofredora? O mundo não seria melhor sem sofrimento e angústia? Porque Ele, se Criador, tolerou a vontade desobediente e contrária?
Porque não destruiu o mal para que só houvesse o bem?
Boehme responde :
- Sem contrariedade nada pode ter consciência de si.
Sem mal e sofrimento o homem da razão não pensaria sequer que pudesse haver outra vida, pois tudo era perfeito e não haveria ‘opçoes’ por assim dizer.
Pois se nada há que lhe resista, sai continuamente de si e nunca a si regressa!!
Se nunca a si regressa, nunca regressa de onde veio, nunca conhece a sua origem e causa.
Se a vida natural não tivesse contrariedade alguma e não tivesse limite, nunca perguntaria pelo fundamento de onde provém, de modo que Deus oculto permaneceria desconhecido para a vida natural.
Por isso Deus deixa que o homem sofra até perceber a ‘loucura’ que é negá-lo e viver sem seguir a Lei e a Vontade divinas .
Quando o homem percebe num dia da sua vida a ‘loucura’ em que vivia, o sofrimento causado pelo erro se detém, pois ele reconhece que o mereceu e vê que isso serviu para reconduzi-lo à Verdade, agradece a Deus pelo sofrimento mas a principio não perdoa a si mesmo por ter persistido por tanto tempo em sua louca cegueira.
Assim também se percebe porque Deus criou, a criação foi uma ‘necessidade’ Dele que era Uno para se conhecer a Si mesmo.
Se Ele não se tivesse conduzido para fora de Si (a fim que uma contrariedade pudesse surgir) para a divisibilidade nas criaturas, divisibilidade que é uma luta, um permanente contraditório, como se poderia conhecer a Ele mesmo numa Vontade que é única?
A razão diz :
Então é bom e útil que junto com o bem haja o mal ?
Boehme responde :
O mal, como vontade contrária, faz com que o bem queira regressar à sua existência e causa primeira, ao Bem, à vontade Boa, pois uma coisa que em si mesma é apenas boa e não tem nenhum sofrimento nada deseja, porque não conhece nada de melhor que possa desejar em si ou para si.
Através do mal, o Bem torna-se perceptivel, efetivo e capaz de vontade, pois desejará separar-se do mal, deseja estar tranquilo de novo e aspira a entrar de novo no Um (retornar à Vontade única).
Deus só pode desejar a Si mesmo, pois nada mais tem diante ou depois Dele que possa desejar.
Mas se a Sua Vontade ‘imagina’ em idéia algo, esse algo só pode emanar Dele e é um contrário. Se esse algo fosse uno então a Sua Vontade não poderia exercitar-se aí, daí se ter dividido em principios e criaturas para aí operar.
Na mente do homem existe um método semelhante.
Se a mente não saisse de si, não haveria pensamentos, sem pensamentos não haveria conhecimento de si e seriamos incapazes de criar e agir.
Contudo o afluxo de pensamentos à mente, origina um contrário da mente com o qual ela se descobre a si mesma, faz com que ela queira e deseje algo e para aí dirija os seus pensamentos para nessa operação se revelar e contemplar em ação neles.
Essa divisibilidade permanente em centros de contrários (de opostos) é que permite que a mente conheça e conceba as maravilhas e poderes da Sabedoria divina num modus operandi semelhante ao da própria emanação divina.
Deste emergir de contrários em todos os planos, surge a luta permanente, a angústia e o desejo da mente aflita de regressar ao Sossego, de mergulhar de novo no repouso eterno na Casa do Pai pela Fé e pela Esperança.
Deste permanente contraditório em tudo, se percebe que em todas as coisas e criaturas coexista o bem e o mal.
O bem é a Inteligência da Vontade una que tende para a origem do poder divino e deseja um contrário que lhe seja semelhante, algo de bom, onde a boa Vontade divina emanada possa operar e manifestar.
O mal é a vontade pequena, própria, natural, é a Loucura que procura também um contrário semelhante, que para ela será uma substancialização, uma corporiedade, a única coisa que deseja para ela.
Em cada homem existem pois estas duas facetas ou naturezas, uma eterna, divina e espiritual e outra perecível, criada e natural.
Ambas buscam contrários semelhantes, uma o seu contrário de origem divina, outra o seu contrário meramente material ou natural.
Sem a Loucura não haveria manifestação da Sabedoria, a Loucura é um dos contrários dessa manifestação mas a Loucura atribui poder apenas a si mesma, à sua egoidade por meio de um fundamento que tem inicio e fim.
Nota : A Loucura é uma mente e uma vida que se apoiam apenas em si mesmas, é a razão natural e a vontade própria.
Assim a vida eterna é revelada pela Loucura, a fim de que nela se possa elevar um louvor à Glória de Deus e o eterno e permanente possa tornar-se conhecido no mortal.
Através do sofrimento infligido á vontade própria, a vida e a razão que querem se apoiar apenas em si mesmas ( isto é a Loucura) desejam retornar á sua origem e se persistem nesse desejo e nesse retorno, o celeste ( Deus, o Amor, a Liberdade) acaba por se manifestar no terrestre, no homem, libertando-o dessa dor e sofrimento.
A vida da razão é apenas um contrário da verdadeira vida, e se não encontra em si, fome ou desejo algum pela vida donde se originou, ela não passa, em sua própria vida, de uma loucura e de um jogo onde a Sabedoria manifesta suas maravilhas.
A razão louca e terrestre não entende que o homem sábio é livre em si mesmo, pelo sofrimento e contrariedades, odiando a frágil vida terrestre, morrendo para a razão natural até sua vontade própria se romper, caindo em sua primeira origem e aí nascendo de novo.
Não entende que para a Sabedoria a sua vida não passa de uma Loucura através da qual se revela para ser conhecida.
Não percebe que se desviou de Deus em direção ao egoismo e aos seus próprios poderes e habilidades que são finitos.
A razão terrestre ao ver o sábio ser enterrado sem ajuda pensa, erradamente, que Deus o abandonou, logo diz que Deus não existe, que não recebeu de Deus nenhuma libertação e depreende, outra vez errôneamente, que sua Fé estava equivocada senão Deus o teria libertado durante sua vida.
Pior ainda, como não sente nesta vida qualquer punição, conclui que não vale a pena se esforçar, tomar qualquer decisão espiritual enquanto vive.
Esquece que quando morrer a luz exterior se apaga e ver-se-à no desespero, sem libertador algum por perto.
Ao contrário o homem sábio, observa a loucura que traz atrelada a si durante a vida, e aprende a odiá-la, apesar da sua sabedoria ser vista pelo mundo como loucura e por isso humilhada.
Ao morrer, o sábio apreende a essência divina nele e deixa o corpo da loucura descer ao túmulo com ela.
A razão é louca porque não entende isto.
Como regressar à essência celeste e abandonar a loucura ?
Primeiro perceber essa necessidade fundamental para o homem, depois confiar em Deus e não na sua vontade própria, ficar quieto nessa vontade própria até Deus ‘falar’ nele.
Quem permanece ‘quieto’= sem vontade própria, mesmo por uma hora ou menos, a Vontade divina ‘fala’ nele.
A vida que se entrega ao seu fundamento divino é uma vida onde o ‘falar’ de Deus não pode deixar de se fazer ouvir pois está no Abismo da Natureza e da criatura, no eterno ‘falar’ de Deus e Ele ‘fala’ nela.
Pois se a vida se originou e veio ao corpo através do ‘falar’ de Deus e não passa de uma imagem da Sua Vontade, então se a imaginação e vontade próprias se calam, a imaginação e Vontade divinas se elevam e ‘falam.’
Pois o que está sem vontade própria constitui uma só coisa com o Nada e está fora e acima da Natureza.
Esse Nada é o próprio Deus.
Nesse Nada o homem se reencontra com sua divina origem, pois esse Nada é um eterno ‘falar’, que ‘soprou’ a vida à Sua semelhança, que ‘fala’ com ela quando a vê abandonada, porque dois semelhantes não podem deixar de se ‘comunicar’.
A vida que se entrega à imaginação da vontade falsa e terrena, adquire uma qualidade terrestre animal e passa a ser, em seu corpo, um animal maligno, e em sua alma, uma vontade falsa que despreza Deus e habita simplesmente na sua própria imaginação e conhecimentos sensiveis.
Tomemos o Sol como exemplo.
Se uma planta não tem seiva, ela é queimada pelo Sol, mas se tem seiva ela é aquecida e cresce com os raios do Sol...
Se o homem não conduz sua vida no sentido da essência da doçura e amor de Deus, o eterno ‘sopro’ da ‘fala’ de Deus não encontra seu semelhante e então produz ( por falta de ‘equilibrio’ na comunicação ) uma ‘fala’ inflamada, feroz, invejosa e espinhosa que destrói no homem tudo o que é bom.
A doçura divina não pode agir na falsa vontade própria do homem pois ela não lhe é ‘semelhante’, apenas tem uma ígnea cobiça e uma pungente inveja.
Mas se o homem percebe qual a verdadeira razão de ter nascido e caminha no sentido certo, então estabelece-se uma comunicação equilibrada entre ‘semelhantes’ que faz nascer um Espirito Novo, um Espirito Santo a partir dessa natureza antes inflamada (desequilibrada) como uma vontade de amor divino e não mais devoradora mas agora doce e doadora que se dá a tudo e em tudo produz algo de Bom.
A mente, a vontade e os pensamento da vida humana originam-se na Vontade de Deus e são um contrário ou uma imagem de Deus na qual Ele quer, age e habita.
Quem se afasta desta imagem e procura repouso não o encontra, pois procura-o, não na imagem ou contrário divino mas na fragilidade das imagens terrenas, que como temporais que são, perecem e que nada têm de semelhante com a vida.
Daí a vida do homem se elevar neste mundo como se fosse um deus da natureza (material) numa conduta louca e tola, numa imaginação terrestre e numa auto-elevação que o impede de conhecer seu próprio fundamento, seu próprio estado original, aí sim, onde está o seu repouso eterno.
Como quis habitar no que perece e não no que é eterno, o que passa rápido como fumaça e não no que é permanente, conduziu-se para fora da sua essência divina e entrou numa essência terrestre, num ser extremamente frágil.
Quando morre, a vida assim vivida sómente na essência terrestre, apenas subsiste no principio do fogo da contrariedade e das trevas e daí a sua angustia permanente pois não alcança a doçura e o repouso celeste.
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