quinta-feira, 25 de junho de 2009

Desapego e Perseverança



"Pedra que rola não cria limo" é um velho ditado que ouvimos desde criança. Quer dizer que uma pessoa inquieta, que está sempre mudando, não prospera nem vence na vida.
A moral desse ditado, porém, tem implicações muito mais amplas. No caminho espiritual alguém pode se sentir tentado a mudar de caminhos assim, progride pouco. Ou pode viajar por todos os continentes, numa busca sem fim por sábios e gurus, sem conseguir proveito algum.
Do mesmo modo, a pessoa que busca a verdade pode se distrair com o transcorrer da vida. Ela pode dar ouvidos a ilusões, permanecer estagnada ou até andar para trás. Foi por isso que Buda, em um dos últimos sermões a seus discípulos, disse: "Buscai aquilo que é permanente e exercitai vossa salvação com diligência."
Sem diligência, ou seja, sem constante esforço e atenção, não se pode crescer na compreensão correta; pedra que rola não cria limo. "Um caminho com muitas paradas não permite chegar rápido ao final da linha".
Conta-se uma interessante história. Um monge estava tendo problemas com seu progresso espiritual; freqüentemente voltava "à vida superficial da Terra, embora ainda estivesse usando o manto amarelo".
Desanimado, procurou Buda, que logo compreendeu a causa do problema e apontou para uma galinha numa moita. Havia dez ovos no ninho, mas nenhum pintinho. A galinha andava de lá para cá, em vez de chocar os ovos. Mesmo quando chocava, revirava-os com os pés, esperando que rachassem e alguns biquinhos aparecessem. Porém, não tinha sucesso.
Buda disse: "Aquela galinha queria muito os filhotes, mas ela não os deixou nascer porque não chocou os ovos. O monge que tanto deseja a libertação dos desejos e o alcance da imortalidade não chegará à sua meta cobiçando-a. As coisas não vêm pelo desejo. Devemos deixá-las acontecer."
O Gênesis traz a mesma lição, embora com palavras diferentes:
"Instável como a água tu não vencerás."
A impaciência é um obstáculo no caminho. Queremos resultados rápidos para os esforços espirituais. Como a galinha, reviramos os ovos e os destruimos. Como um jardineiro impaciente, cavamos as raízes das plantas, para termos certeza de que elas se aprofundaram.
Nenhuma tentação, nenhum prazer mundano, nenhuma afeição mundana deverá jamais te pôr de lado. Pois tu mesmo deves tornar-te um com o caminho.
Mantém-te vivo, consciente, e não deixes que nada sufoque a chama. Não deixes um simples pensamento sequer escapar sem observares de onde veio, seus motivos e significação. Mantém-te acordado."
O ditado "pedra que rola não cria limo" também pode ser interpretado de maneira completamente diferente, num outro contexto. O limo numa pedra pode ser um estorvo. Ele faz a pedra parecer musgosa e suja, pois uma pedra limpa, clara e brilhante é mais agradável ao olhar.
A pedra fica cheia de limo quando permanece apegada a um lugar. O mesmo se aplica a nós. Quando permitimos que o apego a pessoas, coisas e sensações prevaleça, a mente fica contaminada pelo limo dos pensamentos e das memórias, que passam a governar nossa vida. As percepções se turvam, tornam-se estreitas e limitadas.
Uma iluminada Mestre recomenda: "Luta com teus pensamentos impuros antes que eles ganhem poder sobre ti, (...) pois se lhes deres folga e eles crescerem e tomarem raiz, sobrepujarão a ti e te matarão." Nessa interpretação, rolar tem um sentido de desapego. Os sábios não se demoram nos jardins das delícias dos sentidos.
Uma pessoa bem estabelecida no caminho da santidade é chamada parfait para o Gnosticismo. Os budistas também o chamam de sotapanna, "aquele que entrou na corrente". Uma pedrinha no leito do rio vai rolando na rápida corrente, não cria limo e gradualmente se torna mais lisa, limpa e menor, até que finalmente se funde à areia indiferenciada e brilhante

segunda-feira, 22 de junho de 2009

O Amor



Quando o amor vos chamar, segui-o,
Embora seus caminhos sejam agrestes e escarpados;
E quando ele vos envolver com suas asas, cedei-lhe,
Embora a espada oculta na sua plumagem possa ferir-vos;
E quando ele vos falar, acreditai nele,
Embora sua voz possa despedaçar vossos sonhos
Como o vento devasta o jardim.
Pois, da mesma forma que o amor vos coroa,
Assim ele vos crucifica.
E da mesma forma que contribui para vosso crescimento,
Trabalha para vossa queda.
E da mesma forma que alcança vossa altura
E acaricia vossos ramos mais tenros que se embalam ao sol,
Assim também desce até vossas raízes
E as sacode no seu apego à terra.
Como feixes de trigo, ele vos aperta junto ao seu coração.
Ele vos debulha para expor vossa nudez.
Ele vos peneira para libertar-vos das palhas.
Ele vos mói até a extrema brancura.
Ele vos amassa até que vos torneis maleáveis.
Então, ele vos leva ao fogo sagrado e vos transforma
No pão místico do banquete divino.
Todas essas coisas, o amor operará em vós
Para que conheçais os segredos de vossos corações
E, com esse conhecimento,
Vos convertais no pão místico do banquete divino.
Todavia, se no vosso temor,
Procurardes somente a paz do amor e o gozo do amor,
Então seria melhor para vós que cobrísseis vossa nudez
E abandonásseis a eira do amor,
Para entrar num mundo sem estações,
Onde rireis, mas não todos os vossos risos,
E chorareis, mas não todas as vossas lágrimas.
O amor nada dá senão de si próprio
E nada recebe senão de si próprio.
O amor não possui, nem se deixa possuir.
Porque o amor basta-se a si mesmo.
Quando um de vós ama, que não diga:
“Deus está no meu coração”,
Mas que diga antes:
"Eu estou no coração de Deus”.
E não imagineis que possais dirigir o curso do amor,
Pois o amor, se vos achar dignos,
Determinará ele próprio o vosso curso.
O amor não tem outro desejo
Senão o de atingir a sua plenitude.
Se, contudo, amardes e precisardes ter desejos,
Sejam estes os vossos desejos:
De vos diluirdes no amor e serdes como um riacho
Que canta sua melodia para a noite;
De conhecerdes a dor de sentir ternura demasiada;
De ficardes feridos por vossa própria compreensão do amor
E de sangrardes de boa vontade e com alegria;
De acordardes na aurora com o coração alado
E agradecerdes por um novo dia de amor;
De descansardes ao meio-dia
E meditardes sobre o êxtase do amor;
De voltardes para casa à noite com gratidão;
E de adormecerdes com uma prece no coração para o bem-amado,
E nos lábios uma canção de bem-aventurança.

Le Monde de Paris - Quinzaine Littéraire. Gibran Kahlil Gibran: O Poeta do Amor

quinta-feira, 18 de junho de 2009

Agostinho - Maniqueus - Gnosticismo




Agostinho nunca foi santo. Há uma ‘piada’ sobre ele que diz que ele ‘virou santo’ de tanto que sua mãe rezou para ele não ir para o inferno. Ele virou santo porque, sendo ‘diabólico’ demais, fez sua mãe rezar a vida toda por ele. Assim se fez o santo.Também virou santo por ter abandonado a mãe e a namorada grávida.
E a mãe rezava pela pobre alma do filho. Ainda jovem agostinho interessou-se pelos ensinamentos Maniqueus. E se associou a eles no Egito.

Os grupos maniqueus, seguindo o molde da escola de Pitágoras e dos Essênios, dividiam-se em três níveis. Contam os relatos que Agostinho nunca passou do primeiro nível e, dado sua ambição desenfreada que não aceitava não participar do segundo, foi convidado a se retirar do grupo.

Nessa mesma época um dos padres da Igreja Católica primitiva o convidou para exercer um alto cargo nessa instituição. O preço a pagar, relevar o que sabia sobre os maniqueus e escrever contra eles. Foi o que Agostinho fez. Sua ambição gratificou-se com o convite de exercer um ‘alto cargo’. Assim, ele aceitou. E passou a ser um dos combatentes aos gnósticos de mani.

Mani foi um preservador da tradição gnóstica. Com a morte de Mestre Jesus, o Cristo, os discípulos se separaram em dois grupos, e fugiram. Um, como bem sabemos, o maior, seguiu para o Egito (onde escolas gnósticas floresceram nas décadas seguintes), seguindo depois para o porto de Marselha, na França. Tal é o motivo de Maria Madalena ser tão venerada na França, e Tiago ter seu famoso ‘caminho’. Tal é o motivo das historias britânicas estarem estritamente relacionadas a José de Arimatéia e assim por diante.

Do outro lado temos o grupo de Tomé, Simão o Mago, Matheus... que sobe para as regiões da Síria, onde pequenos núcleos de buscadores da gnosis serão formados. Décadas depois a Síria estará entre as regiões visitadas por Apolônio de Tyana e o gnóstico Paulo.Aliás, a Síria sempre foi objeto de grande interesse espiritual, séculos depois é para a Síria que os Templários se dirigem em busca dos Mistérios, e é igualmente para a Síria que Christian Rosenkrantz, o pseudônimo do fundador dos rosacruzes, se dirige, e lá encontra o seu ‘livro secreto’, e um ‘augusta fraternidade’.

Coincidência ou não, é impossível ignorar a importância dessa região, algo, sem dúvida, devia haver lá.Então, esse segundo grupo de discípulos se dirige para lá. Há relatos que sugerem que Tomé teria passado um tempo lá e retornado para a Índia (como indica o Hino da Perola, que é simbólico, mas usa de base a historia de um príncipe que veio do Oriente). Curiosamente esse ‘Hino da Pérola’ (Ou ‘Hino da veste de glória’) vai ser divulgado a partir de escolas na Síria. Entre a ‘coleção’ de textos divulgados pela escola da Síria, está o dito Hino, e também os escritos de Tomé, cópias do Evangelho de Tomé se preservaram graças a esses gnósticos antigos.

Além do Evangelho de Tomé, temos o ‘Livro de Tomé’ redigido por Matheus enquanto Jesus conversava com Tomé, segundo consta o próprio livro. Esses textos são divulgados mais tarde principalmente por um gnóstico chamado Bardesanes, na Síria. Bardesanes não é nada menos que o avô de Mani. Portanto é nesse contexto gnóstico de Hinos da veste de glória e Evangelho de Tomé que Mani, o Profeta da Luz, é educado. Mani, jovem e inspirado, ignorou ingenuamente o perigo que vinha do oeste e ensinou abertamente; logo, os atentos olhos da oposição, a Igreja que se formava em Roma, viram em Mani um problema.

Assim o maniqueísmo passou a ser combatido. Seu ensinamento profundo e espiritual atraia muitas pessoas, como o fez com Agostinho. Com isso, a Igreja viu em Agostinho a possibilidade de um crítico que esteve entre os maniqueus. Mas o que ensinam esses maniqueus que rejeitaram a ânsia por poder de Agostinho e foram tão perseguidos?



Ensinam:
• A fonte do Bem está na 'região da Luz'.
• O Rei da Luz é a Árvore da Vida. Eu assimilei a Lei da Luz. Eu sou Mani, o Apóstolo de Jesus, o Amigo da Luz.
• A Mente-Luz (Cristo) é o que desperta aqueles que dormem.
• No homem em quem a Mente-Luz está, sua é a Sabedoria.
• A Mente-Luz (a Mente Iluminada) é o Sol dos corações, a Senda dos que buscam, o Pórtico dos tesouros da Vida.
• Bem-aventurado é aquele que foi iniciado nesta Gnosis Divina.
• Eu encontrei a Terra da Luz. Eu fiz meu caminho para a Cidade dos Deuses.
• Eu tornei minha alma limpa – sou um servo de Deus [eu sou um Nazareno].
• Vocês são filhos do Dia e filhos da Luz. Jesus tem me auxiliado e ele poderá auxiliar vocês. Ele poderá dar-nos sua Compaixão.
• De tempos em tempos a Sabedoria envia os Mensageiros de Deus. Em idades após idades estes Mensageiros têm sido enviados pelo eterno rei da Luz [Zrwan]: Seth, Zoroastro, Buddha, Christos. As primitivas religiões foram verdadeiras enquanto puros líderes estavam nelas.
• A presente revelação, esta profecia desta última idade, veio para a Babilônia através de mim, Mani, para as outras escolas e para as outras heresias. Para cada uma delas eu mostrei que a sua própria sabedoria e suas escrituras é a verdade a qual eu desvelei e mostrei ao mundo.
• Há duas fontes do que vem à existência: Deus e a Matéria, Luz e a Escuridão, Bem e o Mal. A Luz é a árvore que dá bons frutos. A Matéria é uma árvore que dá maus frutos.
• Cristo é o Pai de todos os Mensageiros, é o Terapeuta das Almas – sua medicina são os seus preceitos.
• Meus pensamentos buscam teus segredos, minha intuição aspira os teus Misterios. Ó Senda da Verdade, vista-me em tua veste.
• Meu Senhor tinha indicado o grau dos Perfeitos e separou-os daqueles que estão no mundo. Ele deve tornar-se puro, ser frugal na dieta (não poluir com carne e sangue), jejuar. Jesus proclamou um código de ética, fragmentos de textos de Mani sim, Mani era um verdadeiro gnóstico. O “Santo” Agostinho, um traidor.

Que mal há em ensinamento tão belo? O mal de que, aos olhos da Igreja, nega a necessidade de intermediários para se alcançar o reino dos céus, e assim inutiliza a instituição Romana. O mal de um ensinamento que considera “Seth, Zoroastro, Buddha, Christos” irmãos em sabedoria.
O mal de continuar o ensinamento gnóstico de que o deus criador da matéria é apenas o demiurgo, um ‘deus’ arrogante. E não a luz celeste, que está muito além. Na Unidade invisível e inefável.

Assim, Agostinho cumpriu sua função, e os combateu.Enquanto isso outra batalha era travada. Agostinho escrevia tratados e tratados sobre o que é deus, seus atributos e qualidades (como se alguém pudesse definir a “natureza de deus”). Paginas e páginas de deus é isso, deus é aquilo. A teologia afirmativa. A teologia dogmática.

Em contrapartida temos os neoplatônicos. Almas gnósticas que se revestiram de ‘filósofos’ pois aos olhos da igreja os filósofos não seriam atacados. Assim, Proclo, Pseudo Dionísio, Plotino... ensinavam gnosticismo revestido de linguagem platônica. (bem, não era Platão um iniciado?)Em contrapartida temos os curtos e profundos tratados desses neoplatônicos que ensinam que Deus não pode ser conceituado, apenas vivenciado, que ensinam tudo que deus ‘não é’, e não seus atributos e qualidades. (por isso foram chamados de teólogos negativos, por ensinarem o que não é deus, e deus não é conceituação)

Deixemos Plotino¹ e Jâmblico² ensinar:



“O Uno é todas as coisas e nenhuma delas.A Unidade é uma fonte sem origem.Nos planos sutis cada ser constitui uma parte do Todo. Retira-te em ti mesmo e contempla. A contemplação é o fim da ação. Jamais olho algum contemplará o Sol sem tornar-se semelhante ao Sol, nem alma alguma verá a Beleza sem ser bela. Que todo ser se torne divino e belo se quer contemplar o Uno e a Beleza.A beleza da alma é a virtude.Há uma beleza de ordem superior, não visível aos olhos corporais, mas somente manifesta através dos olhos superiores da alma. Sem um despertar da letargia natural não é possível para alguém aplicar-se aos belos e nobres estudos, nem aprender o mais elevado. É necessário uma preparação: reflexão sobre as virtudes (elas despertam nosso desejo para o bem). E também o uso de máximas (penetrar no seu conteúdo).

Sabedoria é diferente de conhecimento. A Sabedoria ultrapassa o intelecto (através da intuição contempla). A Sabedoria faz com que a Verdade seja inteligível. O intelecto usa a razão e o conhecimento discursivo. Tudo o que existe procede da Causa primeira. Todo o múltiplo participa de alguma maneira da Unidade. O Bem é idêntico ao Uno. Quão diferente isto era dos tratados e tratados de Agostinho. E seus ataques aos gnósticos.

Pelágius³, um outro gnóstico (se pudermos chamar assim) também foi extremamente prejudicado por Agostinho. Este é Pelagius, um cristão-celta. Um cristão que havia bebido dos ensinamentos que chegaram à Bretanha com os outros discípulos. Pelágius ensinava que não havia pecado original (idéia muito recorrente naquele ‘início de Idade Média).

Que Adão e Eva eram símbolos de como a humanidade ganhou a liberdade comendo da arvore da Gnosis. Pelágius enfatizava o livre arbítrio. Até poderia se dizer por influência da cultura celta que misturou-se com os primeiros gnósticos que lá chegaram. Essa tradição que enfatiza muito a questão do livre arbítrio e vê homens e mulheres como iguais.

Pelagius ensina e admira o cristianismo, mas diz que não só os cristãos são bons pois; " Se só os cristãos fossem bons, Deus não o seria, pois estaria negando ao resto da humanidade a liberdade de escolher o que é bom. Encontramos muitos pagãos bons e virtuosos.”

Que pecado eram as palavras de Pelágius ao ver da Igreja de Roma!E a coisa só piorava. Pelágius era um homem extremamente culto, falava o grego e o latim, e viajava muito. Por um tempo estabeleceu-se em Roma, na mesma época em que Agostinho estava lá. E para a tristeza de Agostinho, o ensinamento acessível e compreensível de Pelagius atraia mais estudantes do que as ‘teologias’ de Agostinho. Pelagius tinha se tornado mais popular que o próprio Agostinho. E isso não poderia passar em branco.Pelagius foi duramente perseguido e combatido por suas ideias nao se enquadrarem nos dogmas.

Pelagius retorna à Gales, e, curiosiamente outro Agostinho, uns 200 anos depois, foi enviado pelo papa Gregório para a Bretanha com a missão de ‘converter os pagãos da Bretanha’. (e provavelmente destruir o cristianismo-celta e os resquicios da doutrina pelagiana) Mal sabiam os católicos (ou não queriam saber) que a Bretanha já era cristã muito antes das regiões da Ásia e Roma serem cristãs.

Pois os discípulos do Mestre Jesus, o Cristo ali haviam desembarcado com seu ensinamento gnóstico. Essa história de ‘o cristianismo chegou na Bretanha com Agostinho’ é história ‘para inglês ver’. Agostinho (o outro) chegou à Bretanha para destruir o cristianismo celta. Para destruir o cristianismo gnóstico. E parece que essa destruição foi levada bem a sério. Agostinho se uniu a um rei Saxão do sul da ilha e passou a influenciá-lo fortemente. Assim, a pedido de Agostinho, o mosteiro de Bagor, de monges cristãos-celtas, no norte de Gales, foi totalmente destruído, seus mais de 2 mil monges assassinados.

Esse era o cristianismo chegando à Ilha da Bretanha. O cristianismo que condenava as mulheres daquela região, tão acostumadas a viverem em igualdade e exercerem sacerdócio também, à uma vida submissa.O cristianismo dogmático de Agostinho (o primeiro) chegava ao refúgio celta dos primeiros gnósticos.
Nas palavras de uma historiadora: “Há uma tradição em Gales que afirma que nos primeiros anos do séc I d.c. chegaram lá certos refugiados da Judéia.Esses refugiados foram recebidos por Arviragus (Caracatus), rei dos Bretões do Oeste e dos Silures. Eles foram temporariamente instalados em um colégio druídico. Arviragus lhes doou terras para construírem suas ‘eclésias’.
Não é necessário discorrer sobre a presença cristã pré-agostinho naquela região. As evidências são inúmeras. Assim, termino com exemplos do ensinamento de Pelagius (esse “herético”), para que possam novamente comparar e ver o que esse ‘santo’ agostinho combateu:

"Pelagianismo". Deus implantou em cada um a capacidade de atingir o mais elevado nível de virtude.Temos a capacidade de não agirmos compulsoriamente, nem de sermos levados pelos nossos desejos e quereres imediatos como são os animais.

Gostaríamos de ter apenas boas e amáveis emoções em nossos corações, e que os desejos maus fossem banidos, que tivéssemos as retas palavras sempre em nossos lábios e nunca pronunciar palavras maledicentes ou rudes. Que agíssemos sempre gentilmente e generosamente, nunca maltratando os outros.
Mas se nossas emoções fossem sempre boas, palavras sempre corretas, ações sempre gentis, então nunca poderíamos aprender a diferença entre o bem e o mal.

Portanto, agradeçamos a deus que nos deu a capacidade de agir erroneamente e por essa razão deu-nos a liberdade de escolher o reto.Vamos inspecionar a nós mesmos com cuidado, observando nossas emoções que agitam nossos corações e os pensamentos que correm em nossas mentes.
Vamos aprender a bondade do coração do próprio coração e a bondade da mente dela própria.A consciência é uma santidade natural. É o juiz das ações e segue a lei interior escrita por Deus na alma.

A história (alegórica) de Adão e Eva é na verdade a história de como a raça humana ganhou sua liberdade: por comer o fruto da arvore do conhecimento, Adão e Eva tornaram-se seres humanos maduros e responsáveis por suas ações. A sociedade humana é como uma teia de aranha. Se você puxa um pequeno fio da teia, o formato de toda ela muda.

Se más ações cessarem, o coração e a alma mudarão eventualmente. A pessoa não mais terá pensamentos nem emoções ruins, e ao contrario, sentirá amor e compaixão para com os outros. Quando seguimos os passos de Cristo, o caminho vai se tornando difícil e irregular. No começo alcançamos muitas virtudes que são fáceis para nós, mas depois devemos obter outras que são muito mais difíceis. Seremos tentados a retroceder, mas isso significaria darmos as costas para Cristo.

Uma vez começado o caminho, devemos continuar até atingirmos o fim que é o paraíso. Não é preciso muito para ver que a santidade está entre aqueles combatidos por esse falso santo.
Que belos ensinamentos os de mani, dos neoplatônicos e de Pelagius!!!
Seu ‘defeito’ , serem semelhantes aos ensinamentos dos primitivos gnósticos.

E Simão o Mago, o discípulo de Jesus mais odiado pela Igreja (que criou histórias para desqualificá-lo) era chamado por ela própria de “Pai dos Gnósticos”.
E a discípula que a igreja fez tanto esforço em queimar, Madalena, era uma das mais admiradas e respeitadas nos círculos gnósticos.

Enquanto isso Temos esse “Santo” que virou santo de tanto a mãe rezar para ele não queimar no inferno (que coisas horríveis deve ter feito!) Que traiu os maniqueus por questões de orgulho e poder. Que escreveu inúmeras páginas sobre o que é Deus (como se ele fosse capaz de dizer), destruindo a contemplação mistica. Que causou indiretamente a morte de milhares de monges cristão-celtas e a ruína do cristianismo gnóstico na Bretanha. Muitas palavras de Agostinho são belas, mas há coisas mais belas para se ler. O ‘santo’ Agostinho tem em suas costas o titulo de traidor...

1) - Plotino, (205- 270), Natural de Licopólis, Egito, foi discípulo de Amônio Sacas por 11 anos e mestre de Porfírio, que nos legou seus ensinamentos em seis livros de nove capítulos cada chamados de As Enéadas.
2) - Jâmblico, nasceu em Cálcia, na Síria, em meados do século III. Estudou a magia dos caldeus, a filosofia de Pitágoras, de Platão, de Aristótelese de Plotino.Ao tomar contato com o Neoplatonismo, viajou para Roma para estudar com Porfírio.
3) Pélagius, monge bretão, 350- 423. Nasceu na Grã-Bretanha. Estabeleceu-se em Roma por volta de 405, depois viajou para África do Norte, continuou a viagem até a Palestina e escreveu dois livros sobre o pecado, o livre-arbítrio e a graça, Da natureza e Do livre-arbítrio.

segunda-feira, 8 de junho de 2009

SUFIS - A GNOSE DO ISLÃ



Os sufis são uma antiga maçonaria espiritual cujas origens nunca foram traçadas nem datadas; nem eles mesmos se interessam muito por esse tipo de pesquisa, contentando-se em mostrar a ocorrência da sua maneira de pensar em diferentes regiões e períodos. Conquanto sejam, de ordinário, erroneamente tomados por uma seita muçulmana, os sufis sentem-se à vontade em todas as religiões: exatamente como os "pedreiros-livres e aceitos", abrem diante de si, em sua loja, qualquer livro sagrado - seja a Bíblia, seja o Corão, seja a Torá - aceito pelo Estado temporal.

Se chamam ao islamismo a "casca" do sufismo, é porque o sufismo, para eles, constitui o ensino secreto dentro de todas as religiões. Não obstante, segundo Ali el-Hujwiri, escritor sufista primitivo e autorizado, o próprio profeta Maomé disse: "Aquele que ouve a voz do povo sufista e não diz aamin (amém) é lembrado na presença de Deus como um dos insensatos". Numerosas outras tradições o associam aos sufis, e foi em estilo sufista que ele ordenou a seus seguidores que respeitassem todos os "Povos do Livro", referindo-se dessa maneira aos povos que respeitavam as próprias escrituras sagradas - expressão usada mais tarde para incluir os zoroastrianos.

Tampouco são os sufis uma seita, visto que não acatam nenhum dogma religioso, por mais insignificante que seja, nem se utilizam de nenhum local regular de culto. Não têm nenhuma cidade sagrada, nenhuma organização monástica, nenhum instrumento religioso. Não gostam sequer que lhes atribuam alguma designação genérica que possa constrangê-los à conformidade doutrinária. "Sufi" não passa de um apelido, como "quacre", que eles aceitam com bom humor. Referem-se a si mesmos como "nós amigos" ou "gente como nós", e reconhecem-se uns aos outros por certos talentos, hábitos ou qualidades de pensamento naturais. As escolas sufistas reuniram-se, com efeito, à volta de professores particulares, mas não há graduação, e elas existem apenas para a conveniência dos que trabalham com a intenção de aprimorar os estudos pela estreita associação com outros sufis. A assinatura sufista característica encontra-se numa literatura amplamente dispersa desde, pelo menos, o segundo milênio antes de Cristo, e se bem o impacto óbvio dos sufis sobre a civilização tenha ocorrido entre o oitavo e o décimo oitavo séculos, eles continuam ativos como sempre.

O seu número chega a uns cinqüenta milhões. O que os torna um objeto tão difícil de discussão é que o seu reconhecimento mútuo não pode ser explicado em termos morais ou psicológicos comuns - quem quer que o compreenda é um sufi. Posto que se possa aguçar a percepção dessa qualidade secreta ou desse instinto pelo íntimo contato com sufis experientes, não existem graus hierárquicos entre eles, mas apenas o reconhecimento geral, tácito, da maior ou menor capacidade de um colega.
O sufismo adquiriu um sabor oriental por ter sido por tanto tempo protegido pelo islamismo, mas o sufi natural pode ser tão comum no Ocidente como no Oriente, e apresentar-se vestido de general, camponês, comerciante, advogado, mestre-escola, dona-de-casa, ou qualquer outra coisa. "Estar no mundo mas não ser dele", livre da ambição, da cobiça, do orgulho intelectual, da cega obediência ao costume ou do respeitoso temor às pessoas de posição mais elevada - tal é o ideal do sufi.

Os sufis respeitam os rituais da religião na medida em que estes concorrem para a harmonia social, mas ampliam a base doutrinária da religião onde quer que seja possível e definem-lhe os mitos num sentido mais elevado - por exemplo, explicando os anjos como representações das faculdades superiores do homem. Oferecem ao devoto um "jardim secreto" para o cultivo da sua compreensão, mas nunca exigem dele que se torne monge, monja ou eremita, como acontece com os místicos mais convencionais; e mais tarde, afirmam-se iluminados pela experiência real - "quem prova, sabe" - e não pela discussão filosófica. A mais antiga teoria de evolução consciente que se conhece é de origem sufista, mas embora muito citada por darwinianos na grande controvérsia do século XIX, aplica-se mais ao indivíduo do que à raça. O lento progresso da criança até alcançar a virilidade ou a feminilidade figura apenas como fase do desenvolvimento de poderes mais espetaculares, cuja força dinâmica é o amor, e não o ascetismo nem o intelecto.

A iluminação chega com o amor - o amor no sentido poético da perfeita devoção a uma musa que, sejam quais forem as crueldades aparentes que possa cometer, ou por mais aparentemente irracional que seja o seu comportamento, sabe o que está fazendo. Raramente recompensa o poeta com sinais expressos do seu favor, mas confirma-lhe a devoção pelo seu efeito revivificante sobre ele. Assim, Ibn El-Arabi (1165-1240), um árabe espanhol de Múrcia, que os sufis denominam o seu poeta maior, escreveu no Tarju-man el-Ashwaq (o intérprete dos desejos):

"Se me inclino diante dela como é do meu dever E se ela nunca retribui a minha saudação Terei, acaso, um justo motivo de queixa? A mulher formosa a nada é obrigada"

Esse tema de amor foi, posteriormente, usado num culto extático da Virgem Maria, a qual, até o tempo das Cruzadas, ocupara uma posição sem importância na religião cristã. A maior veneração que ela recebe hoje vem precisamente das regiões da Europa que caíram de maneira mais acentuada sob a influência sufista.
Diz de si mesmo, Ibn El-Arabi:

"Sigo a religião do Amor.Ora, às vezes, me chamamPastor de gazelas [divina sabedoria]Ora monge cristão,Ora sábio persa.Minha amada são três -Três, e no entanto, apenas uma;Muitas coisas, que parecem três,Não são mais do que uma.Não lhe dêem nome algum,Como se tentassem limitar alguémA cuja vistaToda limitação se confunde"

Os poetas foram os principais divulgadores do pensamento sufista, ganharam a mesma reverência concedida aos ollamhs, ou poetas maiores, da primitiva Irlanda medieval, e usavam uma linguagem secreta semelhante, metafórica, constituída de criptogramas verbais. Escreve Nizami, o sufi persa: "Sob a linguagem do poeta jaz a chave do tesouro". Essa linguagem era ao mesmo tempo uma proteção contra a vulgarização ou a institucionalização de um hábito de pensar apropriado apenas aos que o compreendiam, e contra acusações de heresia ou desobediência civil. Ibn El-Arabi, chamado às barras de um tribunal islâmico de inquisição em Alepo, para defender-se da acusação de não-conformismo, alegou que os seus poemas eram metafóricos, e sua mensagem básica consistia no aprimoramento do homem através do amor a Deus. Como precedente, indicava a incorporação, nas Escrituras judaicas, do Cântico erótico de Salomão, oficialmente interpretado pelos sábios fariseus como metáfora do amor de Deus a Israel, e pelas autoridades católicas como metáfora do amor de Deus à Igreja.

Em sua forma mais avançada, a linguagem secreta emprega raízes consonantais semíticas para ocultar e revelar certos significados; e os estudiosos ocidentais parecem não ter se dado conta de que até o conteúdo do popular "As mil e uma noites" é sufista, e que o seu título árabe, Alf layla wa layla, é uma frase codificada que lhe indica o conteúdo e a intenção principais: "Mãe de Lembranças". Todavia, o que parece, à primeira vista, o ocultismo oriental é um antigo e familiar hábito de pensamento ocidental. A maioria dos escolares ingleses e franceses começam as lições de história com uma ilustração de seus antepassados druídicos arrancando o visco de um carvalho sagrado. Embora César tenha creditado aos druidas mistérios ancestrais e uma linguagem secreta - o arrancamento do visco parece uma cerimônia tão simples, já que o visco é também usado nas decorações de Natal -, que poucos leitores se detêm para pensar no que significa tudo aquilo. O ponto de vista atual, de que os druidas estavam, virtualmente, emasculando o carvalho, não tem sentido.
Ora, todas as outras árvores, plantas e ervas sagradas têm propriedades peculiares. A madeira do amieiro é impermeável à água, e suas folhas fornecem um corante vermelho; a bétula é o hospedeiro de cogumelos alucinógenos; o carvalho e o freixo atraem o relâmpago para um fogo sagrado; a raiz da mandrágora é antiespasmódica. A dedaleira fornece digitalina, que acelera os batimentos cardíacos; as papoulas são opiatos; a hera tem folhas tóxicas, e suas flores fornecem às abelhas o derradeiro mel do ano. Mas os frutos do visco, amplamente conhecidos pela sabedoria popular como "panacéia", não têm propriedades medicinais, conquanto sejam vorazmente comidos pelos pombos selvagens e outros pássaros não-migrantes no inverno. As folhas são igualmente destituídas de valor; e a madeira, se bem que resistente, é pouco utilizada. Por que, então, o visco foi escolhido como a mais sagrada e curativa das plantas? A única resposta talvez seja a de que os druidas o usavam como emblema do seu modo peculiar de pensamento. Essa árvore não é uma árvore, mas se agarra igualmente a um carvalho, a uma macieira, a uma faia e até a um pinheiro, enverdece, alimenta-se dos ramos mais altos quando o resto da floresta parece adormecido, e a seu fruto se atribui o poder de curar todos os males espirituais. Amarrados à verga de uma porta, os ramos do visco são um convite a beijos súbitos e surpreendentes. O simbolismo será exato se pudermos equiparar o pensamento druídico ao pensamento sufista, que não é plantado como árvore, como se plantam as religiões, mas se auto-enxerta numa árvore já existente; permanece verde, embora a própria árvore esteja adormecida, tal como as religiões são mortas pelo formalismo; e a principal força motora do seu crescimento é o amor, não a paixão animal comum nem a afeição doméstica, mas um súbito e surpreendente reconhecimento do amor, tão raro e tão alto que do coração parecem brotar asas. Por estranho que pareça, a Sarça Ardente em que Deus apareceu a Moisés no deserto, supõem agora os estudiosos da Bíblia, era uma acácia glorificada pelas folhas vermelhas de um locanthus, o equivalente oriental do visco.

Talvez seja mais importante o fato de que toda a arte e a arquitetura islâmicas mais nobres são sufistas, e que a cura, sobretudo dos distúrbios psicossomáticos, é diariamente praticada pelos sufis hoje em dia como um dever natural de amor, conquanto só o façam depois de haverem estudado, pelo menos, doze anos. Os ollamhs, também curadores, estudavam doze anos em suas escolas das florestas. O médico sufista não pode aceitar nenhum pagamento mais valioso do que um punhado de cevada, nem impor sua própria vontade ao paciente, como faz a maioria dos psiquiatras modernos; mas, tendo-o submetido a uma hipnose profunda, ele o induz a diagnosticar o próprio mal e prescrever o tratamento. Em seguida, recomenda o que se há de fazer para impedir uma recorrência dos sintomas, visto que o pedido de cura há de provir diretamente do paciente e não da família nem dos que lhe querem bem.

Depois de conquistadas pelos sarracenos, a partir do século VIII d.C, a Espanha e a Sicília tornaram-se centros de civilização muçulmana renomados pela austeridade religiosa. Os letrados do norte, que acudiram a eles com a intenção de comprar obras árabes a fim de traduzi-las para o latim, não se interessavam, contudo, pela doutrina islâmica ortodoxa, mas apenas pela literatura sufista e por tratados científicos ocasionais. A origem dos cantos dos trovadores - a palavra não se relaciona com trobar, (encontrar), mas representa a raiz árabe TRB, que significa "tocador de alaúde" - é agora autorizadamente considerada sarracena. Apesar disso, o professor Guillaume assinala em "O legado do Islã" que a poesia, os romances, a música e a dança, todos especialidades sufistas, não eram mais bem recebidas pelas autoridades ortodoxas do Islã do que pelos bispos cristãos. Árabes, na verdade, embora fossem um veículo não só da religião muçulmana mas também do pensamento sufista, permaneceram independentes de ambos.

Em 1229 a ilha de Maiorca foi capturada pelo rei Jaime de Aragão aos sarracenos, que a haviam dominado por cinco séculos. Depois disso, ele escolheu por emblema um morcego, que ainda encima as armas de Palma, a nossa capital. Esse morcego emblemático me deixou perplexo por muito tempo, e a tradição local de que representa "vigilância" não me pareceu uma explicação suficiente, porque o morcego, no uso cristão, é uma criatura aziaga, associada à bruxaria. Lembrei-me, porém, de que Jaime I tomou Palma de assalto com a ajuda dos Templários e de dois ou três nobres mouros dissidentes, que viviam alhures na ilha; de que os Templários haviam educado Jaime em le bon saber, ou sabedoria; e de que, durante as Cruzadas, os Templários foram acusados de colaboração com os sufis sarracenos. Ocorreu-me, portanto, que "morcego" poderia ter outro significado em árabe, e ser um lembrete para os aliados mouros locais de Jaime, presumivelmente sufis, de que o rei lhes estudara as doutrinas.

Escrevi para Idries Shah Sayed, que me respondeu:
"A palavra árabe que designa o morcego é KHuFFaasH, proveniente da raiz KH-F-SH. Uma segunda acepção dessa raiz é derrubar, arruinar, calcar aos pés, provavelmente porque os morcegos freqüentam prédios em ruínas. O emblema de Jaime, desse modo, era um simples rébus que o proclamava "o Conquistador", pois ele, na Espanha, era conhecido como "El rey Jaime, Rei Conquistador". Mas essa não é a história toda. Na literatura sufista, sobretudo na poesia de amor de Ibn El-Arabi, de Múrcia, disseminada por toda a Espanha, "ruína" significa a mente arruinada pelo pensamento impenitente, que aguarda reedificação.O outro único significado dessa raiz é "olhos fracos, que só enxergam à noite". Isso pode significar muito mais do que ser cego como um morcego. Os sufis referem-se aos impenitentes dizendo-os cegos à verdadeira realidade; mas também a si mesmos dizendo-se cegos às coisas importantes para os impenitentes. Como o morcego, o sufi está cego para as "coisas do dia" - a luta familiar pela vida, que o homem comum considera importantíssima - e vela enquanto os outros dormem. Em outras palavras, ele mantém desperta a atenção espiritual, adormecida em outros. Que "a humanidade dorme num pesadelo de não-realização" é um lugar-comum da literatura sufista. Por conseguinte, a sua tradição de vigilância, corrente em Palma, como significado de morcego, não deve ser desprezada."

A absorção no tema do amor conduz ao êxtase, sabem-no todos os sufis. Mas enquanto os místicos cristãos consideram o êxtase como a união com Deus e, portanto, o ponto culminante da consecução religiosa, os sufis, só lhe admitem o valor se ao devoto for facultado, depois do êxtase, voltar ao mundo e viver de forma que se harmonize com sua experiência.

Os sufis insistiram sempre na praticabilidade do seu ponto de vista. A metafísica, para eles, é inútil sem as ilustrações práticas do comportamento humano prudente, fornecidas pelas lendas e fábulas populares. Os cristãos se contentame em usar Jesus como o exemplar perfeito e final do comportamento humano. Os sufis, contudo, ao mesmo tempo que o reconhecem como profeta divinamente inspirado, citam o texto do quarto Evangelho: "Eu disse: Não está escrito na vossa Lei que sois deuses?" - o que significa que juizes e profetas estão autorizados a interpretar a lei de Deus - e sustenta que essa quase divindade deveria bastar a qualquer homem ou mulher, pois não há deus senão Deus. Da mesma forma, eles recusaram o lamaísmo do Tibete e as teorias indianas da divina encarnação; e posto que acusados pelos muçulmanos ortodoxos de terem sofrido a influência do cristianismo, aceitam o Natal apenas como parábola dos poderes latentes no homem, capazes de apartá-lo dos seus irmãos não-iluminados. De idêntica maneira, consideram metafóricas as tradições sobrenaturais do Corão, nas quais só acreditam literalmente os não-iluminados. O Paraíso, por exemplo, não foi, dizem eles, experimentado por nenhum homem vivo; suas huris (criaturas de luz) não oferecem analogia com nenhum ser humano e não se deviam imputar-lhes atributos físicos, como acontece na fábula vulgar.
Abundam exemplos, em toda a literatura européia, da dívida para com os sufis. A lenda de Guilherme Tell já se encontrava em "A conferência dos pássaros", de Attar (séc. XII), muito antes do seu aparecimento na Suíça. E, embora dom Quixote pareça o mais espanhol de todos os espanhóis, o próprio Cervantes reconhece sua dívida para com uma fonte árabe. Essa imputação foi posta de lado, como quixotesca, por eruditos; mas as histórias de Cervantes seguem, não raro, as de Sidi Kishar, lendário mestre sufista às vezes equiparado a Nasrudin, incluindo o famoso incidente dos moinhos (aliás de água, e não de vento) tomados equivocadamente por gigantes. A palavra espanhola Quijada (verdadeiro nome do Quixote, de acordo com Cervantes) deriva da mesma raiz árabe KSHR de Kishar, e conserva o sentido de "caretas ameaçadoras".
Os sufis muçulmanos tiveram a sorte de proteger-se das acusações de heresia graças aos esforços de El-Ghazali (1051-1111), conhecido na Europa por Algazel, que se tornou a mais alta autoridade doutrinária do islamismo e conciliou o mito religioso corânico com a filosofia racionalista, o que lhe valeu o título de "Prova do Islamismo". Entretanto, eram freqüentemente vítimas de movimentos populares violentos em regiões menos esclarecidas, e viram-se obrigados a adotar senhas e apertos de mão secretos, além de outros artifícios para se defenderem.

Embora o frade franciscano Roger Bacon tenha sido encarado com respeitoso temor e suspeita por haver estudado as "artes negras", a palavra "negra" não significa "má". Trata-se de um jogo de duas raízes árabes, FHM e FHHM, que se pronunciam fecham e facham, uma das quais significa "negro" e a outra "sábio". O mesmo jogo ocorre nas armas de Hugues de Payns (dos pagãos), nascido em 1070 ,que fundou a Ordem dos Cavaleiros Templários: a saber, três cabeças pretas, blasonadas como se tivessem sido cortadas em combate, mas que, na realidade, denotam cabeças de sabedoria.

"Os sufis são uma antiga maçonaria espiritual..." De fato, a própria maçonaria começou como sociedade sufista. Chegou à Inglaterra durante o reinado do rei Aethelstan (924-939) e foi introduzida na Escócia disfarçada como sendo um grupo de artesãos no princípio do século XIV, sem dúvida pelos Templários. A sua reformação, na Londres do início do século XVIII, por um grupo de sábios protestantes, que tomaram os termos sarracenos por hebraicos, obscureceu-lhes muitas tradições primitivas. Richard Burton, tradutor das "Mil e uma noites", ao mesmo tempo maçom e sufi, foi o primeiro a indicar a estreita relação entre as duas sociedades, mas não era tão versado que compreendesse que a maçonaria começara como um grupo sufista. Idries Shah Sayed mostra-nos agora que foi uma metáfora para a "reedificação", ou reconstrução, do homem espiritual a partir do seu estado de decadência; e que os três instrumentos de trabalho exibidos nas lojas maçônicas modernas representam três posturas de oração. "Buizz" ou "Boaz" e "Salomão, filho de Davi", reverenciados pelos maçons como construtores do Templo de Salomão em Jerusalém, não eram súditos israelitas de Salomão nem aliados fenícios, como se supôs, senão arquitetos sufistas de Abdel-Malik, que construíram o Domo da Rocha sobre as ruínas do Templo de Salomão, e seus sucessores. Seus verdadeiros nomes incluíam Thuban abdel Faiz "Izz", e seu "bisneto", Maaruf, filho (discípulo) de Davi de Tay, cujo nome sufista em código era Salomão, por ser o "filho de Davi". As medidas arquitetônicas escolhidas para esse templo, como também para o edifício da Caaba em Meca, eram equivalentes numéricos de certas raízes árabes transmissoras de mensagens sagradas, sendo que cada parte do edifício está relacionada com todas as outras, em proporções definidas.

De acordo com o princípio acadêmico inglês, o peixe não é o melhor professor de ictiologia, nem o anjo o melhor professor de angelologia. Daí que a maioria dos livros modernos e artigos mais apreciados a respeito do sufismo sejam escritos por professores de universidades européias e americanas com pendores para a história, que nunca mergulharam nas profundezas sufistas, nunca se entregaram às extáticas alturas sufistas e nem sequer compreendem o jogo poético de palavras pérseo-arábicas. Pedi a Idries Shah Sayed que remediasse a falta de informações públicas exatas, ainda que fosse apenas para tranqüilizar os sufis naturais do Ocidente, mostrando-lhes que não estão sós em seus hábitos peculiares de pensamento, e que as suas intuições podem ser depuradas pela experiência alheia. Ele consentiu, embora consciente de que teria pela frente uma tarefa muito difícil. Acontece que Idries Shah Sayed, descendente, pela linha masculina, do profeta Maomé, herdou os mistérios secretos dos califas, seus antecessores. É, de fato, um Grande Xeque da Tariqa (regra) sufista, mas como todos os sufis são iguais, por definição, e somente responsáveis perante si mesmos por suas consecuções espirituais, o título de "xeque" é enganoso. Não significa "chefe", como também não significa o "chefe de fila", velho termo do exército para indicar o soldado postado diante da companhia durante uma parada, como exemplo de exercitante militar.

A dificuldade que ele previu é que se deve presumir que os leitores deste livro tenham percepções fora do comum, imaginação poética, um vigoroso sentido de honra, e já ter tropeçado no segredo principal, o que é esperar muito. Tampouco deseja ele que o imaginem um missionário. Os mestres sufistas fazem o que podem para desencorajar os discípulos e não aceitam nenhum que chegue "de mãos vazias", isto é, que careça do senso inato do mistério central. O discípulo aprende menos com o professor seguindo a tradição literária ou terapêutica do que vendo-o lidar com os problemas da vida cotidiana, e não deve aborrecê-lo com perguntas, mas aceitar, confiante, muita falta de lógica e muitos disparates aparentes que, no fim, acabarão por ter sentido. Boa parte dos principais paradoxos sufistas está em curso em forma de histórias cômicas, especialmente as que têm por objeto o Kboja (mestre-escola) Nasrudin, e ocorrem também nas fábulas de Esopo, que os sufis aceitam como um dos seus antepassados.

O bobo da corte dos reis espanhóis, com sua bengala de bexiga, suas roupas multicoloridas, sua crista de galo, seus guizos tilintantes, sua sabedoria singela e seu desrespeito total pela autoridade, é uma figura sufista. Seus gracejos eram aceitos pelos soberanos como se encerrassem uma sabedoria mais profunda do que os pareceres solenes dos conselheiros mais idosos. Quando Filipe II da Espanha estava intensificando sua perseguição aos judeus, decidiu que todo espanhol que tivesse sangue judeu deveria usar um chapéu de certo formato. Prevendo complicações, o bobo apareceu na mesma noite com três chapéus. "Para quem são eles, bobo?", perguntou Filipe. "Um é para mim, tio, outro para ti e outro para o inquisidor-mor". E como fosse verdade que numerosos fidalgos medievais espanhóis haviam contraído matrimônio com ricas herdeiras judias, Filipe, diante disso, desistiu do plano. De maneira muito semelhante, o bobo da corte de Carlos I, Charlie Armstrong (outrora ladrão de carneiros escocês), que o rei herdara do pai, tentou opor-se à política da Igreja arminiana do arcebispo Laud, que parecia destinada a redundar num choque armado com os puritanos. Desdenhoso, Carlos pedia a Charlie seu parecer sobre política religiosa, ao que o bobo lhe respondeu: "Entoe grandes louvores a Deus, tio, e pequenas laudes ao Diabo". Laud, muito sensível à pequenez do seu tamanho, conseguiu que expulsassem Charlie Armstrong da corte (o que não trouxe sorte alguma ao amo).

segunda-feira, 1 de junho de 2009

Interpretando a parábola do Filho Pródigo




Nossa breve jornada pelo cristianismo primitivo não foi motivada por saudosismo, nem pela intenção. Deixemos que o evangelista nos conte, mais uma vez, sua linda mensagem de esperança para todos nós, peregrinos há muito desgarrados e humilhados em terra distante, que ansiamos voltar à Casa do Pai.
“Um homem tinha dois filhos. O mais jovem disse ao pai: ‘Pai, dá-me a parte da herança que me cabe’. E o pai dividiu os bens entre eles. Poucos dias depois, ajuntando todos os seus haveres, o filho mais jovem partiu para uma região longínqua e ali dissipou sua herança numa vida devassa. E gastou tudo. Sobreveio àquela região uma grande fome e ele começou a passar privações. Foi, então, empregar-se com um dos homens daquela região, que o mandou para seus campos cuidar dos porcos. Ele queria matar a fome com as bolotas (cascas) que os porcos comiam, mas ninguém lhas dava. E caindo em si, disse: ‘Quantos servos de meu pai têm pão com fartura, e eu aqui, morrendo de fome! Vou-me embora, procurar o meu pai e dizer-lhe:
Pai, pequei contra o Céu e contra ti; já não sou mais digno de ser chamado teu filho. Trata-me como um dos teus empregados. Partiu, então, e foi ao encontro de seu pai. Ele estava ainda longe, quando seu pai viu-o, encheu-se de compaixão, correu e lançou- lhe ao pescoço, cobrindo-o de beijos. O filho, então, disse-lhe: ‘Pai, pequei contra o Céu e contra ti; já não sou digno de ser chamado teu filho’. Mas o pai disse aos seus servos: ‘Ide depressa, trazei a melhor túnica e revesti-o com ela, ponde-lhe um anel no dedo e sandálias nos pés. Trazei o novilho cevado e matai-o; comamos e festejemos, pois este meu filho estava morto e tornou a viver; estava perdido e foi reencontrado!’ E começaram a festa. Seu filho mais velho estava no campo. Quando voltava, já perto de casa ouviu músicas e danças. Chamando um servo, perguntou-lhe o que estava acontecendo. Este lhe disse: ‘É teu irmão que voltou e teu pai matou o novilho cevado, porque o recuperou com saúde’. Então ele ficou com muita raiva e não queria entrar. Seu pai saiu para suplicar-lhe. Ele porém, respondeu a seu pai: ‘Há tantos anos que eu te sirvo, e jamais transgredi um só dos teus mandamentos, e nunca me deste um cabrito para festejar com meus amigos. Contudo, veio esse teu filho, que devorou teus bens com prostitutas, e para ele matas o novilho cevado!’ Mas o pai lhe disse: ‘Filho, tu estás sempre comigo, e tudo o que é meu é teu. Mas era preciso que festejássemos e nos alegrássemos, pois esse teu irmão estava morto e tornou a viver, ele estava perdido e foi reencontrado!” (Lc 15:11-32).
Para a maior parte dos cristãos, que por diversas vezes ouviram referências a essa parábola em sermões dominicais, a estória significa pouco mais do que a infinita generosidade do Pai, que recebe de braços abertos o filho pródigo que saiu de sua Casa para entregar-se à devassidão, dissipando sua herança. É mais uma lembrança de que o erro não compensa, mas que, em última análise, se tivermos a desgraça de cair no pecado (e quem não caiu incontáveis vezes?) podemos, por meio da verdadeira contrição, ser perdoados e recebidos de novo pelo Pai. Essa interpretação singela tem seus méritos e satisfaz a grande massa dos fiéis.
Mas existe muito mais riqueza por trás dessa parábola, que é um verdadeiro exemplo de quantos ensinamentos podem estar velados na linguagem do simbolismo.O respeitado pesquisador e autor Geoffrey Hodson afirma que essa parábola pode ser interpretada tanto do ponto de vista macro como do microcósmico, pois todas as alegorias apresentadas na Linguagem Sagrada são passíveis de diferentes níveis de interpretação. Isso deve-se a natureza essencial da unidade de toda a manifestação, desde o infinitamente grande até o infinitamente pequeno, tanto nos planos mais elevados como nos mais grosseiros. Esse é o sentido do homem ter sido criado à imagem e semelhança de Deus. Visto sob outro ângulo, o homem é aquele ser em quem o espírito mais elevado e a matéria mais densa estão unidos pela mente.
Segundo aquele autor, a parábola do Filho Pródigo descreve, de forma simplificada, o processo cíclico de descida consciente da vida do Logos à matéria e seu eventual retorno à origem, à Casa do Pai, devidamente enriquecida pela experiência do processo, como simbolizado pela boa vinda concedida pelo Pai a seu filho. A parábola oferece um magnífico cenário, onde os atores e as principais etapas da jornada da alma, segundo a interpretação de G. Hodson, podem ser apresentados resumidamente da seguinte forma:
O Pai.
Representa o eterno e infinito Genitor, do qual o temporário e o finito são gerados. Ele é causa primordial de toda a manifestação, sendo uma Existência ilimitada e incognoscível.
O Filho mais Velho.
No sentido macrocósmico, personifica os elohim, as inteligências criadoras ou arcanjos, que nunca perdem a consciência da unidade com sua Fonte divina, permanecendo, portanto, em casa. No sentido microcósmico, representa a Centelha Divina no homem, ou a Mônada humana, que também permanece em unidade com a Fonte divina.
O Filho Pródigo.
Macrocosmicamente, representa o aspecto imanente do Logos, a vida divina interior que embarca na grande peregrinação pelos diferentes planos da manifestação. No seu sentido microcósmico, representa o raio projetado da Mônada que, no seu devido tempo, manifesta-se a nível da inteligência abstrata como a alma espiritual em sua veste imortal de luz, o Cristo interior. Ele é o Deus peregrino que habita no homem, seu Eu Superior, que passa por infindáveis experiências na Terra.
A Casa do Pai.
A consciência do Logos do Universo (o Pai) está estabelecida em seu mundo espiritual mais elevado. Alegoricamente, o Pai permanece em casa com as inteligências criativas cósmicas, o filho mais velho. Essa é a residência celestial do ‘Pai que está nos Céus’.
Ele toma a sua parte da herança e parte em viagem. A ‘parte da herança’ representa a porção de vida cósmica alocada a uma unidade individual em manifestação. Esse evento é, às vezes, descrito como a ‘queda dos anjos’, dando uma conotação infeliz ao processo.
Um símbolo mais apropriado é a plantação de sementes, que são enterradas na escuridão do solo, de onde germinarão, no seu devido tempo, quando regadas com a água da vida e fortalecidas com a luz do espírito. Num sentido pessoal, a ‘herança’ refere-se aos poderes armazenados no Eu Superior. Quando o homem chega ao ‘país distante’, isto é, manifesta-se no mundo das formas, esses poderes serão expressos de inúmeras maneiras, algumas temporariamente infrutíferas, insatisfatórias, daí a parábola dizer que o filho dissipou a herança de forma ‘pródiga’.
A região longínqua.
O país distante é o espaço virgem sobre o qual o novo Sistema Solar será construído, ou como dizem os gnósticos, o Grande Abismo. No sentido microcósmico, o país distante é o campo evolutivo, incluindo, portanto, os planos mental, emocional, etérico e físico, dos quais o corpo físico, por ser o mais denso, é geralmente tido como a prisão do Ego imortal.
Dissipar a herança.
Refere-se à Eterna Oferenda pela qual o Logos sacrifica Sua essência espiritual para que Seu Universo possa existir. É a crucificação voluntária do Cristo cósmico, o Filho Pródigo. Como se trata de um processo de limitação da vida universal da Deidade do universo, vincula-se alegoricamente como a dissipação da herança.
Uma grande fome.
No sentido macrocósmico, representa a inércia que resulta do equilíbrio temporário entre Espírito e matéria, quando é alcançado o ponto mais denso da manifestação. Microcosmicamente, refere-se à ausência de compreensão espiritual da mente concreta durante a etapa inicial da peregrinação da alma, quando não recebe conscientemente nenhum impulso espiritual, mas vive para a gratificação da personalidade de forma deliberadamente egoísta e sensual. Fome e sede são também símbolos do anseio pela verdade. Embora a fome e a sede físicas possam ter conseqüências desastrosas, a fome e a sede da alma são auspiciosas, pois representam o prelúdio da busca da verdade.
Ele se emprega para cuidar de porcos.
O porco é um símbolo dos instintos e desejos mais baixos e sensuais do homem. Isso significa que o filho pródigo chegou ao fundo do poço da materialidade, sensualidade e depravação.
Ele alimenta os porcos.
No sentido macrocósmico, a vida una (o filho pródigo) vitaliza as formas materiais grosseiras (os porcos). Sem essa alimentação interior eles morreriam de inanição (fome). De forma similar, a Mônada, como microcosmo, supre o poder e ‘alimenta’ espiritualmente a alma que, por sua vez, inspira e vitaliza a personalidade. Na aplicação pessoal do símbolo, alimentar os porcos significa dar energia vital para as tendências animalescas, indicativas da vulgaridade que ocorre no ponto mais denso da jornada evolutiva.
Ele queria matar a fome com as cascas jogadas aos porcos.
As cascas são os revestimentos físicos exteriores, ou as formas temporárias. Comer cascas, então, simboliza existência e experiência no interior da forma externa mais densa. Para o intelecto humano, essa fase da jornada corresponde ao estágio evolutivo em que a mente é incapaz de apreender as idéias e verdades abstratas e espirituais, daí alimentar-se com as idéias concretas. A percepção de que as cascas, ou a natureza efêmera das formas exteriores, são inteiramente insatisfatórias produz um anseio pelas realidades permanentes interiores. Essa é a verdadeira ‘fome’ por Deus, o anseio da alma pela união com sua verdadeira Fonte.
Mas ninguém lhas dava.
A fome ainda perdura. A descoberta da realidade pelo homem é acompanhada pela compreensão de que a fome da alma nunca poderá ser satisfeita por ‘comida’ do exterior, e que a peregrinação da alma não terminará enquanto houver dependência de apoios externos. Esse é também um indício da solidão do místico.
Os servos de seu Pai comem enquanto ele passa fome.
O ciclo de descida à matéria está chegando ao fim, pois o filho pródigo pensa em seu lar. O místico, faminto por alimento espiritual, contempla a casa do Pai, os seres espirituais e as inteligências criativas, os servos do Supremo, que têm comida em abundância. O homem que começa a despertar espiritualmente, percebe lentamente que somente através do serviço ao próximo poderá encontrar o caminho de casa e trilhá-lo até o fim. Somente pelo serviço o homem pode tornar-se Senhor do Todo. Está implícita a necessidade de humildade e a subserviência da personalidade ao Eu espiritual.
Vou-me embora.
Macrocosmicamente, o ponto mais baixo da involução foi atingido e a viagem de retorno começa. Microcosmicamente, o filho pródigo fala pela primeira vez, indicando que a vida universal no homem atingiu a autoconsciência e a individualidade, capacitando-o a entrar deliberadamente no caminho de retorno. Seu arrependimento expressa um estágio de maturidade no qual descobre que nenhum objeto exterior pode satisfazer espiritualmente a alma, ou ‘salvar’ qualquer ser humano. A busca da satisfação começa a ser direcionada para o interior e para cima. Simbolicamente, o filho pródigo arrepende-se de seus erros anteriores, descobre o verdadeiro caminho e começa a jornada de retorno.
E ele partiu e foi ao encontro de seu Pai.
Ainda que a longa e árdua jornada de volta à casa do Pai não seja explicitada (a via normal ou o caminho acelerado), a meta é atingida finalmente. Tendo escolhido as realidades permanentes, o homem entra no Caminho do Discipulado e acelera a viagem. A ilusão da separatividade é superada, e a consciência universal, a condição da Casa do Pai, é atingida.
Seu Pai corre para recebê-lo, dando calorosas boas vindas e o beija.
Quando o caminho de retorno é trilhado, num certo ponto ocorre um afluxo de poder divino. A partir de então, para cada passo que o aspirante dá em direção ao alto, Mestre Jesus, o Cristo, dá dois passos em sua direção, alegoricamente seu Pai corre para abraçá-lo. No sentido iniciático, o beijo simboliza a descida da força monádica sobre o candidato, por meio da voz e do tirso do hierofante na iniciação. Nesse sentido, o beijo representa a união das energias telúricas com as energias espirituais no centro da cabeça do iniciado, conferindo iluminação.
O filho pródigo confessa ser indigno.
A confissão metafórica revela que, quando o ciclo evolutivo está prestes a terminar, o peregrino compreende o quanto a descida à matéria macula a expressão do Espírito. Da mesma forma, quando o Eu Superior alcança um certo grau de autoconsciência e é capaz de transmitir esse fato à mente e ao cérebro do homem mortal, então a motivação e a conduta não-espirituais anteriores são deploradas e renunciadas. A adoção natural dessa atitude de reconhecimento, renúncia e entrega marca uma fase muito importante no desenvolvimento do homem. Em cada encarnação, esse processo de arrependimento também ocorre no momento da morte, quando a alma passa em revista toda a vida da personalidade.
O Pai disse: trazei a melhor veste.
Vestimenta nova é símbolo de um estado de consciência renovado e expandido. A vestimenta existente expressa as limitações usuais da personalidade como egoísmo, preconceito, intolerância, cegueira espiritual e outros grilhões da mente, que devem ser descartados para que uma nova fase evolutiva possa ser adentrada. Geralmente, uma veste nova ou lavada significa um novo corpo para a consciência, uma vez terminada uma etapa de experiência de vida no mundo. Agora a Veste do Filho é do melhor tecido, o mais sutil, a veste de Luz, ou Manto de Glória.
O Pai disse: ponde-lhe um anel no dedo e sandálias nos pés.
O círculo (anel), é o símbolo da eternidade e do poder e sabedoria eternos. Um ciclo foi terminado, e o anel indica que outro deverá ser começado, pois a progressão cíclica não tem começo concebível nem fim imaginável. O anel simboliza também os poderes adquiridos com o término do ciclo anterior. A colocação de sandálias nos pés complementa o simbolismo do anel no fim de um ciclo. A substância macrocósmica, especialmente a mais densa, é comumente representada por calçados, pois esses são colocados na parte inferior do corpo. O Ser está agora capacitado a entrar num novo ciclo devidamente aparelhado.
Ao lavar os pés de seus discípulos, Mestre Jesus pretendeu o mesmo significado. Os pés simbolizam a fundação da vida humana e das atividades diárias. Quando são purificados ou ‘lavados’ pela ação inspiradora e iluminadora do Princípio Crístico no interior de cada homem, então, é alcançada a autopurificação.
O novilho cevado.
Simboliza o resultado do processo criativo. Macrocosmicamente, comer o novilho cevado indica a absorção na Fonte divina de todas experiências e poderes resultantes do processo de manifestação em seus ciclos involutivo e evolutivo. No homem, o microcosmo, o novilho é o símbolo da sabedoria intuitiva, que nasce da descida da vontade espiritual ao veículo da inteligência abstrata, onde reside a alma imortal. No sentido espiritual, o processo de comer o novilho cevado, assim como todo banquete, simboliza o estado de ‘plenitude’ que foi alcançado ao fim de um ciclo (como a última ceia do Senhor).
O irmão mais velho ficou com raiva.
A suposta raiva do filho mais velho deve ser tomada como uma manobra proposital para não chamar a atenção dos profanos para a natureza mais profunda da sabedoria secreta, pois é inconcebível a inveja entre diferentes aspectos da natureza Divina. Microcosmicamente, os dois irmãos podem ser considerados como os dois aspectos da mente humana, abstrato e concreto. Quando ocorre a sublimação da mente concreta, após o seu mergulho na matéria, os dois aspectos da mente são unidos e tornam-se o princípio intelectual. Assim, é natural que no fim da grande peregrinação o filho mais novo e o mais velho sejam reunidos na casa do Pai.
Teu irmão estava morto e tornou a viver; ele estava perdido e foi reencontrado!
A parábola descreve estados de consciência. A morte, nesse caso, implica na completa, ainda que temporária, perda, pelo homem mortal, da experiência da natureza divina e imortal do verdadeiro Eu. A ressurreição, por outro lado, descreve o redescobrimento desse conhecimento da unidade. Estar perdido significa o estado mental de ilusão da separatividade, que inibe temporariamente a compreensão espiritual, principalmente da unidade com Deus.
Queda e redenção.
A idéia da queda do homem, da maldição de Eva e do pecado original, descritos no Gênesis, estão em íntima conexão com o tema da Parábola do Filho Pródigo, e descrevem a ‘queda’ do Espírito na matéria e sua eventual redenção, simbolizada pela jornada do filho pródigo ao país longínquo e seu retorno à casa do Pai. Em contato com a matéria, o Espírito perde temporariamente a consciência da unidade, desenvolvendo a ilusão da separatividade, individualismo, orgulho, sensualidade, que constituem o preço que cada habitante da Terra deve pagar para alcançar o estado do Homem Perfeito, o Adepto.
Tudo o que é meu é teu. A suave reprimenda do Pai ao filho mais velho, constitui a afirmação da verdade eterna de que todos os seres são expressões da vida una divina. Conseqüentemente, todas as manifestações da vida una participam nas realizações umas das outras, ainda que aparentemente separadas. A afirmação do Pai sobre a unidade aparece corretamente ao final da estória, que descreve alegoricamente o término de um grande ciclo.