terça-feira, 30 de outubro de 2012




“O espírito de condescendência nunca deveria surgir. Ajudamos não porque nos sentimos virtuosos ou porque desejamos ser virtuosos. Ao contrário, estamos felizes de que uma parcela mínima do trabalho do Mestre deve ser feita por nós, ‘em seu nome e por amor da humanidade.’ De fato, como Krishnamurti nos disse, realmente não possuímos uma virtude enquanto não estivermos inteiramente inconscientes de que a temos! Presunção, pedantismo, sentimentalismo, são todos absolutamente estranhos à vida espiritual clara, serena e absolutamente verdadeira. Há uma hipocrisia consciente e uma inconsciente. Ansiosos de ser virtuosos, talvez, por vezes, cedemos a um leve sentimento agradável de superioridade, dizendo coisas que realmente não queríamos dizer, tornando-nos artificialmente espirituais. O Mestre não aprecia um sentimento que não seja absolutamente honesto, nem repreende ou se afasta daqueles que sejam claramente destituídos de certas virtudes.
Virtude e sabedoria são coisas sublimes, mas se produzirem orgulho e uma consciência separatista do resto da humanidade, não serão senão a serpente do eu reaparecendo em forma mais refinada. Citando Krishnamurti mais uma vez: “no momento em que nos sentirmos superiores, a espiritualidade deixa de existir.”
Clara Codd, As Escolas de Mistérios

quinta-feira, 18 de outubro de 2012

Dialógo entre Luz e Matéria



Luz: — Tens sob o domínio de tuas aparências multiformes os seres humanos que me pertencem.

Matéria: — Tu te enganas. Eu não retenho nada. São eles que se agarram fortemente. Eles me desejam e se apegam muito a
mim. É que, como tu vês, eles amam mais a mim que a ti.

Luz: Tu te enganas, sombra. Nas diversas formas que tomas, é a mim que eles buscam e desejam. E porque tu os cegas e os obscureces, eles não percebem sua essência. Sua essência é luz, assim como a minha é luz.

Matéria: — Se fosse como dizes, por que, então, se agarrariam eles tanto a mim, vivendo de mim e através de mim? Por que teriam eles criado o seu próprio mundo? Sim, eles são seres criadores. Não foi sempre essa a tua vontade?

Luz: — Eu queria que eles espalhassem minha luz. Porém, eles criaram a aparência, a escuridão, na qual se perdem e permanecem cativos. E tu és essa escuridão!

Matéria: — Tu me chamas, pois, "escuridão"?

Luz: — Sim. Tuas formas são, de fato, ilusórias. Tu mesma és engano. Não deixas entrar a luz; estás fora da verdade e, por conseguinte, és irreal.

Matéria: — Eu me sinto, contudo, muito real. O fato de estarmos conversando já mostra isso.

Luz: — Tuas inúmeras aparências mantêm o mundo. Porém ele é um mundo de sombras. Tu apenas existes graças à "ausência de luz".

Matéria: — Então, concede-me aquilo a que aspiro. Deixa que eu seja luz!

Luz: — Tu eras o Universo. Foi justamente esse pensamento, matéria, que causou teu vir-a-ser, teu surgimento.

Matéria: — Por que, então, me privas de tua luz? Não sabes, apesar de tudo, que este é meu maior desejo?

Luz: — Naturalmente.

Matéria: — Por que não realizas, então, o meu desejo? Quero ser como tu; luz!

Luz: — Nas trevas, a chama de uma vela é bastante útil. Então, por que querer ser a chama de uma vela entre os raios do sol? Quem a acenderá? Sonhas muito alto, compreendes?

Matéria: — Mas eu quero fazer parte do sol!

Luz: — O sol já existe. Por que não aceitas simplesmente as possibilidades que se encontram a teu alcance? O que queres, pois, conseguir? Torna-te parte do todo, então permanecerás na luz e estarás ligada a tudo. Abandona tua vontade própria!

Matéria: — Mas eu sou vontade própria. Não me disseste isso tantas vezes? Pode a vontade própria entregar a própria vontade?

Luz: — Existe um caminho, e tu o conhece. Já falamos dele muitas vezes.

Matéria: — Pode haver outro caminho.

Luz: — Tu o buscas há milhões de anos.

Matéria: — Eu o encontrarei.

Luz: — Ele não existe. Sabes muito bem que existe apenas um caminho. Crê em mim. Entrega-te a mim. Renuncia à aparência e à forma. Então te encontrarás na luz. Porém, nunca algo pode ser a luz.

Matéria: — Mas tu mesma és a luz!

Luz: — Sou tudo em todos e, não

Luz: — Tens sob o domínio de tuas aparências multiformes os seres humanos que me pertencem.

Matéria: — Tu te enganas. Eu não retenho nada. São eles que se agarram fortemente. Eles me desejam e se apegam muito a mim. É que, como tu vês, eles amam mais a mim que a ti. Não obstante, não sou. Quando já "não" fores, então tudo serás.

Matéria: — Mas como se pode "não" ser?

Luz: — Eu já te disse. Nada forces. Renuncia a ti mesma e confia-te a

mim. Somente então poderei contribuir para a tua libertação.

Matéria: — Mas, se eu fizer isso, eu não existirei mais e me tornarei nada!

Luz: — Escuta. A gota de água que cai no oceano deixa de ser uma gota. Ela se torna muito mais que uma gota! Chamar isso de morte não é um engano? Se levares em conta que a gota se torna infinita, que ela é envolvida pelo oceano… Ela somente perde sua condição de gota. E ao mar, à união de todas as gotas, à plenitude, tu chamarias "nada"?

Matéria: — Tenho medo.

Luz: — De quê?

Matéria: — De não ser, de nada ser.

Luz: — Mas se te confias a mim, se te fundes em mim, então tu te tornas "tudo".

Matéria: — Bem. Admitamos que seja assim como dizes. Se assim fosse, entretanto, eu não poderia desaparecer simplesmente, mesmo que quisesse. São as formas das quais sou composta que me fazem desaparecer. Não fales, então contra elas e nem contra mim!

Luz: — Quando falo contigo, eu me dirijo também a elas, pois as criaturas e tu são um só.

Matéria: — Antes, tu disseste que elas são tuas. E agora garantes que são minhas. Tu te contradizes!

Luz: — O fruto provém da semente.

Matéria: — Está correto. Então achas que a semente provém de ti, que a casca provém de mim e com ela eu posso ficar, não é?

Luz: — Eu amo o fruto inteiro; não apenas a semente ou a casca. Embora

a polpa seja corruptível, ainda assim eu não separo a semente e o fruto.

Matéria: — Queres, então, me privarde tudo? Queres para ti o fruto inteiro e a mim também? Confessa.

Luz: — Sim, eu envolvo todas as partes do fruto. Mas não para destruí-las.Não esqueças que minha semente é amor. Os frutos, entretanto, se transformam. Eles se transformam nos frutos da árvore da vida que está no centro. É lá que eu espero que venhas. Então, seremos unas.

Matéria: Vou refletir sobre isso.

Luz: Eu sei. Vou esperar.

quarta-feira, 10 de outubro de 2012

O SER E O TER



E m nossa sociedade de consumo, com seus infindáveis apelos aquisitivos, possessivos, o Ter adquiriu uma importância desmedida e desproporcional.

Não se deve, todavia, imputar toda a culpa dessa aberração à sociedade, que nada mais é do que o somatório das mentalidades individuais.

È bem verdade que a sociedade reforça as tendências já existentes no indivíduo, mas o ponto de partida de todas as tendências positivas ou negativas é sempre o indivíduo, não a sociedade.

Nenhuma sociedade, com todos os seus frenéticos apelos e condicionamentos, poderia induzir Mahatma Ghandi, Albert Shweitzer ou Madre Tereza de Calcutá a serem consumistas ávidos de posses materiais, nem hedonistas ávidos de prazeres sensoriais.

Se esses e outros seres que estão na vanguarda evolutiva da humanidade se mostraram imunes a isso, os demais também estarão em algum momento do futuro, mesmo ao custo de muito tempo, sofrimento e desilusões.

A possessividade está ligada a um grau intermediário da evolução humana, em que a mente já está bastante forte para moldar os clichês de seus objetivos e alcançá-los devido ao poder da mentalização, da persistência e da inteligência.

Mas ainda não está bastante forte para neutralizar seus apetites primários e egoístas e pensar mais nos outros do que em si mesmo.

Nessa etapa da evolução, a ânsia de ter é inevitável e não deve ser condenada de forma absoluta, salvo os excessos, desequilíbrios e os métodos desonestos usados para aquisição.

É claro que para se conseguir alguma qualidade de vida, é necessário ter um mínimo de posses, tais como moradia, alimentos, vestuário e alguma garantia de suprimento dessas necessidades básicas. Mas daí a ter uma enorme quantidade de bens, privando outros seres do acesso a eles, vai uma grande distância.

O ter em excesso e principalmente os apegos aos objetos de posse, obstrui o ser e causa infelicidade. O ter pode causar prazer momentâneo, porém, esse prazer logo se transforma em tédio, saturação e embotamento.

No final, o possuído se transforma em possuidor, e o homem, escravo daquilo que possui.

O ser não pode se manifestar, quando obstruído por tantos “penduricalhos”. A ausência de autocontato, de conexão com o ser essencial é uma das causas mais comuns de alienação e angústia.

Os adeptos da chamada “teologia da prosperidade” se apegam a frases isoladas do texto bíblico , distorcendo seu significado de acordo com seus interesses. Jesus disse de fato: “Buscai primeiro o Reino de Deus e tudo o mais lhe será dado por acréscimo”.

Obviamente está implícita e embutida nessa sentença o sentido de que tudo o mais que necessitais para vossa subsistência. Jesus nunca teve a intenção de produzir ricaços e milionários com seus ensinamentos, caso contrário, não teria dito ao jovem rico: "Abandona tudo o que tens e segue-me”! Ou ainda: “As aves têm seus ninhos e as raposas têm suas tocas, mas o filho do homem não tem onde repousar sua cabeça”.

A alienação produzida pela ânsia de posses é tão forte e tão enraizada nas pessoas, que alguns pseudoteólogos chegam até mesmo a adulterar os ensinamentos básicos de sua religião, para conquistar adeptos, oferecendo-lhes algo que nem o próprio Jesus prometeu.

Numa sociedade carente e pobre, onde uma minoria tem demais, enquanto outros não ter nem o necessário para atender às necessidades básicas, as pessoas se tornam carentes e inseguras, tornando-se presas fáceis para espertalhões que exploram as carências e necessidades humanas.

A ânsia de ter é tão forte que até mesmo nossos sentimentos subjetivos deixam de ser uma ação da alma para se tornarem uma posse. Quando sentimos algo, costumamos dizer: “temos amor”, ou “temos ódio”. Ou alguém diz “tenho ciúmes” em vez de dizer “sinto ciúmes”. Dizem ainda “tenho sono”, em vez de dizer “sinto sono”!

Embora possa parecer apenas formas de expressão, demonstram até que ponto o ter se enraizou em nossas vidas, obstruindo o ser.

Sob o ponto de vista da sociedade consumista e aquisitiva, alguém que nada ter não é ninguém. As pessoas são avaliadas pelo que têm e não pelo que são.

Isso é a raiz da corrupção e da violência. Se para ser alguém, uma pessoa necessita ter algo, ela se torna capaz de fazer qualquer coisas lícita ou ilícita, caso contrário, estará condenada a ser ninguém.

E, sendo ninguém, nada tem a perder, a própria vida perde o significado para essa criatura.

E quando a própria vida perde o significado, a vida alheia se torna ainda mais insignificante.

Daí se pode perceber a causa profunda da violência no mundo moderno.
Por mais que se discuta sobre educação, assistência social e recuperação de criminosos, que também são importantes, a violência não terá fim enquanto for alimentada de forma indireta pelos valores da própria sociedade.